RN soma mais de R$ 227 milhões em danos, aponta MIDR

Cotidiano

Alerta Municípios do RN investem menos de 1% do orçamento com Defesa Civil

Apenas R$ 8,3 milhões foram aplicados para a Defesa Civil em todas as 167 cidades potiguares em 2023, segundo dados do Laboratório de Orçamento de Políticas Públicas (LOPP) do Ministério Público do Rio Grande do Norte

por: Jalmir Oliveira

Publicado 20 de maio de 2024 às 15:58

RN soma mais de R$ 227 milhões em danos, aponta MIDR – Foto: Dayvissom Melo/NOVO Notícias

A crise climática que assola mais de 400 cidades no Rio Grande do Sul está ligando um alerta e levando os entes públicos ao seguinte questionamento: as atuais políticas públicas dos municípios potiguares são suficientes para prevenir situações semelhantes? O principal setor do poder público que atua nessa frente é a Defesa Civil, órgão ligado ao segmento de segurança pública e que deve ser instituído em todos os municípios e estados. No entanto, na hora de estruturar o órgão com recursos públicos, o que se vê refletido é o oposto nas cidades do Rio Grande do Norte.

Com dados disponíveis no Painel Orçamentário Despesas, mantido pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (MPRN), através do Laboratório de Orçamento de Políticas Públicas (LOPP), o montante utilizado por todas as cidades potiguares para a finalidade é irrisório em relação ao valor de despesas totais no ano de 2023.

De R$ 14,9 bilhões das despesas de todos os 167 municípios potiguares em 2023, apenas R$ 8,3 milhões foram dedicados para a Defesa Civil, um valor que equivale a aproximadamente 0,05% do total.

Se compararmos os últimos cinco anos, a média percentual é bem próxima disso desde 2019, quando o laboratório do Ministério Público entrou em funcionamento.

O Governo do Estado também não se exime da característica. Em 2023, apenas R$ 7,4 milhões foram dedicados à Defesa Civil. Em 2020 e 2019 os valores não constam como pagos, no entanto, aparecem nos dados do LOPP-MPRN como liquidado.

Professora Zoraide Pessoa, da UFRN

A professora Zoraide Pessoa, do Instituto de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), comenta o cenário de investimentos em defesa civil. “Os poderes públicos de forma geral não têm, ou melhor, não querem ter uma compreensão do que são as mudanças climáticas e dos seus riscos associados, que podem resultar em situações de desastres ou de grandes catástrofes como o caso recente do Rio Grande do Sul”, explica a professora Zoraide.

Ela completa que, em síntese, os poderes públicos têm negligenciado essa questão. Assim como a sociedade de forma geral.

“Sem falar na percepção negacionista muito presente na realidade atual e nas trocas midiáticas, que têm tido um efeito de disseminação de informações falsas e de negação do conhecimento científico já produzido há décadas e validado sobre as mudanças climáticas, provocadas pelo aquecimento global, decorrente da interferência humana de forma intensiva”, pontua.

RN soma mais de R$ 227 milhões em danos, aponta MIDR

Segundo dados do Ministério de Integração e Desenvolvimento Regional (MIDR), através do Atlas Digital de Desastres no Brasil, o Rio Grande do Norte soma 1.625 ocorrências de desastres naturais nos últimos 10 anos. As ocorrências geraram mais de R$ 227 milhões em danos no período. Além disso, a plataforma aponta para 11 mortes e 17 mil pessoas desabrigadas ou desalojadas.

O Laboratório Interdisciplinar Sociedades, Ambientes e Territórios (LISAT), grupo de pesquisa vinculado ao Programa de Estudos Urbanos e Regionais (PPEUR) e ao Instituto de Políticas Públicas (IPP) da UFRN, aponta que, por exemplo, no Nordeste mais da metade dos estados não têm sua política estadual das mudanças climáticas.

“O mesmo ocorre a nível das capitais do Nordeste, caso de Natal, nossa capital que não tem uma política municipal de mudanças climáticas. Aliás, no RN, nenhum município tem até o momento”, diz Zoraide Pessoa.

A pesquisadora da UFRN lembra do importante papel da Defesa Civil, que desempenha suas funções em maior parcela nos eventos pós-desastres, e reforça a necessidade de olhar com mais atenção para políticas de prevenção.

“Entendemos que devam ser investidos recursos nas defesas civis, mas seu trabalho deve ser também antecipatório e integrado à gestão de riscos de eventos extremos. Porém, mais do que isso, devem ser investidos recursos em políticas de adaptação e mitigação das mudanças climáticas de forma preventiva. Para isso, é preciso reorientar o ordenamento dos territórios rurais e urbanos de forma imediata para que não tenhamos cenários de destruição como o vivido no RS”.

Defesa Civil – Foto: Arquivo/Agência Brasil

As políticas de prevenção que a professora Zoraide Pessoa chama a atenção também se mostram negligenciadas, de acordo com as informações obtidas através do painel orçamentário de despesas do MPRN. Na busca por programas instituídos pelos municípios, apenas um, Lajes Pintadas, tem algo criado, no entanto, desde 2019, nenhum recurso foi utilizado, apesar de sempre haver dotação inicial, ou seja, uma previsão de recursos serem alocados, que variou de R$ 25.900 em 2019 a R$ 10.000 no ano passado.

O impacto da negligência com as mudanças climáticas é grande e atinge em escala ainda maior áreas mais vulneráveis, populações pobres e minorias sociais, de acordo com Zoraide Pessoa, que aproveita e faz um alerta aos governos. “Não é apenas a Defesa Civil que é preterida, é toda a questão ambiental e a emergência climática. Precisamos que os governos e demais poderes se voltem estrategicamente para essas problemáticas. Não é algo para o futuro, é agora. A gestão das cidades, dos estados e do país precisa colocar o clima nas agendas de governo e reorientar seu desenvolvimento para que ele incorpore a perspectiva da sustentabilidade em todas as suas ações. Sem isso, os danos serão muito maiores”, encerra.

Laboratório do Ministério Público democratiza acesso à informação

A ferramenta criada pelo Ministério Público que proporciona a possibilidade de se analisar o montante de recursos que municípios e estado do RN destinam à Defesa Civil e à prevenção de desastres climáticos é relativamente nova, criada em 2019, mas já oferece oportunidade para a sociedade civil acompanhar de perto como os recursos públicos têm sido gastos.

Sob a coordenação da promotora Isabelita Garcia, o Laboratório de Orçamento e Políticas Públicas (LOPP) é responsável por fortalecer a cultura de dados dentro do Ministério Público.

“Esses dados favorecem a tomada de decisões mais assertivas, mais ágeis e permitem também capitalizar oportunidades para melhor eficiência do serviço e consequentemente entregar resultados mais positivos para a sociedade”, destaca Isabelita Garcia.

É a partir dessa unidade interna do MP, em parceria com outros órgãos, em especial o Tribunal de Contas do Estado do RN (TCE-RN), que os painéis, um dos quais extraímos os dados dessa matéria, são criados e disponibilizados para consumo interno dos membros do MP, e externo, para toda a sociedade.

“O LOPP viabiliza a visualização de dados através de ferramentas como painéis que estruturam dados e apontam como está a execução orçamentária. Então são iniciativas que permitem não só que o ministério público tome decisões, mas a própria sociedade também pode acompanhar como os recursos públicos estão sendo aplicados pelos gestores”.

Promotora Isabelita Garcia coordena Laboratório de Orçamento e Políticas Públicas – Foto: Dayvissom Melo/NOVO Notícias

Inicialmente, os painéis desenvolvidos pelo LOPP eram apenas para consumo interno, no entanto, desde 2022 o MPRN entendeu que precisava democratizar esses dados, e passou a disponibilizá-los para toda a sociedade, com algumas exceções, de casos que contém informações sensíveis e acabam de fato sendo disponíveis apenas para os membros do MP.

“A sociedade precisa ter conhecimento desses dados para qualificar o controle social das políticas públicas, e gente fez algumas entregas. Hoje, no nosso site, temos dez painéis sociais nessa linha de democratização de dados contribuindo para que o cidadão possa somar esforços com o MP na fiscalização dos recursos públicos”, explica Isabelita Garcia.

No total, o LOPP já produziu 26 painéis, dos quais, dez estão disponíveis para toda a sociedade, e os outros seguem apenas para o consumo interno ministerial. A entrega mais recente aconteceu em 29 de abril, quando o MPRN entregou seis painéis na área orçamentária. Há previsão de novas entregas para a sociedade civil em breve. Está previsto para o dia 21 de junho ser entregue painel “Festejos Juninos”, que vai disponibilizar dados referente aos gastos com as tradicionais festas de São João. O LOPP vem rendendo reconhecimento no Brasil todo. Entre vários prêmios, o mais recente deu destaque ao Laboratório na categoria Fiscalização de políticas e recursos públicos, do Prêmio CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) 2023, quando a iniciativa ficou em 2º lugar.

RN tem 77 cidades com risco elevado para enchentes e inundações

O Rio Grande do Norte tem 77 cidades com risco elevado para inundações, enxurradas e alagamentos. Os dados fazem parte do levantamento feito pelo Sistema de Informações e Análises sobre Impactos das Mudanças Climáticas (AdaptaBrasil), do Ministério da Ciência, Tecnologia (MCTI).

A plataforma AdaptaBrasil MCTI disponibiliza índices e análises de risco climático para todos os municípios brasileiros. O objetivo é apoiar os gestores, sejam públicos ou privados, na tomada de decisão em ações voltadas à adaptação à mudança do clima, considerando médio e longo prazos.

Dentro do índice que mede o risco de impacto das mudanças climáticas em sistemas socioecológicos — considerando a ameaça de desastres geo-hidrológicos como inundações, enxurradas e alagamentos —, um total de 17 municípios têm risco muito alto: Currais Novos, Santa Cruz, Nova Cruz, Patu, Serra Negra do Norte, Várzea, Santo Antônio, Areia Branca, Assu, Pau dos Ferros, Janduís, Acari, Caicó, Montanhas, São José de Campestre e Umarizal.

Além disso, o índice de risco de enchente e enxurradas aponta que 61 cidades potiguares estão dentro do índice de risco alto para estes eventos hidrológicos.

Outras 60 estão na classe média do levantamento, 23 têm índice baixo e sete foram classificadas com risco muito baixo.

O resultado do índice AdaptaBrasil varia de 0 a 1. Desta forma, quanto mais próximo do valor máximo, maior é o risco enfrentado pela localidade.

O pior resultado potiguar é o de Currais Novos (0,94). Ou seja, a cidade tem maior risco potencial entre todos os 167 municípios do Rio Grande do Norte. Em 1º de abril, após fortes chuvas que caíram no município do Seridó potiguar, os moradores de cinco povoados ficaram isolados por conta do rompimento de pequenos açudes.

A análise avalia parâmetros como a densidade populacional em áreas urbanas, a existência ou a falta de planos de manejo, ações de redução de risco em situações de desastre, bem como pontos relacionados ao saneamento básico, drenagem e desenvolvimento humano.

Em outro índice do AdaptaBrasil, o de vulnerabilidade, que mede se a população é potencialmente susceptível aos impactos dos desastres geo-hidrológicos, o Rio Grande do Norte tem 51 municípios que estão listados com índice muito alto. Outras 86 cidades têm risco alto.

Em termos dos efeitos de chuvas intensas, dados do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2iD), do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, apontam que oito municípios potiguares decretaram situação de emergência em razão das chuvas do início do ano: Angicos, Cruzeta, Doutor Severiano, Ipanguaçu, Parelhas, São Rafael, São Tomé e Venha-ver.

ENTREVISTA: Márcio Rojas, Coordenador-geral de Ciência do Clima do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI)

Como a plataforma AdaptaBrasil serve para construir as análises de risco?
Márcio Rojas: A adaptação é um processo que precisa considerar como ponto de partida quais riscos um setor econômico estratégico, uma região ou uma localidade estão expostos. E como se faz essa análise? A proposta da plataforma AdaptaBrasil é reunir informações, que até então estavam em diferentes bases de dados públicas, e analisar os possíveis impactos das ameaças climáticas, tanto as atuais quanto as futuras. Então, a plataforma apresenta essas informações em um único lugar, de um modo mais acessível e processado. Vale destacar que a abordagem da plataforma considera a ‘flor de risco’, uma estratégia metodológica recomendada pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), que considera ameaças relacionadas ao clima, exposição e vulnerabilidade. O conjunto desses fatores forma o risco climático composto. Destaca-se que as informações disponíveis na plataforma contribuem para apoiar a tomada de decisão no planejamento de adaptação, que envolve outros fatores. A ferramenta é mais uma fonte de informação para apoiar o processo de decisão. O conjunto de informações disponíveis na plataforma foi disponibilizado para apoiar a construção dos planos setoriais do Plano Clima Adaptação, assim como outras informações técnico-científicas providas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Entre os exemplos está o estudo sobre as mudanças observadas no clima no Brasil nos últimos 60 anos.

Os dados servem como primeiro passo para municípios se adaptarem às mudanças do clima?
MR: É importante destacar que a adaptação à mudança do clima é prioritariamente local. Compreende-se local no sentido não apenas de um município, mas abrangendo uma região ou um país, um setor. Cada espaço tem forçantes climáticas e outros fatores socioeconômicos que precisam ser analisados na elaboração de planos de adaptação. O que funciona para uma região pode não ter a mesma efetividade para outra. Ou seja, a solução de adaptação para uma área do Sul do país, cuja mudança do clima observada indica aumento na precipitação, não será a mesma para áreas do interior do Nordeste em que foi observada a redução de até 40% na precipitação média anual nos últimos 60 anos. Igualmente importante lembrar que adaptar-se à mudança do clima nem sempre significa eliminar completamente o risco. Mas a robustez de medidas para tornar o local mais resiliente ou reduzir as vulnerabilidades certamente serão importantes para enfrentar as ameaças climáticas, especialmente os eventos extremos que tendem a ser mais intensos e frequentes.

A plataforma serve para elaboração de planos de contingência?
MR: Os dados disponíveis na plataforma são uma fonte de apoio para a elaboração de planos de adaptação, ou seja, para apoiar o planejamento visando medidas de médio e longo prazos. É uma plataforma pública e gratuita para que gestores, da iniciativa privada ou da esfera pública, acadêmicos, sociedade civil organizada, enfim toda a sociedade, possa consultar. A proposta da plataforma não é classificar áreas sob risco ou ameaça, para isso há outros instrumentos e órgãos com atuação efetiva. Aqui o objetivo é abordar o risco climático e contribuir para as ações de adaptação. Isso quer dizer que a plataforma atua em uma fase anterior visando ao planejamento de longo prazo.

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