A fome no Brasil, proporcionalmente, afeta o dobro de lares liderados por pessoas negras em comparação com aqueles chefiados por brancos. A situação é ainda mais severa em residências lideradas por mulheres negras
Publicado 26 de junho de 2023 às 06:58
A fome no BRasil afeta cerca de uma em cada cinco famílias chefiadas por pessoas autodeclaradas pardas ou pretas. Essa taxa é o dobro daquela encontrada em lares chefiados por pessoas brancas, que é de 10,6%. A situação é ainda mais preocupante quando se observa o recorte de gênero: 22% das famílias lideradas por mulheres autodeclaradas pardas ou pretas sofrem com a fome, quase o dobro da proporção de famílias comandadas por mulheres brancas, que é de 13,5%.
Os dados foram obtidos pelo recorte de raça e gênero do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (VIGISAN), pesquisa que teve os primeiros resultados publicados em junho de 2022. Os números revelados pelo VIGISAN, uma iniciativa da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), em parceria com o Instituto Vox Populi e o apoio de diversas organizações, trazem uma dimensão mais precisa da fome no Brasil.
Em 2022, aproximadamente 33,1 milhões de pessoas no país enfrentaram a insegurança alimentar. O recorte por raça e gênero demonstra que muitas dessas pessoas vivem em lares chefiados por mulheres negras, que se autodeclaram pardas ou pretas de acordo com a classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“A situação de insegurança alimentar e fome no Brasil, que foi exposta ao mundo pelo VIGISAN em 2022, ganha ainda mais clareza agora. A escassez de alimentos e a fome são mais prevalentes entre famílias chefiadas por pessoas negras, especialmente mulheres negras. É urgente reconhecermos a interseção entre o racismo e o sexismo na estrutura social brasileira e implementar políticas públicas que promovam a equidade e garantam um acesso amplo, irrestrito e igualitário à alimentação”, destaca a professora Sandra Chaves, coordenadora da Rede PENSSAN.
O estudo também revela que ter maior escolaridade não foi suficiente para proteger as famílias de mulheres negras da falta de alimentos. Cerca de um terço delas (33%) enfrenta insegurança alimentar moderada ou grave, em comparação com 21,3% dos homens negros, 17,8% das mulheres brancas e 9,8% dos homens brancos.
A presença da fome é uma realidade para 23,8% das famílias chefiadas por mulheres negras que possuem crianças menores de 10 anos. Nesse grupo, apenas 21,3% dos lares encontram-se em condição de segurança alimentar, menos da metade do índice encontrado nos lares chefiados por homens brancos (52,5%) e quase a metade do índice observado nos domicílios chefiados por mulheres brancas (39,5%).
A situação de emprego e renda também exerce influência na segurança alimentar das famílias, variando de acordo com a cor autodeclarada da pessoa responsável. Nos lares chefiados por pessoas negras que enfrentam desemprego ou trabalham na informalidade, a fome está presente em metade deles, enquanto esse índice é de um terço nos lares chefiados por pessoas brancas. Quando se trata de desemprego, a insegurança alimentar grave, ou seja, a fome, é mais frequente nos domicílios chefiados por mulheres negras (39,5%) e homens negros (34,3%).
No caso em que a pessoa responsável pelo domicílio possui emprego formal e a renda mensal familiar é superior a 1 salário mínimo per capita (SMPC), a segurança alimentar é presente em 80% dos lares chefiados por pessoas brancas e em 73% dos lares chefiados por pessoas negras.
O VIGISAN, que coletou dados entre novembro de 2021 e abril de 2022, revelou números preocupantes sobre a insegurança alimentar no Brasil. Foram entrevistados 12.745 domicílios em áreas urbanas e rurais de 577 municípios, abrangendo os 26 estados brasileiros e o Distrito Federal. Os resultados, divulgados em setembro de 2022, tinham como objetivo identificar desigualdades regionais no acesso aos alimentos. A segurança alimentar e os níveis de insegurança alimentar foram medidos pela Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), também utilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
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