Até o último dia 14 de julho, 41 mulheres foram assassinadas no Rio Grande do Norte. Desse total de crimes, oito são considerados feminicídio, quando o crime for cometido em decorrência do gênero da vítima. Nesse cenário, a violência doméstica tem um lugar de destaque. Até maio deste ano, 1.020 ocorrências foram registradas nas cinco Delegacias Especializadas em Atendimento à Mulher (DEAMs), segundo dados da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social do Rio Grande do Norte (Sesed/RN), localizadas na Zona Norte e Zona Sul de Natal, em Parnamirim, em Caicó e em Mossoró.
O número causa um impacto à primeira vista, contudo, em comparação a anos anteriores, o RN não apresenta aumento de casos registrados. Em 2020, início da pandemia, apenas nas DEAMs Zona Norte, Zona Sul e Parnamirim, foram registrados 2.107 casos, o que significou uma queda de 25% dos registros de violência doméstica em comparação com 2019, que teve 2.827 ocorrências. No entanto, a delegada de Polícia Civil do RN, Paoulla Maués, vê com preocupação essa baixa contagem, visto que ela pode representar uma subnotificação dos casos, em decorrência das vítimas não estarem denunciando os crimes sofridos.
“Isso não quer dizer que diminuiu a violência. Não acreditamos. Acreditamos sim que aumentou, porém o que diminuiu foi a manifestação dessas mulheres que estão sendo agredidas, seja de qualquer uma das formas, de registrar a ocorrência na delegacia”, diz a delegada Paoulla Maués.
Com o intuito de aumentar as opções para as vítimas de agressão, a Polícia Civil do Rio Grande do Norte conta com uma Delegacia Virtual da Mulher, em funcionamento desde junho de 2020, mas essa nova ferramenta apresenta um baixo número de denúncias. Nos seis primeiros meses de funcionamento, a delegacia virtual registrou apenas 41 ocorrências e a delegada Paoulla Maués acredita que isso se deve a pouca divulgação dos canais abertos para receber denúncias, que também é apontada como uma das causas para a diminuição dos registros em delegacias físicas.
“As vítimas estão se calando, mas temos que identificar os fatores que levam a isso. Nós tentamos divulgar muito que as delegacias continuam abertas e não paramos na pandemia, mas muita gente deve achar que paramos”, diz Paoulla Maués, delegada de Polícia Civil.
A doutora Carla Fernandes Barros, professora do curso de Direito na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, fala sobre as causas de estarmos vendo tantos casos nos últimos dias: “as estatísticas estão aí mostrando que houve um incremento muito relevante e com certeza a pandemia influenciou nisso. Porque as mulheres, em razão do isolamento, da possibilidade de não sair, de ficar sem rede de apoio, sem contato com o mundo exterior e por um longo período mais próxima de quem, em regra são os agentes da violência, favorece o surgimento de casos como os que temos visto”, diz.
Nos últimos dias, alguns casos têm ganhado notoriedade no Brasil, como o episódio envolvendo o DJ Ivis, que agrediu a ex-esposa, e também no Rio Grande do Norte, como o caso da cabeleireira Natália Abade, de 30 anos, residente na cidade de Extremoz, região da Grande Natal. Ela foi agredida pelo então namorado durante uma festa de aniversário na madrugada do último dia 27 de junho.
Natália conta que as agressões começaram quando ela foi até o carro ajudar um amigo, que é drag queen, a tirar a peruca que estava apertando a cabeça dele. Ela conta que ficou cerca de 15 minutos com o amigo, e quando estava voltando para a festa, encontrou com o namorado que chegou perguntando onde ela estava e a agredindo com um tapa no rosto e puxando o seu cabelo. Após isso, ele jogou ela dentro do carro e continuou agredindo-a até chegar em casa, quando a polícia foi acionada por vizinho e prendeu o agressor me flagrante, que acabou sendo solto menos de 24 horas depois.
O exame de corpo de delito feito no Instituto Técnico-Científico de Perícia (ITEP) apontou pelo menos 27 lesões diferentes sofridas por Natália. Para ela, o que aconteceu foi uma tentativa de homicídio, e chegou a pensar que ia mesmo morrer.
“Na esquina da minha casa ele parou o carro e começou a bater dentro do carro mesmo. Em um momento eu fingi desmaio, mas mesmo eu caída, ele continuou chutando minhas pernas”, diz Natália Abade, que em outro momento, já dentro de casa, precisou se ajoelhar enquanto lembrava a ele que ela tem um filho.
Para oferecer apoio às vítimas de violência doméstica, que muitas vezes acabam dependendo apenas das respostas judiciais, a jornalista potiguar Juliana Celli, em parceria com a advogada Beathriz Chiana, criaram um perfil na rede social Instagram para debater especificamente o tema de violência doméstica e oferecer apoio social, acolhendo e colocando, inclusive, serviços profissionais de advocacia à disposição das vítimas.
“Nós sabemos que existem órgãos competentes para atender essas mulheres, mas nas redes sociais a gente quer levantar esse acolhimento social também, para dizer que elas não estão sós, e que tem alguém ao lado delas para ajuda-las a se reerguer”, diz a jornalista Juliana Celli, idealizadora do @defendemosmulheres.
“Não podemos visualizar uma mulher ser agredida e ficar calada, achando que aquela cultura que nós temos de ‘não se mete em briga de marido e mulher’ ela pode perdurar. Temos leis que precisam ser divulgadas e a mulher precisa encontrar uma rede de apoio”, diz a advogada Beathriz Chianca, idealizadora do projeto @defendemosmulheres.
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