A explosão de óbitos causada pela Covid-19 vem antecipando um fenômeno demográfico previsto para acontecer ao longo das próximas décadas em Natal. Isso porque a capital vem registrando mais mortes do que nascimentos ao longo dos últimos quatro meses, com relação ao mesmo período do ano passado.
Entre janeiro e abril de 2021 foram emitidas 3.351 certidões de nascimento na maior cidade do Rio Grande do Norte, o que representa uma redução de 10,7% em comparação com o primeiro quadrimestre do ano passado. Em contrapartida, a capital vem contabilizando mais mortes neste ano. São 2.613 óbitos, de janeiro a abril, ante 1.687 mortes durante o mesmo período de 2020, isto é, um aumento de 54,8%. Todos os dados foram retirados do Portal da Transparência do Registro Civil do Brasil, mantido pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen).
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Em março de 2021, pela primeira vez, mais pessoas morreram do que nasceram em Natal: foram 976 óbitos e 932 nascimentos, sendo a Covid-19 responsável por 40,7% destas mortes, segundo levantamento feito pelo NOVO com base nos boletins epidemiológicos da Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sesap). Em abril deste ano, até esta sexta-feira (30), já são 654 mortes diante de 663 nascimentos, uma diferença pequena para os padrões populacionais observados no país pré-pandemia. Em geral, o número de nascimentos anuais em Natal é mais que o dobro do número de mortes.
De acordo com Ricardo Ojima, professor e chefe do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (DCAA/UFRN), a longo prazo, a redução no número de nascimentos combinada com a alta de mortes deverá provocar uma mudança no padrão de distribuição da população e no planejamento de políticas públicas.
“A expectativa era de que isso fosse acontecer provavelmente na próxima década naturalmente, mas a pandemia antecipou o processo. Temos menos crianças nascendo e proporcionalmente uma maior concentração de pessoas adultas, e futuramente idosas. Os investimentos públicos mudarão de direção. Há alguns anos tínhamos um investimento em educação mais forte, que hoje está concentrado entre os adultos, mas a tendência é que isso passe para os idosos futuramente. Daqui a uns anos teremos um importante impacto no processo de aposentadoria e no atendimento em saúde, uma vez que a população mais idosa acaba demandando mais cuidados”, explica.
A dobra no número de mortes de um quadrimestre para o outro é puxada pela pandemia. Dos 2.613 óbitos registrados neste ano em Natal, 916 foram causados pelo coronavírus (35%). Entre janeiro e abril de 2020, 1.687 pessoas morreram na capital, sendo 12 de Covid-19 (0,7%). Em outras palavras, se retirados os óbitos causados pelo vírus, Natal teria registrado menos mortes nos primeiros quatro meses de 2021, com relação ao mesmo período do ano passado. Oficialmente, a pandemia chegou ao Rio Grande do Norte no dia 12 de março de 2020.
Um grande ser humano, idealista, pai e amante de gatos. É essa a memória que a socióloga e funcionária pública Eneida Varela mantém do jornalista, escritor e fotógrafo Marcus Ottoni, vítima da Covid-19 em Natal aos 62 anos. Ottoni morreu no Hospital de Campanha da capital no dia 22 de abril após duas semanas lutando contra a doença. Ele deixa quatro netos e três filhos, que teve com Eneida: Marcus, Bianca e Antônio. Os dois foram casados por quase duas décadas.
“Ele era um pássaro voando, liberdade em pessoa, fez tudo que sempre quis fazer. A simplicidade material era sinônimo para Marcus. ‘Imagine’, a música de John Lennon, resume o que ele queria para a humanidade, tanto é que foi a música que tocou no enterro dele. Estávamos separados, mas nos dávamos muito bem, a gente era mais unido do que muito casal. O jornalismo e a fotografia eram a sua sobrevivência — não a financeira, mas a pessoal. Assim ele se expressava”, conta Varela.
Além da perda do ex-marido, Eneida vive o drama de acompanhar o tratamento do filho mais velho Marcus Pablo, que está internado com Covid-19 em uma unidade semi-intensiva. “Pablo tem os três filhos dele, é muito cuidadoso, mas mesmo assim se infectou. Ele está melhorando, tomando menos medicamentos e vai começar a fazer fisioterapia. A gente espera que tudo melhore nos próximos dias e que ele volte logo para casa”, diz.
Em meio às adversidades da pandemia, que já matou 5,4 mil pessoas, somente no Rio Grande do Norte, o surgimento de novas vidas carrega o simbolismo de renovação das esperanças e traz a promessa de dias melhores. Filho da administradora de uma loja de carros Maria Cristina Soares, Davi Gabriel é um dos bebês que foram gerados na pandemia e apresentados a um mundo diferente, sem o calor das visitas de amigos e familiares.
Ele nasceu no domingo (25) de um parto prematuro, na maternidade Januário Cicco em Natal. Mãe de segunda viagem, Cristina conta que precisou enfrentar a depressão e a ansiedade por causa da Covid-19, ao contrário da primeira gravidez há oito anos, quando teve sua primeira filha Priscilla Hadassa.
“Foi muito difícil e ainda está sendo, com todos os cuidados, trocando máscara a cada duas horas, passando álcool sempre porque o medo é muito grande. Tive o bebê no domingo e trabalhei até a sexta-feira, mas ficava muito apreensiva em pegar essa doença no transporte. Graças a Deus ele nasceu saudável e agora só espero voltar para casa, mesmo com todas as restrições. Apesar de tudo é mais uma esperança para a gente”, relata.
A capital atingiu a marca de 59.394 casos confirmados de Covid-19 e 2.118 mortos pela doença desde o início da pandemia. Em todo o estado são 221.868 infectados e 5.446 óbitos. Os dados foram retirados do último boletim da Sesap, divulgado na quinta-feira (29). Os vacinados são 480.714, de acordo com o RN Mais Vacina.
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