A violência sexual corresponde à metade das agressões praticadas contra crianças e adolescentes de 10 a 14 anos no País. Trata-se da única faixa etária em que esse tipo de crime é mais prevalente, apontam dados divulgados nesta terça-feira, 18, no Atlas da Violência, relatório produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Ao todo, o Brasil teve 221,2 mil casos de violência contra a mulher em 2022. Conforme o relatório, as agressões normalmente acontecem dentro de casa e em contexto intrafamiliar – praticamente dois terços dos episódios têm esse perfil (65,2%). Os homens são os principais autores.
Entre as formas mais frequentes, a agressão física apareceu como prevalente no somatório de todas as faixas etárias, representando 36,7% dos casos. O segundo tipo mais frequente são as chamadas “violências múltiplas” (31,1%), em que mais de uma forma de violência foi informada pela vítima. Na sequência, estão negligência (11,9%), violência psicológica (10,7%), violência sexual (8,9%) e outras formas de violência (0,7%).
“Quando a gente olha para as meninas de 10 a 14 anos, a principal causa de atendimento no sistema de saúde foi violência sexual, quase metade dos casos. Isso traz um pouco da magnitude do problema”, aponta Samira Bueno, uma das coordenadoras do Atlas e diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Em 2022, esse tipo de violação foi apontada em 49,6% dos registros na faixa etária de 10 a 14 anos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde.
“A gente normalmente só publicava os dados do DataSUS (sobre violência contra mulher) e esse ano decidimos incluir as informações do Sinan, que é o sistema de notificação de agravos. Ou seja, (ele contabiliza) o número de meninas que passaram pelo sistema de saúde e teve alguma violência foi notificada”, aponta Samira.
A pesquisadora destaca que, no Sinan, violência é de notificação compulsória. “Então toda pessoa que sofre qualquer tipo de violência e passa pelo sistema de saúde, isso necessariamente tem que ser objeto de preenchimento de uma ficha”, diz. “Assim, a gente consegue ver o tipo de violência predominante por faixa etária e indicar a autoria em cada etapa da vida.”
O Atlas aponta que, em 2022, entre as vítimas de 0 a 9 anos, a violência mais frequente foi a negligência, com 37,9% dos casos, seguido de violência sexual, com 30,4%, diz o documento. Depois, ganha força a violência sexual entre as vítimas de 10 a 14 anos. “Já de 15 até 69 anos, em todas as faixas etárias, o que predomina é a violência física”, aponta Samira.
A violência física, segundo o relatório, esteve presente em 35,1% dos casos de violência na faixa etária de 15 a 19 anos.
Depois, chegou a 49% entre mulheres de 20 a 24 anos, e se manteve acima dos 40% até os 59 anos.
“A partir dos 70 anos, a negligência volta a ser uma forma de violência bastante presente na vida das mulheres, crescendo até o fim da vida”, indica Atlas.
Dos 70 aos 74 anos, 26,5% dos casos de violência foram classificados como negligência e 28,8%, como violência física. Dos 75 aos 79 anos a negligência esteve em 37,5% dos casos desta faixa etária e chegou a 50,4% em mulheres com 80 anos ou mais.
Homicídios de mulheres não apresentam queda
Enquanto a taxa geral de homicídios (de homens e mulheres) caiu 3,6% entre 2021 e 2022, os homicídios de mulheres não apresentaram essa melhora nos índices. Os dados indicam que não houve variação da taxa entre 2021 e o ano seguinte – o indicador ficou no patamar de 3,5 mortes para cada 100 mil mulheres brasileiras.
As notificações também revelam as disparidades raciais da violência. Mulheres negras corresponderam a 66,4% das vítimas, ou 2.526 assassinadas, ante 1.280 homicídios de mulheres não negras.
Isso significa que mulheres negras tiveram 1,7 vezes mais risco de serem vítimas de homicídio, se comparadas com as não negras. Em alguns Estados, a diferença é ainda maior. Mulheres negras de Alagoas têm risco 7,1 vezes maior de serem mortas violentamente em comparação com as não negras.
“O racismo estrutural e institucional, a interseccionalidade entre gênero e raça, bem como a insuficiência de políticas específicas de proteção a esse público, são chaves interpretativas que precisam ser consideradas para compreender esses altos índices, uma vez que mulheres negras são tradicionalmente mais expostas a fatores geradores de violência, em comparação com mulheres não negras”, aponta o estudo.
Congresso discute projeto de lei do aborto
A divulgação do Atlas ocorre no momento em que o Congresso discute um projeto de lei que equipara o aborto após 22 semanas de gravidez ao crime de homicídio simples. No fim de semana, milhares de manifestantes fecharam ruas – entre elas a Avenida Paulista, em São Paulo, que reuniu milhares de pessoas em protesto contra a proposta.
Nesta segunda-feira, 17, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) aprovou parecer contrário ao projeto. O documento afirma que a criminalização do aborto para além do que já prevê a legislação “incidirá de forma atroz sobre a população mais vulnerabilizada, pretas, pobres, de baixa escolaridade, perfil onde também incide o maior índice de adolescentes grávidas”. (Colaborou José Maria Tomazela).
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