O presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco), Mauro Silva, avalia que os fatos relacionados ao transporte ilegal de joias realizado pela cúpula do governo Bolsonaro não deixam nenhuma dúvida de que se tratava, de fato, de um presente pessoal, destinado à então primeira-dama Michelle Bolsonaro e ao ex-presidente.
“A alegação de que seria um presente para o governo brasileiro não faz sentido nenhum, porque ninguém mandaria um presente desses para a Presidência do Brasil, na mochila do assessor de um ministro”, disse Silva.
Especialista no setor, Mauro Silva lembra que há os caminhos diplomáticos para que isso seja feito e que, justamente por se tratar de um presente de alto valor, qualquer país faz questão de seguir o protocolo oficial. “Quando é enviado um presente ao governo, é valorizado todo protocolo envolvimento, a cerimônia que esses processos possuem. Essa é a essência dessas questões diplomáticas”, comentou.
Silva explica ainda que o episódio do transporte e desembarque está cercado de irregularidades. A principal suspeita é de “descaminho”, uma vez que o assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, não era o dono do presente, tampouco seu destinatário, ou seja, atuava apenas como um transportador de mercadoria, o que é proibido e exige identificação dos itens e o devido recolhimento de impostos de importação.
“As evidências mostram que os itens eram para a primeira-dama e o próprio ministro disse isso, relatou e isso está documentado”, comentou Mauro Silva. “Se, depois, ao ter as joias retidas, ele decidiu alegar outro motivo, é preciso investigar.”
Em casos de presentes diplomáticos, disse o especialista, os países costumam enviar um portador com o presente, seguindo todo o rito que a legislação exige. “Malas de diplomatas, por exemplo, nem chegam a passar pela alfândega, como as demais bagagens de passageiros. Ela nem é olhada pela Receita, isso é uma regra mundial. Portanto, se quisessem trazer um presente ao governo do Brasil, tudo seria bem mais simples”, explicou. “Agora, uma pessoa que ocupa um cargo desses no governo certamente tem discernimento suficiente para saber que não pode receber qualquer coisa de uma pessoa, que desconheça o conteúdo, e traga para o Brasil.”
O ministro da Justiça, Flávio Dino, afirmou, na noite da última sexta-feira, 3, que vai acionar a Polícia Federal para apurar a tentativa do governo Bolsonaro (PL) de trazer ilegalmente para o País um conjunto de joias de diamantes avaliadas em cerca de € 3 milhões, o equivalente a R$ 16,5 milhões.
Nas redes sociais, Dino afirmou que os fatos revelados pela reportagem do Estadão podem configurar crimes de descaminho, além de peculato e lavagem de dinheiro, entre outras ilegalidades.
“Fatos relativos a joias, que podem configurar os crimes de descaminho, peculato e lavagem de dinheiro, entre outros possíveis delitos, serão levados ao conhecimento oficial da Polícia Federal para providências legais. Ofício seguirá na segunda-feira”, escreveu Dino, em sua conta pessoal no Twitter.
Como revelou o Estadão, as joias eram um presente do regime saudita para o então presidente e a primeira-dama Michelle Bolsonaro e foram apreendidas no aeroporto de Guarulhos Estavam na mochila de um militar, assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que viajara ao Oriente Médio em outubro de 2021.
A apreensão dos diamantes ocorreu no dia 26 de outubro de 2021, durante uma fiscalização de rotina entre os passageiros do voo 773 que desembarcaram nos terminais de Guarulhos, com origem na Arábia Saudita. Após a passagem das malas pelo raio X, os agentes da Receita decidiram fiscalizar a bagagem de Marcos André Soeiro, militar e assessor de Bento Albuquerque.
Albuquerque foi à Arábia Saudita representar o governo brasileiro na reunião de cúpula “Iniciativa Verde do Oriente Médio”, realizada na capital daquele país.
Procurado nesta sexta-feira pelo Estadão, o ex-ministro admitiu que trouxe as joias para Michelle e o relógio, também de diamante, para Bolsonaro, mas afirmou que era um pacote fechado e não sabia o que tinha dentro. “Nenhum de nós sabia o que eram aquelas caixas”, disse Albuquerque.
No ato da apreensão dos itens, ao ser questionado pelo agente da Receita, Albuquerque relatou a quem se destinavam os presentes. “Isso era um presente. Como era uma joia, a joia não era para o presidente Bolsonaro, né? Deveria ser para a primeira-dama Michelle Bolsonaro. E o relógio e essas coisas, que nós vimos depois, deveriam ser para o presidente, como dois embrulhos.”
Bolsonaro tentou, de todas as formas, reaver as joias, com ações realizadas por meio de seus ministérios e de seu próprio gabinete. Foram quatro tentativas frustradas, envolvendo o gabinete presidencial, três ministérios (Economia, Minas e Energia e Relações Exteriores) e militares. A última ocorreu quando faltavam apenas três dias para o presidente deixar o mandato, em 29 de dezembro.
O ex-presidente autorizou um funcionário do governo a pegar um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) naquele dia e desembarcar no aeroporto de Guarulhos, dizendo que estava ali para retirar as joias. “Não pode ter nada do (governo) antigo para o próximo, tem que tirar tudo e levar”, argumentava o militar, segundo relatos colhidos pelo jornal. A viagem foi autorizada pelo próprio Bolsonaro, conforme mostram documentos oficiais.
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