A Justiça de Santa Catarina condenou em 14 de setembro, em 1ª instância, Dauro Favaro a 12 anos de prisão pelo homicídio da própria esposa. A acusação do Ministério Público Estadual (MPE-SC) é de que ele não avisou à parceira que tinha o vírus HIV. A defesa nega o desconhecimento por parte da mulher, que morreu há nove anos, e apresentou recurso.
Favaro, morador de Araranguá (SC), ficou viúvo pela primeira vez em 2003 e, após um ano, se casou novamente. Na época, ele tinha 56 anos e a mulher, 52. Segundo a família dela, os dois foram morar juntos oito meses depois de se conhecerem. “Ele era agricultor, muito trabalhador e veio trabalhar aqui”, contou a irmã da vítima, que preferiu não ser identificada. Ela disse ainda que a irmã era simples, também agricultora, e até então havia vivido apenas com a mãe, ajudando a criar os irmãos mais novos.
A relação familiar era boa nos dois primeiros anos de casamento, mas se deteriorou. A saúde da mulher também teve piora progressiva, até o dia em que a irmã decidiu levá-la de volta para a casa da mãe. “Fui até a casa dele e ela estava muito doente. Disse que não tinha a chave da casa para sair. Uma vizinha nos ajudou a tirar ela de lá por um buraco no muro”, contou.
Favaro tentou evitar que a mulher fosse levada, conforme o relato, mas sem sucesso. “Insisti e levei ela”, lembrou a irmã. A mulher morreu em poucas semanas, três dias após ser diagnosticada com aids. Essa discussão foi o que motivou o boletim de ocorrência que resultou mais tarde na investigação da Promotoria.
No entendimento do MPE-SC, Favaro, “ciente de que era portador do vírus da aids, transmitiu, por meio de relações sexuais”, a doença para a mulher. “Era uma briga familiar, uma ocorrência menor, que acabou levando à investigação”, lembrou o promotor Gabriel Ricardo Zanon Meyer, que apresentou a denúncia.
A aids é a doença ocasionada pelo HIV, mas pessoas que tenham o vírus no organismo não necessariamente desenvolvem a infecção sexualmente transmissível (IST). De acordo com a advogada de Favaro, Edna Borges Antonello Rocha, o cliente manteve contato constante com a mulher durante todo o período em que ela esteve com a família e também a visitou no hospital.
A família da vítima afirma ter procurado vários médicos para a mulher, que já tinha problemas graves de visão. “O oftalmologista que procuramos chegou a dizer que suspeitava que ela estava com aids”, relembra a irmã. Mas o diagnóstico definitivo só viria alguns dias depois, quando ela já estava internada e prestes a ser entubada.
A defesa contesta a informação de que a doença do marido não era conhecida pela esposa e seus parentes. Segundo a advogada, o cliente avisou à mulher sobre o fato de não usar medicação quando começaram o relacionamento. Isso ocorria porque, segundo ele, a unidade de saúde não fornecia o remédio para pacientes com o quadro clínico como o dele, em que não havia agravamento.
De acordo com a Promotoria, informações relatadas pela vítima à médica – que constam no prontuário – indicam que o casal fazia sexo sem preservativo. “Não se trata de cercear o direito sexual de pessoas com HIV. Eu mesmo já tive casos em que se pediu denúncia contra o parceiro e neguei porque a pessoa que morreu sabia da doença”, afirma Meyer.
Vice-presidente da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), Veriano Terto Jr chama atenção justamente para o risco de aumento do estigma que pessoas portadoras de HIV sofrem com essas ações judiciais. “Vemos um tratamento superficial de um sistema que é complexo e deveria ser melhor analisado e estudado antes de se divulgar, para que não se criem dúvidas que caiam na conta, na responsabilidade do soropositivo”, diz.
Em 2012, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já havia decidido que a transmissão consciente do HIV trata-se de lesão corporal grave, prevista pelo artigo 129 do Código Penal. Já o Supremo Tribunal Federal (STF), em 2010, havia firmado a compreensão de que praticar sexo com a finalidade de transmitir aids não configura crime doloso contra a vida. Com isso, a Corte afastou a possibilidade de uma conduta do tipo ser avaliada pelo Tribunal do Júri.
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