Conhecida por ter sido utilizada no tratamento do artista Paulo Gustavo, que acabou falecendo por complicações da covid-19, a ECMO divide opiniões de especialistas da área de saúde.
Os principais argumentos da Conitec para a não incorporação da ECMO são o “grau de incerteza” do procedimento, que, segundo relatório da Comissão, “variaram bastante” entre os estudos analisados, e o custo elevado do tratamento em relação à Ventilação Mecânica Invasiva (VMI).
“A não incorporação da ECMO pelo SUS foi um grande retrocesso. A ECMO faz parte do arsenal terapêutico de enfrentamento à covid, assim como faz parte de outros tratamentos. É com pesar imenso que no Brasil a gente pode usufruir disso só em hospitais privados”, diz a cardiologista e diretora da ECMO Minas, Marina Fantini. A ECMO Minas é uma empresa especializada nesse tipo de terapia.
A médica defende que, enquanto a ventilação pode machucar o pulmão e resultar em uma disfunção pulmonar crônica, que vai depender de trabalhos paralelos de recuperação, a ECMO possibilita que o pulmão fique “descansando”. Assim, quando o quadro agudo de covid-19 é superado, o pulmão está pronto para retomar as atividades.
“A ECMO, no contexto da covid-19, é uma terapia utilizada para poupar o paciente, não uma terapia de resgate. Ela poupa o pulmão. Então, quando o paciente não responde às medidas instituídas, a ECMO é instalada para poupar a função pulmonar”, diz. O tratamento por ECMO em pacientes infectados pelo coronavírus é indicado para pessoas abaixo de 50 anos e, segundo Fantini, para estágios ainda não avançados da doença.
Em hospitais particulares de Belo Horizonte, cidade em que Fantini atua, e em várias outras cidades do Brasil, é possível fazer a terapia ECMO paga pelos convênios. “Não é uma terapia para aventureiros. A gente não quer popularizar, mas democratizar”, destaca.
Fantini defende ainda que o argumento da Conitec de ECMO aumenta o custo é um dado muito frágil. “A médio e longo prazo, a ECMO economiza para os cofres públicos, já que os pacientes podem ficar menos tempo em UTI, reduzindo os gastos da internação”, argumenta. A incorporação da ECMO já havia sido discutida pela Conitec em 2015 e a recomendação seguiu o mesmo caminho.
Para o médico infectologista e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), José David Urbaéz, em momentos de pandemia, o sistema público de saúde tem de ser cirúrgico na incorporação de tecnologias para atender à enorme quantidade de casos. Em meio isso, segundo o médico, a incorporação da ECMO pelo SUS acabaria não gerando tantos resultados. “É uma tecnologia com resultados parciais. Menos de 50% que vão para o tratamento com ECMO sobrevivem”, diz Urbaéz.
O médico relata que, mesmo em hospitais privados, o tratamento por ECMO sofre resistência, já que os resultados não são tão animadores. “Os planos têm toda uma restrição ao uso de ECMO, milhares de obstáculos e questionamentos. O tratamento é extremamente caro: tanto o hardware e os materiais descartáveis, quanto a necessidade do suporte em uma unidade de alta complexidade. É uma medida heroica, para um paciente jovem que não tem comorbidades”, complementa.
“Eu acharia uma insensatez administrar recursos para incorporar a ECMO (ao SUS) ao mesmo tempo em que se tira recursos para a vigilância genômica na pandemia”, ressalta o médico, que defende ainda o enfoque em políticas públicas de testagem, a compra de mais oxímetros de pulso, entre outras ações mais amplas na pandemia.
“Obviamente, é desejável que este tratamento venha a ser incorporado pelo SUS, como uma opção aos casos muito bem indicados, mas ainda há dúvidas sobre a forma e o momento de se fazer essa incorporação”, comenta o professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e coordenador da Comissão de Terapia Intensiva da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), Bruno Pinheiro.
O médico destaca que a dúvida quanto aos efeitos da ECMO na redução da mortalidade já existia para outras causas de insuficiência respiratória e se manteve para a covid-19. Desse modo, a falta de comprovação definitiva de redução na mortalidade com a ECMO é um dos fatores para se questionar sua implementação no SUS.
“A grande maioria dos pacientes, mesmo com formas graves, podem ser bem conduzidos sem ECMO, desde que com as demais condições necessárias para o tratamento de um paciente crítico atendidas. Isso implica na disponibilidade de ventiladores mecânicos adequados, equipamentos para monitorização, possibilidade de hemodiálise, medicamentos disponíveis e, principalmente, equipe capacitada, treinada e dimensionada para o número de pacientes a serem atendidos”, defende Pinheiro.
O que é a ECMO
O sistema de oxigenação extracorpórea, segundo relatório da Conitec, consiste em um sistema de tubos de plástico, uma bomba que impulsiona o sangue e uma membrana de oxigenação de polimetilpenteno (um tipo de plástico que permite a passagem de gases). É essa membrana que possibilita a saída do gás carbônico e a entrada do oxigênio para as células do sangue.
Para o funcionamento do aparelho, é inserida uma cânula em uma veia de grosso calibre da perna. Assim, uma grande quantidade de sangue flui para a membrana e o sangue oxigenado é, então, bombeado de volta para o organismo. A ECMO pode ser utilizada apenas em ambiente hospitalar, em centro especializado e com equipe multiprofissional com treinamento específico para executar esse procedimento.
De acordo com a Conitec, quando comparado o uso exclusivo de ventilação mecânica protetora em pacientes com SARA (síndrome do desconforto respiratório agudo, na tradução do inglês) com o uso da ECMO aliada à ventilação mecânica protetora, verificou-se que aqueles que usaram a ECMO tiveram um aumento de 33% no tempo de vida ganho. Também foi observada uma tendência de vantagem da ECMO no que diz respeito à qualidade de vida.
“Contudo, a extensão desses benefícios e o grau de incerteza variaram bastante entre os estudos”, diz o relatório da Conitec. “A Conitec recomendou inicialmente a não incorporação no SUS da oxigenação extracorpórea (ECMO) para suporte de pacientes com insuficiência respiratória grave e refratária.”
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