O Ministério da Defesa pediu acesso ao código-fonte do sistema de votação brasileiro, em uma nova fase da fiscalização das eleições. Os códigos sigilosos fazem funcionar as urnas eletrônicas e a contagem de votos registrados nelas pelos eleitores, além da totalização nos computadores da Justiça Eleitoral. Desde o ano passado, as entidades fiscalizadoras já podem ter acesso aos códigos-fonte, num espaço destinado à inspeção, na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em Brasília. O pedido dos militares foi atendido e o trabalho de fiscalização começará nesta quarta-feira (3).
Em geral, a liberação dos códigos ocorre seis meses antes do pleito, mas para ampliar a transparência a Justiça Eleitoral autorizou o acesso antecipado, dez meses atrás. Os militares começarão a inspecionar o sistema numa estação de trabalho própria para o exame, pela primeira vez, a partir das 10h, em acordo com o TSE.
A sala para inspeção dos softwares e respectivas linhas de programação foi inaugurada no dia 4 de outubro, diante de integrantes da Comissão de Transparência Eleitoral, da qual os militares fazem parte. Desde então, os arquivos poderiam ser inspecionados nesse espaço por representantes técnicos de partidos, Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil, Forças Armadas, Polícia Federal e universidades, entre outras instituições. Um projeto-piloto criado pelo TSE em fevereiro ofereceu o acesso aos códigos-fonte remotamente, fora das dependências da Corte, à PF, à Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Classificado como ‘urgentíssimo’, o novo pedido dos militares foi encaminhado ao TSE pelo Ministério da Defesa na segunda-feira (1), depois de uma reunião entre equipes na Corte. O autor da solicitação é o ministro da Defesa, general do Exército da reserva Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira. O ministro pediu na prática o agendamento de dez dias de trabalho dos militares na sala designada pelo TSE para consulta aos sistemas eletrônicos, conforme estabelecido nas regras de fiscalização.
“Solicito a Vossa Excelência a disponibilização dos códigos fontes dos sistemas eleitorais, mais especificamente do Sistema de Apuração (SA), do Sistema de Votação (VOTA), do Sistema de Logs de aplicações SA e VOTA e do Sistema de Totalização (SisTot), que serão utilizados no processo eleitoral de 2022”, diz um dos ofícios enviados ao ministro Edson Fachin, presidente do TSE.
O tempo de trabalho é considerado pelos militares “exíguo” – a janela inicial vai de 2 a 12 de agosto, antes do início formal da campanha. Os militares querem obter acesso aos códigos nesse período. Eles argumentaram que a resolução da Corte com normas de fiscalização e auditoria das eleições “prevê a garantia do acesso antecipado aos sistemas eleitorais desenvolvidos pelo TSE”. As Forças Armadas foram credenciadas pelo tribunal como entidade fiscalizadora em dezembro do ano passado, repetindo o que ocorrera pela primeira vez nas eleições municipais de 2020.
Os militares dizem que as Forças Armadas ainda não haviam acessado os códigos porque estavam dedicados às atividades da Comissão de Transparência Eleitoral e à elaboração de propostas, no primeiro semestre do ano. Eles também argumentam que somente foram legitimados como fiscalizadores em dezembro do ano passado Em junho, o ministro comunicou a nomeação da equipe fiscalizadora das Forças Armadas, com dez oficiais, e informou sobre a intenção de realizar os procedimentos dentro do prazo estipulado, 8 de julho. Desde então, o TSE trabalhou na organização de um calendário de auditorias das entidades fiscalizadoras. A primeira reunião entre todas as equipes técnicas ocorreu nesta segunda-feira.
O TSE diz que “garantiu às entidades fiscalizadoras prazo estendido para inspecionarem os códigos-fonte dos programas de computador que são embarcados na urna eletrônica e que compõem o sistema eletrônico de votação”. Segundo o tribunal, já inspecionaram os sistemas a Controladoria-Geral da União (CGU), o Ministério Público Federal (MPF), a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e o Senado Federal. A Polícia Federal vai realizar o procedimento entre 22 e 26 de agosto. O PTB está inspecionado nesta semana. É o primeiro partido a examinar os códigos – PV e PL, agendados para o ano passado, não realizaram a inspeção.
Além dos códigos-fonte, Nogueira também cobrou da Corte resposta às solicitações de “informações técnicas preparatórias”. Em junho, as Forças Armadas haviam pedido uma série de informações sobre esses sistemas, divididas em 12 tópicos. Entre eles, estavam dados históricos referentes às eleições de 2014 e 2018, justamente as que Bolsonaro insiste em questionar apontando manipulação do resultado, sem jamais ter apresentado provas.
Os militares voltaram a fazer referência à necessidade de obter esses dados para elaborar seu plano de fiscalização, dividido em oito etapas. Eles enviaram justificativas de viés técnico para os pedidos, em documento assinado pelo coronel da ativa Marcelo Nogueira de Sousa, chefe da Equipe das Forças Armadas de Fiscalização do Sistema Eletrônico de Votação.
Conforme Sousa, a “ausência das referidas informações poderá prejudicar o desenvolvimento dos trabalhos da equipe para cumprir as etapas de fiscalização”. As Forças Armadas também requisitaram a indicação de um servidor do Judiciário que sirva de “ponto de contato” com os militares.
Ministros do Palácio do Planalto que despacham diretamente com o presidente entraram no circuito para tentar convencer o próximo presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, a aceitar ao menos parte das três propostas das Forças Armadas sobre o sistema eleitoral, a tempo de implementar em 2022. Fachin, por sua vez, rejeitou adotar as sugestões no momento.
Entre elas, estão o estímulo a auditorias feitas por partidos políticos; a realização de testes públicos de segurança com um novo modelo de urna, a UE2020; e a mudança no teste de integridade, que seria transferido para as seções eleitorais no dia da votação e envolveria o eleitor – depois de votar na cabine oficial, o cidadão seria convidado a destravar, com biometria, uma segunda urna destinada apenas ao teste da “votação paralela”.
A Defesa participa das conversas. Os militares dizem que Moraes tem relação mais próxima com a pasta do que Fachin. O próximo presidente do TSE assume em 16 de agosto. Conforme o plano dos emissários de Jair Bolsonaro, Moraes aceitaria alguma mudança até o fim do mês, a tempo de baixar a temperatura para os atos de 7 de setembro. Bolsonaro, então, daria por encerrado o tema.
Nesta segunda-feira, porém, ministros do STF saíram em defesa do sistema eleitoral eletrônico. Moraes disse na volta do recesso do Judiciário que pessoas de boa fé entendem que o sistema eleitoral brasileiro é motivo de orgulho, uma manifestação que vai contra a campanha de desconfiança interna e externa promovida por Bolsonaro.
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