Um dos assuntos mais importantes em tramitação no Congresso Nacional atualmente é a regulamentação da Reforma Tributária. O Governo Federal enviou, em abril, o PLP 68//2024 para apreciação dos parlamentares, que ainda discutem as complexidades da proposta, sem uma data definida para apreciar a matéria que vai regulamentar apenas uma parte das novas regras tributárias do país.
Para entender melhor onde a reforma tributária nos levará, o NOVO ouviu o economista Guilherme Mercês, ex-diretor de Economia e Inovação da Confederação Nacional do Comércio (CNC) e ex-secretário da Fazenda do Rio de Janeiro, que explica pontos importantes da proposta, como a autonomia dos estados, a possibilidade de a reforma nascer deficitária, e qual setor deve ser mais impactado pelas novas regras.
Confira a entrevista:
NOVO Notícias: Durante as discussões em torno da reforma tributária, setores ganharam isenção ou redução de alíquotas. Corremos o risco de ter um novo sistema tributário deficitário diante do texto ficar desfigurado antes da regulamentação final?
Guilherme Mercês: “Desde o início era previsto que alguns setores deveriam ter alíquotas diferenciadas. Isso é importante porque a carga tributária, a estrutura de impostos, tem um papel distributivo em termos de renda. Eu não posso ter uma cesta básica pagando a mesma carga de impostos de bens de luxo, por exemplo. Então é natural que se tenha alíquotas diferenciadas para alguns produtos. Você não precisa ter um conjunto de alíquotas tão grande como se tem hoje no Brasil, mas é natural que se espere algumas alíquotas diferenciadas para que a carga tributária cumpra também seu papel de distribuição de renda.”
Então, o senhor acha que a reforma não corre risco de nascer deficitária?
GM: “A questão do deficitário não tem a ver com as alíquotas, tem a ver com o tamanho do governo. A carga tributária, como um todo, ela tem que cobrir despesas públicas. E aí é uma decisão da sociedade, o que que vai caber dentro dessa carga tributária. Então, na verdade, uma estrutura fiscal deficitária diz respeito ao equilíbrio entre as despesas públicas e a carga tributária e muito menos sobre as alíquotas entre os setores, até porque a conta vai ter que fechar. Então, se eu tiver menos para um setor, eu vou ter que onerar mais outro setor.”
Estados são contra o fatiamento da Reforma Tributária. Esse potencial impasse pode ser prejudicial para a conclusão da reforma?
GM: “A reforma tributária está sendo discutida no Brasil há décadas, e certamente o maior ponto de dificuldade e que explica a não aprovação nesses anos é que a reforma tributária necessariamente implica em mudanças do pacto federativo, ou seja, mudanças na forma como os recursos arrecadados com os tributos são distribuídos entre União, Estados e Municípios. Então, é natural que essa discussão Federativa fique mais quente agora. O primeiro projeto de lei complementar que foi enviado para o Congresso diz respeito mais à parte operacional desse novo imposto e o segundo projeto que está sendo esperado, mas ainda não foi enviado, diz respeito justamente às questões federativas, ou seja, como o bolo tributário vai ser distribuído entre os entes da Federação.”
Eliminado na proposta de regulamentação da reforma tributária, o regime de substituição tributária segue sobre a mesa de negociações com o Ministério da Fazenda. O mecanismo reponde por 38% da arrecadação do ICMS. O que senhor acha da medida?
GM: “Em tese, o modelo tributário que está sendo proposto não cabe um modelo de substituição tributária, porque o modelo tributário que está sendo proposto é o chamado IVA, Imposto Sobre Valor Agregado, e ele é cobrado ao final da cadeia. Ou seja, ele vai sendo descontado ao longo da cadeia e no final daquele bem ou de serviço você vai ter exatamente a alíquota que você se propôs a partir da soma do que foi paga em cada uma das etapas da produção. Quando a gente pensa na substituição tributária, eu poderia dizer que ela é o IVA às avessas. Porque em vez dela cobrar no final ela vai lá para o início da cadeia e presume, quais serão os impostos que vão ser pagos ao longo de toda a cadeia. Então me parece incompatível um sistema de IVA com sistema de substituição tributária.”
Os Estados querem autonomia para definir o cashback. Como o senhor avalia esse pleito?
GM: “É natural que os estados queiram autonomia, até porque a gente vive na República Federativa do Brasil, e a autonomia Federativa é um pressuposto da nossa forma de governo. A reforma vai estabelecer uma alíquota de referência, mas cada estado estabelecerá as suas alíquotas, então a independência federativa foi preservada e ela é necessária pelo modelo de sociedade que a gente vive. Em relação a cashback, vale a mesma coisa. Os estados, naturalmente, estão pleiteando que eles definam qual o nível de isenção eles vão dar para as populações de mais baixa renda, através do cashback da parte do Imposto que lhes cabe. Porque na reforma do bolo tributário, você vai ter dois pedaços o pedaço da União e o pedaço dos Estados e Municípios, evidentemente a autonomia dos Estados fica restrita a parte que lhes cabe.”
Obviamente a reforma trará impactos na economia como um todo, e no setor do comércio de bens e serviços. Qual o tamanho o senhor acredita que será esse impacto?
GM: “O grande risco está no setor de serviços, porque esse modelo tributário que está sendo proposto garante que ao longo das cadeias produtivas você não paga imposto, e esse imposto seja só no final. Acontece que o setor de serviços não tem insumo. O insumo, basicamente, do setor de serviço é a mão de obra e a mão de obra não gera crédito, então se eu cobrar a mesma alíquota que eu cobro de uma indústria com uma cadeia muito longa, com vários insumos, como, por exemplo, a automotiva, que eu vou desde a compra de aço, do pneu, da tinta, até sair o carro, e todos esses insumos vão sendo abatidos do cálculo de imposto, esse modelo fica benéfico para a indústria. Mas se eu tenho, por exemplo, um serviço de cabeleireiro, de manicure, onde basicamente o único insumo é a própria pessoa fornecendo o serviço, e eu não vou ter crédito nenhum, a chance de eu ter um aumento de carga tributária e consequentemente um aumento de preço é grande. Então acho que é esse o maior risco, ele está no imposto sobre serviços.”
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