No último dia 3 de novembro, um caso envolvendo policiais penais e duas detentas da Cadeia Pública Dinorá Simas, também conhecida como Cadeia Pública de Ceará-Mirim, chamou a atenção após a Secretaria de Estado da Administração Penitenciária (Seap) divulgar imagens de uma interação entre as internas e quatro agentes públicos da unidade.
Na ocasião, o órgão estadual comunicou o afastamento dos policiais envolvidos no caso e a abertura de procedimento para investigar a conduta deles.
De acordo com a Seap, as detentas, que são mulheres transexuais, foram retiradas de suas celas por volta das 21h do dia 3 de novembro pelo policial penal Fabrício Amaro, e levadas a uma sala, onde permaneceram por cerca de 40 minutos, trancadas, com outros agentes da unidade. A secretaria ressaltou que Fabrício, mesmo estando em serviço, aparece nas imagens do circuito interno vestindo calção, camisa e chinelo, sem o uniforme padrão da equipe em atividade.
A movimentação do dia 3 não foi a única. Imagens mostram também que, no dia 8 de novembro, o policial Fabrício Amaro, mesmo não estando de serviço, foi até a Cadeia Pública, retirou as duas detentas transexuais da cela, colocou-as em uma viatura e as levou para fora da unidade prisional. Por estes dois atos, a Administração Penitenciária determinou a instauração de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) na Corregedoria da instituição.
Os fatos foram divulgados pela própria secretaria para a imprensa no mesmo dia da retirada das internas.
Um dos policiais envolvidos no caso, o único identificado pela Seap, Fabrício Amaro, que está afastado das atividades funcionais, entrou em contato com o NOVO demonstrando interesse em divulgar sua versão dos fatos.
De acordo com ele, houve sim a retirada das internas da cela nos dias 3 e 8 de novembro, no entanto, os motivos foram para preservá-las e apurar possíveis condutas de coação por parte de outros agentes que atuam na unidade.
De acordo com Fabrício, durante os cerca de 40 minutos que passou junto com as detentas e outros quatro policiais em uma sala da unidade no dia 3, uma denúncia grave foi feita pelas internas, que relataram ter sido coagidas por outro policial penal a denunciar dois agentes pela prática de assédio sexual, sem que o fato realmente tivesse acontecido. Uma das detentas disse ainda que o policial chegou para ela com um documento preenchido fazendo acusações contra os dois colegas da unidade, pedindo que ela assinasse, o que foi recusado.
De acordo com o relato, a presa contou ainda que teria sido ameaçada caso não fizesse o que o coautor pediu, e que poderia receber castigos dentro da unidade penal.
Os policiais questionaram que atitudes elas gostariam de tomar, momento em que elas manifestaram o desejo de ir até uma delegacia registrar uma representação contra o policial coautor.
Cinco dias depois, em 8 de novembro, depois de constatar que a detenta havia realmente sido desclassificada e afastada dos serviços, foi solicitado um documento ao setor administrativo da unidade, autorizando a escolta e o transporte das internas até uma Delegacia de Polícia Civil para a elaboração de uma denúncia.
O pedido foi negado pelo diretor da unidade, de acordo com Fabrício, em depoimento. O diretor alegou que a denúncia seria apurada internamente. No entanto, o policial penal não se contentou com a negativa e resolveu agir por conta própria, tomando por base a legislação que regulamenta a atividade de policial penal no Estado e a Constituição Federal, e da Lei de Execuções Penais, que garante o respeito à dignidade e aos direitos da pessoa humana.
“Elas relataram que estavam sendo coagidas para forjar provas contra dois policiais. No dia 8 de novembro levei as duas para a delegacia para formalizar denúncia contra o policial da inteligência da unidade”, diz o policial penal Fabrício Amaro.
No dia em que levou as detentas para a Delegacia, Fabrício não estava de plantão, mas estava na unidade. Ele contou em depoimento prestado no âmbito do Processo Administrativo Disciplinar (PAD) que “pegou a chave da viatura, colocou as duas internas no banco de trás” e convenceu outro policial a participar da escolta porque “acreditou não ser adequado fazer a escolta sozinho”. A retirada das presas ocorreu por volta das 8h30, de acordo com o policial.
Já na delegacia, Fabrício conta que os advogados das detentas chegaram, bem como representantes dos Direitos Humanos, que assistiram elas durante o depoimento colhido pela autoridade policial.
Ele contou ainda que o policial que o ajudou na escolta voltou para a unidade depois de ser informado pela direção de que a operação não tinha sido autorizada. Mesmo sabendo disso, os policiais civis decidiram que o melhor seria ouvir o que as detentas tinham a contar. Fabrício foi embora após passar a custódia das detentas para outros três policiais e constatar que os advogados e representantes dos DH estavam presentes.
Após contada toda a versão, diferente do que a Seap falou, o policial penal Fabrício Amaro declara que o que ele quer é justiça. “Eu não era para ter sido afastado. Quero que a lei se cumpra. Por que o policial que levou as internas para delegacia foi afastado? Por que o policial acusado pelas internas não foi? Por que a Seap divulgou vídeo com minha imagem com uma história totalmente desconexa com a história verdadeira? Eu quero que haja uma investigação imparcial sobre o caso, que se averigue o porquê que a direção não autorizou a escolta para a delegacia, e quero que a Seap admita que há um policial que era da inteligência do presídio de Ceará-Mirim sendo acusado de tentar forjar provas contra dois outros policiais”, diz Fabrício Amaro.
O que diz a Seap
A Secretaria de Estado da Administração Penitenciária (Seap) informou que, além do procedimento administrativo na Corregedoria da Secretaria da Administração Penitenciária, “os fatos estão sendo apurados em âmbito criminal, junto à delegacia onde tiveram seus registros feitos por meio de inquérito, sendo inclusive acompanhados pelo Ministério Público, a quem cabe o controle externo da Polícia”. Segundo a pasta, as investigações podem resultar em demissão do servidor envolvido e que segue afastado, sem prejuízo de salários, para resguardar o direito ao contraditório e à ampla defesa.
Ainda de acordo com a Secretaria, uma das detentas retiradas sem autorização é considerada de “alta periculosidade”, tendo sido presa pela Deicor acusada de participação numa quadrilha de explosão de bancos e caixas eletrônicos”.
Por fim, a Seap diz ainda que no episódio de retirada das detentas, foi preciso uma equipe ir buscá-las, pois “o servidor que retirou as duas internas e a viatura da cadeia estava de folga e abandonou as mesmas na delegacia”.
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