Investigação do Ministério Público do RN revela como o agente penal Dhayme PQD, tido como exemplar, se tornou sabrininha.silva24, um perfil fake que tentou vender endereços de outros agentes de segurança ao crime organizado. E que teria avisado sobre uma operação a um investigado que iria ser preso. Em depoimento, ele negou que fosse dar as informações
Publicado 22 de dezembro de 2023 às 10:00
Em 11 de junho de 2023, uma advogada que atua em Natal e defende presidiários recebeu uma mensagem diferente no seu instagram. Um perfil identificado como “sabrininha.silva24” oferecia informações que colocariam em risco a vida de agentes de segurança do RN. “Talvez eu tenha informações que possam ser úteis. De clientes. De investigações. E por aí vai”, dizia, nas mensagens.
Falava também que poderia conseguir “placas de veículos usados”; “operações que estejam em andamento”. Prints feitos pela advogada e anexados à denúncia mostram outras mensagens: “Um informante do Gaeco e um informante que tá no federal devem valer algo”; e “veja se tem algum interessado na lista de todos os agentes penitenciários do Estado. Como falei: nomes, endereços, telefones, cpfs.”
O que sabrininha.silva24 não esperava era que esse seu contato à procura de vantagem se voltasse contra ela. A advogada prestou queixa na Divisão Especializada de Combate ao Crime Organizado (Deicor), da Polícia Civil. A partir daí a polícia começou a puxar esse fio solto e descobriu uma trama surpreendente.
A investigação revelou que o agente penal Dhayme Araújo Silva, o Dhayme PQD, tido como servidor público exemplar e linha dura, que foi coordenador de Administração Penitenciária no RN e atuou no Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) seria a pessoa por trás de “sabrininha.silva24”. Por meio do perfil fake ele tentou vender informações sensíveis sobre companheiros de trabalho ao crime organizado. O motivo: “ganhar dinheiro”. Tudo isso só foi denunciado graças à atuação do MPRN.
A investigação revelou que ele teria procurado pelo menos outros dois advogados. E que teria tentado da mesma maneira, vender informações sigilosas. Em 21 de junho, Dhayme PQD procurou outra advogada, uma das investigadas “pelo MPRN no bojo da Operação Carteiras, sendo posteriormente condenada por integrar ORCRIM (organização criminosa).” “Tenho muita informação e consigo muita informação com diversas pessoas inclusive de coisas em andamento. Tomei abuso de ser certinha. Agora quero olhar unicamente meu bolso”, disse, em mensagens descobertas pela investigação.
Em 25 de junho, mais uma tentativa: Dhayme PQD teria oferecido a uma terceira advogada mais informações sigilosas. “Quanto vale o nome do informante do Gaeco que tá preso em Alcaçuz e os que tão no federal?”, propôs. E acrescentou: “Consigo nomes, endereços, telefones, cpfs sobre todos os agentes do RN e onde estão lotados também”.
Em 25 de outubro, após busca e apreensão, quebras de sigilos e depoimentos, Dhayme foi denunciado por receptação (pena: reclusão, de um a quatro anos, e multa); corrupção passiva (reclusão, de 2 a 12 anos, e multa); violação do sigilo funcional (reclusão, de 2 a 6 anos, e multa).
Em 26 de outubro a denúncia foi recebida. A questão da receptação envolve a suposta venda de equipamentos de segurança pertencentes à Secretaria de Administração Penitenciária (SEAP). Essa descoberta foi possível graças à colaboração da pessoa que teria comprado os utensílios e entregou o celular à polícia para ser periciado.
De acordo com essa testemunha, Dhayme também tentou “utilizar o interlocutor como um intermediário objetivando oferecer um serviço de inteligência ao notório grupo criminoso de “João Grandão” e “Wendell Lagartixa”, segundo a denúncia.
Uma das suspeitas mais graves envolvendo Dhayme Silva diz respeito à “Operação Logro”, promovida em junho deste ano. De acordo com a investigação, o empresário Eronides Cândido de Oliveira encabeçava um esquema de sonegação, lavagem de dinheiro e associação criminosa que teria causado prejuízo de R$ 180 milhões aos cofres públicos.
Em junho, essa operação conjunta do MPRN, das Polícias Militar e Civil e da Secretaria de Sonegação, tentou prendê-lo. Não conseguiu. De acordo com a investigação feita contra Dhayme Silva, dia 3 de junho, o agente penal considerado exemplar teria avisado a conhecidos do empresário alvo da operação sobre a movimentação policial. A operação foi dia 5.
Trecho da denúncia: “O denunciado Dhayme Araújo da Silva, valendo-se das informações sigilosas a que tinha acesso dada a sua lotação funcional no GAECO/MPRN, inclusive informações obtidas antes da deflagração da “Operação Logro”, manteve contato com a Sra. “Adriana Catolé” (empresária, proprietária do Posto Catolé em Nova Cruz/RN) para transmitir dados sigilosos sobre “Eronides” no dia 03/06, dois dias antes da deflagração da referida operação, que ocorreu em 05/06/2023, possibilitando a adoção de contracautelas e fuga do investigado (além de colocar todos os agentes públicos que estavam na missão em risco, na medida em que poderiam ser recebidos com força adversa).”
“Dhayme PQD” — ou sabrininha.silva24 — ficou preso desde outubro (2023) na Cadeia Pública Dinorah Silva. Esta unidade prisional foi inaugurada na época que ele era coordenador da Seap. O local onde hoje o agente penal está custodiado, ironicamente, possui uma placa de inauguração que também tem seu nome.
Dhayme Silva chegou a conseguir o direito de ser transferido da cadeia pública para o Quartel do Comando Geral da Polícia Militar do Rio Grande do Norte. Mas isso não ocorreu. Em ofício enviado à Justiça, a PM informou que não tem condições de recebê-lo porque não há vagas disponíveis.
“Pela mesma razão, inclusive, recentemente a Polícia Militar se viu obrigada a indeferir o recebimento de policiais militares e de advogados para custódia no âmbito do QCG”, informou o Comando Geral da PM.
A defesa de Dhayme Silva foi procurada e informou que no momento oportuno vai se pronunciar.
Em depoimento, durante a investigação, Dhayme PQD afirmou que não repassaria as informações. E deu indicações do que teria motivado sua mudança de comportamento.
“Que de fato tem uma mágoa com tudo que já passou, tiros que levou em serviço, retirada pela gestão do cargo que ocupou, pelo escanteio que foi jogado, mas trabalha pelas pessoas, pelo cumprimento da missão e tem se dedicado a todos esses anos ao bem da sociedade”, consta no depoimento prestado em agosto.
Em agosto de 2019, Dhayme PQD atuava como coordenador da Administração Penitenciária do Estado (Coape) quando foi atingido por tiros de arma de fogo enquanto fazia uma ronda externa no Complexo Penitenciário de Alcaçuz, em Nísia Floresta, na região metropolitana de Natal.
O caso aconteceu na noite do dia 2 de agosto daquele ano, por volta das 23h. Na época a então Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejuc), informou que o coordenador foi ferido por “disparo acidental de arma de fogo” durante a realização de uma ronda na área de acesso do complexo penitenciário.
No início de dezembro de 2023, o Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) instaurou inquérito civil para acompanhar “o processo administrativo disciplinar instaurado em face do policial penal Dhayme Araújo da Silva e apurar possível prática de ato de improbidade administrativa em razão da suposta prática de corrupção passiva e violação de sigilo funcional”.
O inquérito foi instaurado dia 6 de dezembro de 2023 pelo promotor Wendell Beetoven Ribeiro Agra, que desempenha as atividades de controle externo da atividade policial.
Mensagens mostram a negociação envolvendo o secretário Luís Mauro Albuquerque. Foto: Reprodução
No Ceará, onde Dhayme Silva atuou após ser requisitado pelo secretário de Administração Penitenciária e Ressocialização (SAP), Luis Mauro Albuquerque, que foi secretário da mesma pasta no Rio Grande do Norte, uma operação revelou que antes mesmo de tentar vender informações sigilosas no RN, agente penal suspeito poderia ter tentado algo mais grave.
De acordo com informações publicadas pelo jornal O Povo, de Fortaleza (CE) e pelo jornalista Josmar Jozino, do UOL — com base em investigações policiais e do Ministério Püblico — Dhayme PQD poderia ser o agente penal suspeito de pedir R$ 500 mil para revelar o endereço de Mauro Albuquerque a uma advogada suspeita de ligação com facção criminosa.
Nas conversas, descobertas graças à operação “Profilaxia”, a advogada pergunta “por quanto o Mauro sairia?”. O agente penal suspeito responde: “R$ 500 mil. R$ 250 mil antes. R$ 250 mil depois”. Essa conversa teria acontecido em fevereiro de 2022.
Em novembro passado, Mauro Albuquerque comentou o assunto em entrevista a O Povo e se mostrou indignado pelo fato de o agente tentar expor sua família. “Isso é muito mais grave. Não é o secretário Mauro, porque estou o tempo todo exposto, e não tenho medo de facção nenhuma. Não estou preocupado com isso, estou preocupado quando se fala da minha família”, disse.
Em outubro de 2024, Dhayme Araújo da Silva, conhecido como Dhayme PQD, foi condenado a uma pena total de 8 anos e 5 meses de reclusão, além da perda do cargo público. A sentença foi proferida pela 5ª Vara Criminal de Natal, atendendo a denúncia feita pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN).
Na sentença, a Justiça potiguar destacou que “as condutas do réu foram claramente com intuitos criminosos, oferecendo-se informações sigilosas na clara intenção de se obter dinheiro em troca”.
Ainda na sentença, foi destacado que Dhayme PQD “violou seu dever funcional e a confiança que lhe foi depositada ao utilizar informações sigilosas para benefício próprio”.
Além da pena de reclusão, Dhayme Araújo da Silva também foi condenado à perda do cargo de agente penitenciário. A Justiça considerou que “é inconcebível a continuidade do réu na condição de agente penitenciário, tendo em vista a gravidade dos crimes praticados”.
A sentença ainda determinou o pagamento das custas processuais e a destinação dos bens apreendidos em favor da União. O MPRN atuou no caso por meio da 46ª Promotoria de Justiça de Natal e do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco).
Atualmente, Dhayme PQD encontra-se em liberdade. Isso foi possível graças a um habeas corpus obtido pela defesa do ex-agente penal no Superior Tribunal de Justiça. Em abril deste ano (2024), o juiz da 5ª Vara Criminal de Natal, Guilherme Newton do Monte Pinto, acatou a decisão do STJ e determinou que a prisão preventiva fosse substituída por medidas cautelares.
Ficou estabelecido que Dhayme teria de comparecer mensalmente à presença do juiz para informar e justificar suas atividades e estaria proibido de se ausentar da Grande Natal por período superior a oito dias sem comunicar previamente ao juiz. Na época, antes da sentença, também foi determinada a suspensão do exercício de cargo de Polícia Penal do Estado do Rio Grande do Norte. , até ulterior deliberação deste Juízo. Após isso o alvará de soltura foi expedido.
O processo contra Dhayme PQD segue tramitando no Tribunal de Justiça. O MPRN segue trabalhando pela condenação definitiva do ex-agente penal. Em 5 de novembro deste ano, o juiz da 5ª Vara Criminal negou embargos de declaracão interpostos pela defesa de Dhayme no sentido de reverter a condenação em primeira instância. O caso agora deverá ser julgado pelo pleno do Tribunal. Caso ele seja condenado em segunda instância, poderá já ser preso, mas tem o direito de seguir apelando a instâncias superiores.
*Notícia atualizada em 7 de novembro de 2024 para ajuste de informações
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