Em números absolutos são 1.018.671 potiguares em situação de extrema pobreza, o que equivale a 28,8% da população do estado, conforme estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
Publicado 24 de abril de 2021 às 03:09
O Rio Grande do Norte tem pouco mais de um milhão de pessoas sobrevivendo com uma renda mensal per capita de até R$ 89, segundo dados do Cadastro Único do Ministério da Cidadania. O valor representa 19% do preço de uma cesta básica em Natal, de acordo com cálculos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Em números absolutos são 1.018.671 potiguares em situação de extrema pobreza, o que equivale a 28,8% da população do estado, conforme estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Com menos dinheiro e menos comida no prato em um cenário de desemprego e falta de condições básicas durante a crise evidenciada pela pandemia de Covid-19, a parcela mais vulnerável da população precisa se desdobrar para garantir a próxima refeição. É o caso de Maria da Guia, 37 anos, que vive em um barraco de três cômodos com o marido e os cinco filhos na ocupação Luiz Beltrame, no conjunto Parque dos Coqueiros, Zona Norte de Natal.
Na casa improvisada com piso de terra, paredes feitas de tábuas e teto de telha Brasilit, a família depende da coleta de materiais recicláveis e da doação de alimentos. “Aqui são cinco filhos, o mais novo tem um ano e sete meses e o mais velho 12 anos, é muito difícil porque um pede um negócio e a gente não tem como dar”, conta. O avanço da Covid-19 potencializou a insegurança alimentar no RN. Somente na capital, 314 mil pessoas passaram a viver em condições de miséria e extrema pobreza após o fim da primeira fase do Auxílio Emergencial em dezembro de 2020, segundo estimativa do Conselho Regional de Economia (Coren-RN).
Em 2021, o número de beneficiários no Rio Grande do Norte caiu quase pela metade (48%) em relação ao ano anterior: passou de 1.282.230 para cerca de 666.104 pessoas, segundo projeção feita com base nos dados da Controladoria-Geral da União (CGU). O valor médio disponibilizado aos potiguares também despencou de R$ 701 pagos em agosto de 2020 para R$ 298 que é a estimativa média das parcelas que serão liberadas ao longo dos próximos quatro meses (abril, maio, junho e julho).
Em todo o estado, o impacto do novo auxílio será quase sete vezes menor do que no ano passado. Sem renda fixa e com a geladeira vazia, a catadora de recicláveis Keliane Silva de Lima, 28 anos, sobrevive de doações enquanto aguarda a liberação do Auxílio Emergencial. “A gente vive por causa de doação, a gente sai no meio do mundo para catar os recicláveis, mas está tudo muito difícil com essa pandemia. Nossa situação aqui é desse jeito, a gente não sabe se vai ter o que comer no dia seguinte”, afirma.
O novo coronavírus, já não tão novo assim, se tornou um inquilino bem conhecido do mundo todo, inclusive do Rio Grande do Norte. A atualização diária do número de mortes causadas pela Covid-19 não nos deixa esquecer do grande ceifador que está diante de nós. O vírus também é responsável por acentuar outras grandes dificuldades, que uma parcela considerável da população potiguar tem que encarar, como o desemprego, a miséria e a fome.
Trazendo consigo um rastro mórbido de dor e sofrimento, tal qual a pandemia de Covid-19, a fome poderia ser atenuada com políticas públicas sociais que proporcionassem renda mínima para famílias golpeadas pela tragédia do desemprego, como o auxílio emergencial, que em 2020 amenizou a situação crítica de milhares de famílias em todo o Estado. Ao contrário do ano passado, quando cerca de R$ 5,56 bilhões foram injetados na economia potiguar, em 2021, as parcelas do benefício estão mais pobres e mais restritas: ao final da atual fase do Auxílio, a expectativa é de que R$ 827,2 milhões, o que representa um impacto negativo de 85% com relação ao ano passado.
Situação crítica para os que dependem da renda emergencial, cenário desesperador para os que sequer podem contar com a ajuda. É o caso de João Batista, 50 anos, que há cinco está em situação de rua em Natal. Ele sente na pele o amargor da crise econômica, que o deixa sem perspectiva de dias melhores no futuro próximo. Hoje catador, João relembra os tempos em que trabalhou no Ocean Palace, um dos mais badalados pontos da faixa hoteleira luxuosa localizada na Via Costeira, Zona Sul da capital. “Hoje durmo na calçada de uma farmácia, em Lagoa Nova, e não tenho documentos, por isso não consigo o auxílio. Acabo contando com a ajuda diária da população para comer e seguira vida, vasculhando lata de lixo, procurando algum material reciclável para conseguir um trocado”, conta.
A saga é a mesma de muitas dessas figuras quase invisíveis em Natal. Cada um com uma história que tem em comum o insucesso em algum momento da vida. Cada dia, uma luta. São personagens que resistem aos mais diversos obstáculos em busca de um amanhã melhor. Na análise de Antônio Spinelli, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (CISO/UFRN), o aumento da fome pode ser atribuído a uma política econômica equivocada.
“A única solução viável para combater a crise econômica é debelar a pandemia. Ampliar a vacinação, testagem e as medidas de defesa da população, como evitar aglomerações e incentivar o uso de máscaras. O Governo Federal tem agido, através do Presidente da República, contra tudo isso. É preciso que o governo federal ofereça um auxílio emergencial mais robusto, além de estimulas as pequenas e médias empresas para que elas possam segurar o trabalhador. Com nada disso sendo feito, temos a volta do Brasil ao mapa da fome e o Rio Grande do Norte é uma peça dessa engrenagem maior”, afirma o cientista político.
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