Brasil

Superlotação e condições em presídios são a base das facções criminosas

Segundo especialista, o poder dessas organizações só diminuirá quando Poder Público enfrentar diretamente o problema nas prisões brasileiras

por: NOVO Notícias

Publicado 27 de março de 2023 às 16:26

Situação do sistema carcerário brasileiro acaba beneficiando facções criminosas no País. Foto: Marcello Casal/Agência Brasil

Situação do sistema carcerário brasileiro acaba beneficiando facções criminosas no País. Foto: Marcello Casal/Agência Brasil

A superlotação e as péssimas condições dos presídios brasileiros são as raízes para o surgimento de facções criminosas no país, afirma a doutora em sociologia Camila Nunes Dias, professora da Universidade Federal do ABC Paulista, uma das autoras do livro ‘A Guerra: A ascensão do PCC e o Mundo do Crime no Brasil’.

Para a especialista, o poder dessas organizações só diminuirá quando Poder Público enfrentar diretamente o problema nas prisões brasileiras. Segundo Dias, “não apenas se apostar apenas na repressão a eles com polícia, com regime duro, com armas, bombas (…) não vai ter nenhum tipo de avanço”.

“Enquanto as prisões continuarem sendo celeiros de grupos criminais, a gente não vai resolver o problema. Vai se apagar o incêndio e daqui um ano ou seis meses, a gente vai estar falando de novo do assunto porque uma nova crise está acontecendo e é assim, cíclico”, argumentou.

Em entrevista à Rádio Nacional, a especialista em temas ligados ao sistema prisional, à criminalidade organizada e à segurança pública fala sobre a história e atuação dessas organizações no Brasil após ataques promovidos por uma facção criminosa no Rio Grande do Norte e de operação da Polícia Federal, que prendeu suspeitos com planos de sequestro e homicídio de autoridades e servidores públicos.

Confira os principais trechos da entrevista:

Rádio Nacional: Qual a origem dessas facções criminosas, como o PCC [Primeiro Comando da Capital], de São Paulo, e o Sindicato do Crime, que tem sido apontado como responsável pelos ataques no Rio Grande do Norte?

Camila Nunes Dias: Existe algo em comum entre essas organizações. São grupos que a gente costuma chamar de facções. Eles têm origem dentro de estabelecimentos prisionais e está vinculada a reivindicação contra a opressão existente dentro das prisões. É uma reivindicação por direitos.

O sistema prisional brasileiro é violador de direitos, sempre foi e continua sendo. Esses grupos surgem nesse contexto. O Sindicato do Crime, no Rio Grande do Norte surge em 2013 já em um contexto de reação também ao PCC, que estava se espalhando pelo Brasil.

Rádio Nacional: O surgimento do PCC tem alguma ligação com o massacre do Carandiru?

Camila Nunes Dias: Sim, tem uma relação direta. O PCC surge em 1993, o massacre do Carandiru foi em 1992. O surgimento do PCC é uma espécie de união dos presos contra aquilo que entendiam ser uma ameaça à segurança deles. O governo do estado [de São Paulo], através da Polícia Militar, promoveu um massacre de 111 presos. Quem garante que não iria se repetir? Nesse contexto que o PCC foi criado.

Rádio Nacional: Sobre os ataques no Rio Grande do Norte, algumas linhas de investigação apontam que as ações seriam uma represália contra as condições dos presídios do estado. A senhora acha que é isso mesmo? Afinal, o que está por trás desses ataques?

Camila Nunes Dias: Do meu entendimento, é isso mesmo. A gente não pode pressupor que as pessoas sejam torturadas reiteradamente dentro de estabelecimentos prisionais, como é o caso do Rio Grande do Norte. Em vários relatórios, incluindo o mais recente no final do ano passado, há relatos de atrocidades cometidas contra os presos por servidores públicos e a negligência, omissão das autoridades que nada fizeram para impedir, punir ou interromper esse processo. Não dá para gente pressupor que isso vai continuar assim, indefinidamente, e não vai haver reação.

Infelizmente, desde 2017, movimentos sociais, familiares e outros têm denunciado essas condições das prisões, só que nada foi feito.

Quando se ignora uma violência gravíssima sofrida por uma população, não estou falando de violência banal, mas de um crime [cometido por] agentes públicos e fica impune. Infelizmente, às vezes, a resposta violenta é a única ouvida. Agora, pelo menos, está todo mundo falando no assunto. Precisou dessa violência nas ruas para que a sociedade de uma maneira geral falasse sobre esse assunto.

Rádio Nacional: Sobre a operação do PCC que previa sequestrar autoridades e servidores públicos, o que dá para dizer sobre esse caso com as informações que temos até agora? O que eles queriam com essa ação de monitorar servidores e autoridades?

Camila Nunes Dias: Até o momento, tem uma grande confusão pelo menos no que eu acompanho na imprensa em relação a esses casos. Vi alguns casos falando que pretendiam no caso do do senador Sérgio Moro era sequestrar e executar. A partir das informações da imprensa, se é sequestro você tem um objetivo: pode ser troca por um preso ou por alguém que está preso, dinheiro. Se você quer executar, o objetivo é outro. Você quer matar e não tem nenhuma lógica envolvida, é uma vingança, porque a partir da gestão Sérgio Moro se interromperam visitas íntimas nos presídios federais.

Então, está muito confuso até o momento. Estou acompanhando pela imprensa, mas a compreensão disso, e só parte dela, só vai acontecer quando a gente entender direito o que que aconteceu.

Já o promotor Lincoln Gakiya é um outro caso, que não tem relação com o material encontrado relacionado ao senador Sérgio Moro e está sendo divulgada como se fosse a mesma coisa. O promotor Lincoln já vem sendo ameaçado pelo PCC há muitos anos. Ele vem à frente no combate ao PCC em São Paulo há muito tempo, através do GAECO [Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado de São Paulo] e há muitos anos ele sofre ameaças.

A gente tem que esclarecer melhor o que realmente foi encontrado, a investigação como que aconteceu. Até pra compreender o que que se pretendia, porque da forma como está sendo veiculada, pra mim, não faz sentido. Não é a primeira vez que há ataques contra autoridades, mas o PCC tem mudado ao longo da sua história um pouco a sua estratégia de enfrentamento, porque contra autoridades elas tendem a dar errado e gerar prejuízos.

Rádio Nacional: Diante de sua experiência em relação às facções criminosas no Brasil, o que poderia ser feito pelo Estado para minar o poder delas e reduzir a influência que demonstram ter no território nacional?

Camila Nunes Dias: O poder das facções só vai ser reduzido quando se enfrentar aquilo que produziu esses grupos. Enquanto se apostar apenas na repressão a eles com polícia, com regime duro, com armas, bombas (…) não vai ter nenhum tipo de avanço. Tem que se enfrentar as causas.

A causa primária é a superlotação e as péssimas condições das prisões. Enquanto as prisões continuarem sendo celeiros de grupos criminais, a gente não vai resolver o problema. Vai se apagar o incêndio e daqui um ano ou seis meses, a gente vai estar falando de novo do assunto porque uma nova crise está acontecendo e é assim, cíclico.

Eu estudo o PCC desde 2007 e é sempre assim. Ninguém fala no assunto, sobre as prisões. Quando acontece alguma coisa, as razões são as mesmas, mudam os atores, mudam os lugares e ampliam alguns grupos, como PCC, outros desaparecem. Mas a semente, a origem dos conflitos, o efeito que eles produzem de violência sempre são similares.

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