Cultura

Não há nada oculto que não venha a ser revelado

O evangelho cristão já dizia e a “Era do Compartilhamento” confirma que a linha que separa vida pública e privada caminha para a inexistência

Publicado 30 de agosto de 2022 às 07:32

Uma das coisas que me intrigam sobre Machado de Assis é o fato de que em tudo relacionado a ele, há sempre algum tipo de referência a José de Alencar. A sala Machado de Assis, na Academia Brasileira de Letras, por exemplo, tem um busto enorme de José de Alencar, que também é o patrono da cadeira de Machado de Assis, a número 23, na casa em que foi o primeiro presidente, em 1897, e de onde é o presidente perpétuo.

Muitos atribuem as constantes menções de Machado a Alencar à gratidão pelo fato de o cearense ter sido o padrinho literário do criador de Dom Casmurro. Mas, o que não se diz é que, o tamanho do busto de Alencar, pode, sim, expressar o nível da culpa que Machado carregou durante a vida, pois há quem diga que ele é o pai biológico de Mário de Alencar, escritor e também imortal da Academia Brasileira de Letras na cadeira 21.

Vejam, a fofoca tornou-se pública quando da publicação dos diários pessoais de outro imortal, este da cadeira 20, Humberto de Campos, que tinha o hábito de escrever sobre personalidades políticas e literárias em seus cadernos pessoais. Porém, depois da morte dele e dado o sucesso que os escritos publicados por ele faziam, o conteúdo privado tornou-se público e, entre as anotações, há o registro de que Machado de Assis seria o pai biológico do filho de José de Alencar, Mário de Alencar, que tinha em Machado, uma referência literária.

Foto: Élida Mercês

Busto de Machado de Assis no salão nobre da Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro

Se a paternidade de Mário de Alencar e a culpa de Machado de Assis nunca poderão ser desvendadas, fica a reflexão sobre o que bem disse Lucas, o evangelista, no capítulo 8, versículo 17: “Pois não há nada secreto que um dia não apareça, nada oculto que não deva ser conhecido e vir à plena luz.” Sempre haverá aquele que sabe e vê o que fazemos. Sempre. 

E se não bastasse essa preocupação – moral -, há outra reflexão sobre o que acontece com as coisas que guardamos depois que morremos, isso vale para o físico e para o digital. Os diários de Humberto de Campos, chamados de pessoais não sem razão, não são o único exemplo desse tipo de publicação póstuma. “Carta o pai”, de Kakfa, também é exemplo da lista infinita de material publicizado à revelia do autor. Mas, e os seus escritos? As coisas que você guarda achando que ninguém nunca vai saber? Já pensou o que acontecerá com elas quando você não mais estiver aqui e as consequências que resultarão do que for revelado? 

Como se vê, a inexistência da privacidade não é algo questionável somente nos dias de hoje, o ponto é que na chamada “Era do Compartilhamento” ela ganhou novas proporções.