Número de crimes violentos mais que dobrou nos meses de março e abril em Macaíba, na comparação com o mesmo período do ano passado. Alta é puxada pela atuação das facções criminosas PCC e Sindicato do Crime do RN
Publicado 8 de maio de 2021 às 00:05
A guerra entre facções criminosas pelo controle do tráfico de drogas em Macaíba, na Região Metropolitana de Natal, ganhou novos episódios de terror ao longo dos últimos dois meses. Em meio ao fogo cruzado, os moradores da cidade convivem com constantes roubos, invasões de casas, assassinatos e intensas trocas de tiros na disputa por território, enquanto testemunham a alta nos índices de violência. Em algumas regiões do município, os criminosos impõem regras para o funcionamento do comércio e do transporte, além de restrições a motoristas e pedestres a partir de um toque de recolher sob pena de morte.
Somente nos meses de março e abril deste ano — período em que o conflito entre integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC) e do Sindicato do Crime do RN (SDC) se acirrou — o número de Condutas Violentas Letais Intencionais (CVLIs) mais que dobrou em comparação com o mesmo período do ano passado: passou de 10 para 24 registros de crimes, como homicídio doloso e latrocínio. Os dados são da Coordenadoria de Informações Estatísticas e Análise Criminal (Coine), da Secretaria de Estado da Segurança Pública e da Defesa Social (Sesed/RN).
Para o delegado Cidorgeton Pinheiro, que há dois anos coordena uma operação de combate ao crime organizado em Macaíba, todas as ocorrências violentas da cidade têm relação direta com as facções. “Fui apresentado a um contexto em que estava bastante aflorado essa questão das disputas territoriais por facções. A violência empregada pelos criminosos impôs uma atuação mais direcionada ao combate do crime organizado. Nós temos crimes de homicídio, roubo, tráfico de drogas, mas tudo isso é em decorrência das facções criminosas. Focamos na prisão dos líderes das duas facções para que se perca as mentes pensantes”, detalha.
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A ação das facções vem alterando até mesmo a rotina dos moradores da região. “Aqui a gente faz tudo com medo, é medo de sair na rua, de trabalhar. Macaíba se tornou uma cidade muito perigosa. Se der 18h e a gente não estiver em casa, corre risco de morrer. Depois desse horário, ninguém mais anda na rua, Uber não sobe porque tem medo e não é permitido pelos bandidos. A gente espera que a polícia continue fazendo esse trabalho para a gente ter pelo menos uma tranquilidade para trabalhar”, conta uma moradora da cidade, que preferiu não se identificar por medo de represálias.
Loteada pelas duas facções rivais, a cidade chegou a registrar nove mortes a tiros em um intervalo de uma semana. No dia 26 de março, Leandro Lima da Silva, de 20 anos, e Felipe Sales de Lima Júnior, 17, foram assassinados em uma barbearia localizada no bairro Campo das Mangueiras. Quase que simultaneamente, em Lagoa de Pedras, na periferia de Macaíba, Leiliane da Silva Soares, 29, também foi alvo de um ataque por arma de fogo.
Uma semana depois, em 2 de abril, seis pessoas foram mortas a tiros, na mesma noite, em três regiões diferentes de Macaíba. Os feirantes Saulo Emanuel de Lima Romeiro, 16, e Geovane do Nascimento Nunes, 25, sofreram disparos enquanto montavam bancas para a feira livre, nas proximidades da Praça Augusto Severo.
No Campo das Mangueiras, as vítimas dos criminosos armados foram Ítalo Felipe Tenório da Silva, 20, Ransmiller Carlos de Araújo Pontes, 20, e Lucas Gabriel de Souza, 23. No loteamento Esperança, Romário Varela Tinôco, 26, foi alvejado em diversas partes do corpo e morreu no local. A polícia suspeita de que os crimes façam parte de uma ação coordenada, uma vez que todas as vítimas foram executadas em um intervalo de cerca de 30 minutos.
Antes, em 14 de março, um tiroteio entre criminosos do PCC e do Sindicato do RN, que durou aproximadamente três horas, assustou a população da região conhecida como Baixa, próximo ao Centro. Três dias depois, no dia 17 de março, as facções criminosas voltaram a se confrontar pelo domínio territorial, trocando tiros e ateando fogo em casas da comunidade.
Segundo investigações da Polícia Civil de Macaíba, historicamente, a região da Baixa é uma área comumente sitiada pelos criminosos da filial potiguar do Primeiro Comando da Capital (PCC), a exemplo do bairro Vilar. A Baixa, localizada na parte urbana da cidade, se tornou o centro da guerra pelo tráfico de drogas em Macaíba após a prisão de João Maria Bernardo da Silva, 31 anos, conhecido como Joãozinho da Baixa, e Iranilson Gabriel da Silva, 30, duas lideranças do PCC na comunidade. Além disso, o aspecto geográfico também contribuiu para a acirramento do conflito, uma vez que a Baixa é cercada pelos bairros São José, Morada da Fé e Campo da Santa Cruz, regiões dominadas pelo Sindicato do Crime do RN.
“A gente tem focado nestas localidades para enfraquecer ao máximo a atuação desses criminosos. Toda vida que a gente prende um líder de uma facção causa um espaço vazio, que a outra facção tenta ocupar e aí há o confronto, a guerra. Em outras cidades próximas existem, sim, membros das duas facções, e não há um conflito ainda mais exacerbado em razão de não ter havido uma operação mais direcionada a prender os membros de liderança dessas facções”, explica o delegado Cidorgeton Pinheiro.
Ainda segundo a Polícia Civil, o assassinato de quatro pessoas na chacina ocorrida no dia 2 de março, na comunidade do Mosquito, Zona Oeste de Natal, tem relação direta com a mudança de foco dos criminosos para Macaíba.
“Em Natal, no Mosquito, havia também um núcleo dessa facção de fora (PCC) e depois de embates, até uma chacina ocorreu. Houve a perda do domínio e eles (SDC) migraram as atenções para Macaíba para buscar esse domínio territorial. A facção aqui do RN quis comemorar o aniversário dela. Em um vídeo no YouTube, eles citam que vão dominar o Mosquito e depois vão partir para Baixa. Mosquito em Natal e Baixa em Macaíba, que são os dois locais com maior incidência de criminosos dessa facção de São Paulo (PCC). Há essa questão do domínio para prática de ilícitos, principalmente o tráfico, que é o que sustenta toda a base financeira dessas organizações”, acrescenta o agente.
De acordo com o titular da Delegacia de Polícia Civil de Macaíba, o combate ao crime organizado tem sido prioridade. Em julho de 2019, os agentes da cidade deflagraram a Operação Parabellum, que desempenha papel-chave no enfraquecimento da atuação das facções na 5ª maior cidade do RN. “A Parabellum já vai na sua 17ª fase. Nós tentamos ao máximo primar pela prisão dos integrantes que se impõem como liderança ou qualquer outro cargo que exerçam dentro dessas facções. Todas as prisões tem seu grau, mas além das prisões de Joãozinho da Baixa e Iran, logo depois efetuamos a prisão de quatro suspeitos do Vilar com explosivos que seriam usados nessa guerra”, destaca Cidorgeton Pinheiro.
Outro marco da operação foi a apreensão de um fuzil calibre 7.62 de fabricação argentina. “O fuzil causava uma grande inquietude aos agentes de segurança e a população de bem. Ele pode transpor barreiras como postes, muros, paredes e poderia ter ocasionado um mal maior. Esse fuzil surgiu em 2019, logo no início da Parabellum, numa invasão da facção de SP no bairro Raiz. Em seguida, houve uma tentativa da outra facção invadir a Baixa e aí surgiu esse armamento. Tentamos por várias vezes fazer a apreensão dele e finalmente conseguimos agora após um trabalho exaustivo de investigação”, comenta.
Ao NOVO, a Prefeitura de Macaíba informou que planeja investimentos em segurança pública para diminuir as taxas de violência no município. Em nota, a gestão afirmou que trabalha para implementar um sistema moderno de videomonitoramento, além de criar uma Guarda Municipal e construir uma sede para o Batalhão de Cavalaria.
“Além disso, a Prefeitura está buscando a posição do Tribunal de Contas do Estado para que seja autorizado o pagamento de diárias operacionais para reforçar as ações da Polícia Militar na cidade. Em seu início de gestão, Emídio Jr. já solicitou e conseguiu junto à governadora Fátima Bezerra, que o efetivo do 11º Batalhão, com sede na cidade, fosse incrementado com mais 16 policiais”, diz trecho da nota enviada à reportagem.
O PCC surgiu no Rio Grande do Norte em 2008, após a transferência de dois presos que estavam custodiados na Penitenciária Federal de Campo Grande (MS) para a Penitenciária de Alcaçuz, de acordo com relatos de agentes e de ex-detentos da unidade. Ao longo de três anos, o grupo criminoso tomou forma em meio a fugas, motins e assassinatos brutais dentro do maior complexo penal do RN. Em 14 de setembro de 2011, o PCC fez a primeira aparição pública no estado ao hastear uma bandeira do grupo criminoso depois de um motim no Pavilhão 04 de Alcaçuz.
Em 2012, alguns membros do PCC, descontentes com o funcionamento da organização, se articulam para formar um novo grupo: Sindicato do RN. Segundo investigações do Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN), a dissidência foi oficialmente fundada em 2013 e desde então rivaliza com o PCC.
Para o policial civil Nilton Arruda, que participou das primeiras prisões de membros do PCC no RN, as facções se fortaleceram diante de um gargalo na Segurança Pública do Estado. “Essas facções criminosas cresceram com o aumento da logística dela, do poderio financeiro. Hoje eu posso dizer com segurança que o PCC tem áreas consolidadas no interior. Em Natal e na Grande Natal, as áreas que existem domínio do PCC são áreas conflitantes, áreas em que o Sindicato está sempre adentrando para tentar dominar. Falta com certeza investimento por parte do Estado para estruturar a polícia investigativa ”, afirma.
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