Justiça

MPF obtém condenação de grupo que desviou recursos milionários no RN

Ações do Ministério Público apontaram o desvio de R$ 5,4 milhões em verbas que deveriam qualificar pessoas de baixa renda

por: NOVO Notícias

Publicado 13 de abril de 2022 às 13:58

Sede da Procuradoria da República do RN — Foto: MPF/Divulgação

Sede da Procuradoria da República do RN — Foto: MPF/Divulgação

O Ministério Público Federal (MPF) obteve uma condenação – desta vez por improbidade – de oito pessoas envolvidas em um esquema promovido entre 2006 e 2011 e que resultou no desvio de R$ 5,4 milhões em recursos públicos. O dinheiro seria destinado à qualificação profissional e outras ações de apoio a pessoas de baixa renda, no Rio Grande do Norte e outros estados nordestinos, contudo foi desviado através de fraudes em licitações e em contratações.

Os recursos se originaram de convênios e contratos administrativos firmados entre os ministérios do Trabalho e Emprego (MTE) e de Desenvolvimento Agrário (MDA) junto ao Instituto Espaço de Produção ao Desenvolvimento Sustentável (Instituto ÊPA!) e a Cooperativa dos Trabalhadores Autônomos (CTA), ambas entidades potiguares. Foram mais de R$ 22 milhões destinados a projetos de qualificação profissional, desenvolvimento da agricultura familiar e dos territórios rurais, tanto no Rio Grande do Norte, quanto na Paraíba, Pernambuco e Alagoas.

Os oito condenados já haviam sido sentenciados em primeira instância, na Ação Penal 0812298-73.2016.4.05.8400, e são Aurenísia Celestino Figueiredo Brandão, Cid Celestino Figueiredo Sousa, Flávio de Aquino Carvalho, Sidney Rodrigues dos Santos, Jairo Duarte Pinheiro, Ângelo Márcio Fernandes de Sousa, Wagner de Lima Costa e Valter de Carvalho.

O prejuízo estimado pelo MPF aos cofres públicos foi de R$ 5.429.454,73 e o esquema era liderado por Aurenísia Celestino, que presidiu o instituto e a cooperativa. Seu irmão, Cid Celestino, era diretor do Êpa!, enquanto os demais participaram das fraudes através de empresas ou entidades.

Operação – A investigação teve início em 2010, a partir de fiscalização realizada pela antiga Controladoria-Geral da União (CGU). A Operação Êpa! Foi deflagrada em 14 de dezembro de 2011, pela Polícia Federal, com apoio da CGU e do MPF. Foi apreendida até mesmo uma espécie de “cartilha”, intitulada “Como fazer” e que ensinava a forma de fraudar as propostas nas licitações e cotações de preço.

O grupo simulava as cotações, fraudando diversos documentos, alguns dos quais pertencentes a clientes dos serviços de contabilidade de Aurenísia Celestino. Dentre os concorrentes ou vencedores das licitações figuravam empresas dos próprios dirigentes e ainda de amigos e parentes. O dinheiro era repassado, sem que houvesse a prestação de serviços, e os “empresários” ficavam com 15%, devolvendo os demais 85%.

A autenticação dos documentos fraudados era providenciada por Sidney Rodrigues, tabelião substituto no 2º Ofício de Notas do Município de Santo Antônio e cuja empresa também foi beneficiada em contratos. Ângelo Márcio, cunhado de Sidney Rodrigues, foi presidente da CTA e chegava a figurar como coordenador do convênio e contratado das entidades, em uma espécie de “autocontratação” absolutamente ilegal.

Valter de Carvalho, sogro de Ângelo, chegou a atuar como coordenador de convênios tanto para a CTA quanto para o Instituto Êpa!, tendo solicitado pagamentos em favor de suas próprias empresas. Wagner de Lima Costa, Jairo Duarte Pinheiro e Flávio de Aquino Carvalho também foram beneficiados pelo esquema.

Qualificação – Os convênios previam qualificação profissional nas áreas de Construção Civil, Petróleo, Gás e Turismo. Enquanto as empresas e os dirigentes ficavam com os recursos, os serviços eram realizados, ao final, por terceiros contratados diretamente pelos réus. A própria Aurenísia chegou a ser contratada para transporte de alunos. O endereço de uma de suas empresas, segundo constatou a CGU, era o mesmo informado como sendo a sede da CTA, bem como o escritório de contabilidade de Aurenísia e lá funcionava o telefone da empresa de Ângelo Marcio.

Sentença – A juíza federal Moniky Mayara Costa destacou, em sua decisão, que, mesmo nas cotações de preços para serviços nos demais estados, as contratações envolveram as empresas com sede no Rio Grande do Norte. “Tal fato denota, claramente, a ausência de qualquer intenção de promover uma efetiva aferição de preços através das cotações – nas quais seria natural se esperar a participação de empresas do local da execução ou, ao menos, das proximidades.”

Para ela, ficou evidente que “a dispensa dos procedimentos licitatórios não foi realizada em conformidade com as formalidades exigidas pela legislação de regência e que as cotações de preços
levadas a efeito pelos envolvidos apenas serviam para forjar a contratação de pessoas jurídicas ligadas a seus dirigentes”.

Como a sentença penal já havia determinado o ressarcimento dos danos causados aos cofres públicos, no montante de R$ 3.499.191,76, a magistrada determinou na ação por improbidade que os réus paguem multas conforme sua participação no esquema. A maior delas foi aplicada aos irmãos Aurenísia e Cid, totalizando R$ 3.499.191,76, dos quais dois terços caberão à ex-presidente.

As demais multas variam de um máximo de R$ 1.715,136, para Ângelo Márcio, a um mínimo de R$ 20 mil, aplicada a Sidney Rodrigues, que celebrou acordo de delação premiada. Caso a sentença transite em julgado, todos os réus ficarão proibidos de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais por prazos que vão de dois a 12 anos, mesmo período em que terão seus direitos políticos suspensos.

Participação – Da decisão ainda cabem recursos. O MPF, inclusive, já recorreu buscando a condenação de José César da Costa Calado Filho, representante da empresa Clarit Comercial Ltda. Ele, no entender do Ministério Público, aderiu voluntariamente à fraude em uma das cotações de preço (para fornecimento de equipamentos de proteção individual – EPIs), apresentando a chamada “proposta cobertura”, ou seja, aquela com preço sabidamente maior que a da concorrente.

A magistrada alegou ausência de “provas cabais” de que ele teria aderido voluntariamente ao esquema, para decidir pela absolvição. O MPF, no entanto, destaca que José César Filho mantinha uma admitida relação de amizade com Sidney Rodrigues (cuja empresa venceu a cotação) e ambos eram, inclusive, sócios na L & S Construções, na época da fraude. Em sua delação, Sidney afirmou ter solicitado a cotação ao amigo.

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