Ser reconhecido em vida, junto o eu legado, é um privilégio para poucos artistas – ainda mais em um país de memória curta como o nosso, e no tempo em que vivemos. O compositor areia-branquense Mirabô Dantas teve a importância de sua obra reconhecida pelo Governo do Estado, que lhe concedeu uma pensão especial vitalícia, como reconhecimento de sua colaboração artística. A governadora Fátima Bezerra oficializou o ato na semana passada.
Aos 75 anos e idade, o músico, escritor, compositor, poeta e produtor cultural Mirabô conta que não parou de compor e tem trabalhos novos a serem lançados, entre parcerias com letristas mais antigos como Capinam, e parcerias mais recentes, como como piauiense Climério Ferreira, autor de “Pavão Misterioso” e parceiro de “Enquanto engomo a calça”. Confira trechos de entrevista ao NOVO.
NOVO – Qual a importância desse reconhecimento de seu legado artístico pelo Governo do Estado?
Eu posso ver por dois lados. Você ser reconhecido em seu estado é muito interessante, muito importante porque você vê que o que você fez não foi em vão. Passei a minha vida toda me dedicando a escrever, a fazer música, a produzir as coisas culturalmente; e esqueci realmente de uma coisa importante que foi me preparar pra quando eu tivesse 70 anos. Eu quase não tive empregos fixos. Assumi alguns cargos públicos enquanto eu estava como assessor cultural da Fundação José Augusto, ou então da Secretaria de Cultura de Areia Branca; mas quando chegou no fim da coisa, que disse assim: “Agora você já pode se aposentar”, não existia como, porque eu não tinha quinze anos contribuído pra aquilo. E aí eu percebi que a única coisa que eu tinha direito era um salário mínimo. Então, era o outro lado da questão. É bom também… eu fiquei tolhido. Esses cinco anos que eu tentei me aposentar, desses cinco anos pra cá, eu comecei a perceber que eu estava vivendo com um salário mínimo; e a maioria das vezes com a ajuda dos amigos, um ali, outro acolá. Tava uma situação muito desgastante para mim. Eu sabia que podia fazer muito mais se eu tivesse uma condição mais digna de vida. Então, esses dois aspectos foram muito importantes para mim; reconhecimento pelo meu trabalho nesse lado cultural, da cultura da cidade, da própria vida; e também a possibilidade de me dar um pouco mais de dignidade para sobreviver e continuar.
NOVO – Você acha que o Brasil, de uma forma geral, não cuida bem de seus artistas?
Eu não acho que o governo tem obrigação de bancar o artista. Nós temos um país enorme com várias pessoas que fazem arte de norte a sul. Quando eu morei vinte anos no Rio de Janeiro, tive amigos do Brasil inteiro estavam migrando pro Rio pra poder colocar seu trabalho numa vitrine. Eu acho que o governo pode criar leis de incentivo à cultura, mas a obrigação de ser mecenas da cultura, não. Tem, sim, o direito de preservar o que realmente vale a pena para a cultura do povo, do país, o seu patrimônio. Por outro lado, eu vejo que é muito difícil para um artista fazer as coisas sem ter um salário, um emprego. Normalmente, o artista aqui do Nordeste trabalha com a cultura, com a arte, mas ele é funcionário do Estado, tem um emprego na universidade. Eu nunca me preocupei com isso porque eu venho de uma época de muita resistência. Eu vim da época da ditadura, dos anos 70, em que aqui na minha, cada semana chegava um nessa condição de “vou fazer um negócio aqui em Natal”; aí vinha Fagner, depois vinha Ednardo, vinha Alceu, gente de vários lugares. Gonzaguinha ficou na minha casa duas vezes, quando veio pra Natal. Recebi muita gente; muitos amigos músicos em busca disso. Em alguns havia uma certa facilidade, porque a família talvez tivesse um certo poder aquisitivo melhor, mas outros vinham na marra, ficavam na minha casa, se hospedavam, depois daqui saiam com outro endereço com outro de Fortaleza que eu já indicava. Então, eu sou de uma época em que a gente trabalhou muito alternativo. No Rio de Janeiro quando eu cheguei, eu trabalhei muito assim; fiz muito teatro alternativo, fazia trilha sonora pra isso e vivia do que a própria peça dava condição.
NOVO – Qual momento que você considera ter marcado mais sua carreira?
É difícil dizer qual espaço de tempo me marcou mais, porque a vida da gente quando entra no processo de criar, de fazer, de acreditar que aquela coisa que a gente está fazendo não é um emprego que a gente tá tendo, é uma manifestação interior de arte, de política – eu estava muito ligado nisso. Mas um dos momentos legais pra mim foi quando eu vi que aqui eu já tinha feito algumas coisas que me davam uma certa confiança de ir para o Rio de Janeiro onde estava indo todo mundo. Na época em que estava lá, estava chegando Fagner, Zé Ramalho, Geraldo (Azevedo), Terezinha (de Jesus), Elba (Ramalho), Djavan, muitos nordestinos que eu encontrei por lá; Salgado Maranhão, pessoas de todo Nordeste que estavam chegando. E esse momento foi muito importante pra mim porque eu vi que eram pessoas que tinham os mesmos anseios meus de trabalharem pela cultura, não pela cobiça de um lugar ao sol na indústria recreativa, musical ou literária; nada, eram pessoas que estavam acreditando em seu potencial. Então aquele momento foi muito bom pra mim. Eu até entrei no Sindicato dos Músicos, porque eu vinha nessa luta toda de juntar a cultura com essa parte de reivindicações. Fui convidado por Maurício Tapajós e Aquiles do MPB4, e fizemos um trabalho de cinco anos no Sindicato. Eu percebi que o quanto mais junto a gente estivesse, quanto mais gente estivesse com a gente, quanto mais pessoas pudessem fazer aquilo, a gente tinha mais força. E esse foi um dos momentos bem legais pra mim.
NOVO – E sobre sua carreira? Quais caminhos ela tomou?
Vejo isso tudo como o resultado de um todo, do que eu sempre procurei e briguei por aquilo. Eu nunca galguei um lugar na constelação brasileira. É tanto que eu fiz apresentações ao lado de Paulinho da Viola, de Fagner, de Geraldinho (Azevedo)… e todo mundo seguiu suas carreiras, mas eu nunca pensei que eu seria só um músico. É tanto que muita gente diz “Você não fez sucesso porque? Tava com esse povo todo…” Eu não queria ser só um músico, eu não sou só um músico. Eu sou um cara que mexe com as artes. Eu desenho, eu escrevo, eu pinto, eu produzo, eu faço as minhas produções culturais.
NOVO – Está compondo algo atualmente? Tem material novo?
Em componho sempre, não parei de jeito nenhum. Eu tenho muito coisa nova que eu estou fazendo até com letristas mais antigos como Capinam; tenho algumas coisas inéditas com ele. Eu tenho um parceiro novo de uns cinco anos pra cá, chamado Climério Ferreira, que é piauiense e mora em Brasília (autor de “Pavão Misterioso” e parceiro de “Enquanto engomo a calça”), tenho parcerias novas com eles e estou gravando algumas coisas, mas não tive condições pessoais pra lançar. Há dois anos que eu corro atrás de patrocínio, de me submeter a um concurso desse de Lei de Incentivo, mas o projeto é aprovado mas não consigo o patrocinador. Então, agora, com esse reconhecimento do Estado e uma pensão que já me dá um pouco mais, posso investir numa capa, na feitura de 500 cópias. Até pra isso, o reconhecimento e essa pensão me dão essa condição de fazer.
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