“Nunca deixe ninguém para trás. Essa foi a maior lição que aprendi com meu pai, que já recebeu esse ensinamento do meu avô. Ele nunca deixou ninguém na mão, ele me ensinou a ser ombro. Então, jamais eu poderia largá-lo sozinho.” O depoimento é de um filho que, com os olhos marejados, conta a reviravolta que sua vida deu há 1 ano e 5 meses, quando seu pai passou a viver dentro de um quarto de hospital, na Zona Sul de Natal. Gonçalo, que tem o mesmo nome do seu genitor, trocou a vida corrida de personal trainer para ficar 24 horas cuidando do homem que ele tem como maior exemplo, seu pai, Gonçalo Varela, de 69 anos. De companheiros nessa jornada, um violão, fé e muita gratidão.
Diagnosticado com um tumor cerebral, o homem simples, morador do Sítio Morada Nova, no município de Taipu, decidiu se submeter à cirurgia em Natal. O procedimento não foi bem-sucedido e seu Gonçalo, do centro cirúrgico, já saiu direto para a UTI, onde passou longos 23 dias.
Destes, 13 dias foram de intubação e, após isso, a notícia de que todos os movimentos do corpo haviam sido perdidos. “O dano cerebral que ele teve fez com que perdesse quase tudo. Ele não tem mais o controle para coordenar o corpo. Não consegue deglutir, nem respirar sozinho, a pressão arterial também oscila muito”, explica o filho.
Sem ter quem cuidasse do pai, Gonçalo Neto decidiu largar tudo. Profissão, família e o sonho de cursar uma segunda graduação, fisioterapia. Excluiu redes sociais, mantendo apenas um aplicativo de mensagens para se comunicar. Passou a viver integralmente para o pai.
Com muitas dúvidas, pesquisou muito e estudou sobre a situação que o pai enfrenta. Um ano e cinco meses já se passaram e poucas respostas foram encontradas. Mas o equilíbrio emocional e psicológico do filho vêm sendo treinado diariamente.
“Eu fui fuzileiro naval e lá aprendi a manter o controle, a blindar a mente e não permitir que o estresse emocional me domine. Não é nada fácil ver meu pai nessa situação e não poder fazer nada, se sentir impotente.
Não é nada fácil largar uma vida e vir morar em um hospital, mas eu jamais abandonaria meu pai porque é a ele que eu devo ser o homem que me tornei. Não é só meu dever de filho estar aqui, é gratidão, é fazer por ele o que ele sempre fez por mim e por meus irmãos. Já são mais de 500 dias de batalha. Manter o equilíbrio em meio a tudo isso é, além de muita fé em Deus, força interior mesmo.
Mas se esse cara [o pai] não desistiu em um ano e cinco meses, por que eu vou desistir? E isso, mesmo sem ele dizer nenhuma palavra, é uma lição. Para qualquer pessoa aqui, ele é apenas um corpo sem utilidade, mas, para mim, é um exemplo de que eu não posso desistir nunca de nada. Minha vida agora é ele, é aqui nesse hospital”, afirma Gonçalo Neto. Questionado sobre como tem se mantido financeiramente desde que teve que largar o emprego, Gonçalo Neto diz que o apoio dos amigos da época de fuzileiro tem sido fundamental.
“Nós servimos só cinco anos juntos, mas nunca nos afastamos. Já estamos chegando a 30 anos de amizade e sempre fizemos tudo uns pelos outros. Desde que me vi nessa situação, eles não me abandonaram e têm ajudado não só a me manter, mas também a pagar exames do meu pai, quando preciso”, conta o educador físico, informando ainda que a mãe – que está no interior sendo cuidada pela filha desde a internação do marido – também manda uma ajuda de custo.
Filho mais velho de quatro irmãos, Gonçalo Neto sempre foi o mais próximo ao pai e lembra, com carinho, dos momentos juntos. “Ele sempre priorizou os filhos. Era quem me acordava cedo para ir pro treino, pra escola, que procurava saber se eu estava bem no futebol. Mais do que um pai, ele sempre foi muito amigo e foi quem me ensinou o que é amizade. Amigo é decisão porque a gente tem oportunidade de escolher quem são os nossos. Não é na bonança que a gente descobre quem é quem. É na tempestade, é no deserto. Ele me ensinou a ajudar o outro, a cuidar do outro, sempre foi um cara que se tivesse que tirar a roupa do corpo para dar a alguém, ele dava. Então, eu não posso ser diferente e fazer menos por ele”.
O violão como companheiro e reforço terapêutico
Durante todo este período em que está no hospital, Gonçalo Neto tem um violão como companheiro e na música, fonte de força e de fé. “Todos os dias eu toco um pouco. Às vezes preciso tirar forças de onde não tenho. Então, começo a tocar músicas de louvor e vejo o bem que isso faz não só a mim, mas também a familiares de outros pacientes e a funcionários. O hospital é um ambiente de dor, é muito hostil. E a música ajuda a dar força nesse momento. Tem gente que chega para mim e pergunta se eu imagino como será minha vida quando sair daqui.
Mas o que eu digo é que cada soldado reage diferente quando volta de uma guerra. Então, tudo que vi e vivi aqui dentro, nunca vou esquecer. Porém, quando eu retornar, estarei mais forte, mais maduro, mais humano”, pontua.
A rotina de voz e violão já o fez passar por outros momentos marcantes e, ao mesmo tempo, delicados. “A família de uma senhora que estava em estado terminal estava em busca de alguém que pudesse tocar umas músicas no momento de despedida. E algumas pessoas que já me conhecem por estar aqui há tanto tempo me indicaram. Foi um momento triste, de dor, mas que pude ajudar àquela família.
Também teve outro senhor, que sentia muita dor, ficava agitado e tinha dificuldade para dormir, mas com a música conseguia relaxar e dormia”, lembra.
Com 48 anos, Gonçalo Neto diz que nunca tinha se interessado em saber a origem do seu nome, que é o mesmo do seu pai e do seu avô. Mas em uma recente madrugada de sexta-feira, essa ideia veio à sua mente.
“Quando esse desejo me veio no coração, eu fui pesquisar e descobri que significa ‘aquele que se preserva no combate, alguém que não foge à luta quando se trata de alcançar seus objetivos’, e eu vi o quanto o nosso nome tem a ver com nossa personalidade. Meu avô era assim.
Meu pai aprendeu com ele e eu busco seguir os dois. Esse guerreiro aqui [diz apontando para o pai] deu a vida por mim e eu estarei aqui, ao lado dele, até o último segundo da sua vida”, conclui.
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