Cotidiano

Especialistas apontam riscos ambientais no aumento da faixa de areia de Ponta Negra

A chamada ‘engorda’ irá alargar a faixa de areia numa distância de quatro quilômetros de extensão, entre o Morro do Careca e as proximidades da rede hoteleira, na Via Costeira, e pode desequilibrar dinâmica costeira

por: NOVO Notícias

Publicado 30 de outubro de 2021 às 00:00

Engorda da Praia de Ponta Negra deverá ter quatro quilômetros entre o Morro do Careca e os primeiros hotéis da Via Costeira – Foto: Carlos Azevedo/NOVO Notícias

A praia de Ponta Negra, principal cartão-postal da capital, passará por um amplo processo de reestruturação. A chamada ‘engorda’ irá alargar a faixa de areia numa distância de quatro quilômetros de extensão, entre o Morro do Careca e as proximidades da rede hoteleira, localizada na Via Costeira. A intervenção tem gerado um debate na sociedade e preocupado especialistas, principalmente quando se fala nos impactos ambientais da obra.

Segundo dados da Prefeitura de Natal, o projeto total receberá mais de R$ 70 milhões do governo federal, através do Ministério do Desenvolvimento Regional. Com a obra, a faixa de areia ficará com 100 metros de extensão quando a maré estiver baixa, e com algo em torno de 30 a 50 metros quando estiver alta.

Todavia, especialistas apontam diversos fatores que podem causar impactos na dinâmica costeira, como: extinção de espécies marinhas, destruição do habitat natural dos animais que vivem na água, além de riscos maiores de afogamentos, tendo em vista os declives abruptos ocasionados pela engorda, que aproximam os banhistas de correntes marinhas mais fortes, bem como, uma mudança na configuração do perfil da praia.

Da maneira que a ideia foi proposta, o planejamento vai acabar gerando grandes impactos ambientais negativos, de acordo com a professora do Departamento de Oceanografia e Limnologia, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Maria Christina. A especialista também acredita que a situação pode ainda implicar no turismo de mergulho que há no local e interferir diretamente na biodiversidade marinha existente naquele ambiente.

“A obra vai provocar um impacto muito grande na biota local, porque você tem uma retirada de toneladas de segmentos dessas jazidas que estão submersas, junto com a biota local, e que vão ser engordadas na praia. Então, você acaba atraindo predadores, como o exemplo de Camboriú, onde os tubarões estão se aproximando muito da área de engorda. Bem como, se a corrente estava passando muito mais dentro, aproximando dessa faixa de areia, agora ficando mais perto, pode acontecer situações de afogamento”, alertou a professora Maria Christina.

Readaptação

Nesse tipo de obra de natureza costeira, o mar é um grande aliado no processo de remodelagem da praia. De acordo com Venerando Amaro, professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da UFRN, o padrão de declividade atual de Ponta Negra pode levar alguns anos após a obra concluída, para que a atividade marinha consiga se readequar de maneira natural a essa nova geometria da praia. “A praia vai precisar se remoldar àquela costa, que é o que a gente espera que aconteça quando a gente faz um engordamento, e acontece a remodelagem da praia. A praia não vai estar mais como era antes, muito regular, muito plana, até muito distante. Agora, ela passa a ser alterada pela engorda; então, essa nova praia vai ser diferente, inclusive, com alteração na direção das correntes que pode causar um risco à população, sobretudo aos banhistas, surfistas, porque realmente avança mais para dentro do mar”, ressaltou Venerando.

O professor, que é especialista em modelagem costeira e hidrodinâmica, ainda alertou para riscos no processo de construção da obra, o qual levará um tempo hábil para o desenvolvimento da estruturação de toda engenharia envolvida no projeto, até que haja o escoamento correto da areia para o mar e a estabilização do solo. Venerando comentou que episódios de atolamento na areia podem ocorrer, caso a região seja invadida durante a obra.

Ainda de acordo com o professor Amaro, a cor da areia pode ficar mais escura do que normalmente é vista nas demais praias da região. Segundo o especialista, isso ocorre porque os sedimentos são retirados das jazidas molhadas.

“Nesse primeiro momento, areia pode ficar mais escura e até com odor, porque está molhada e compactada, com o maquinário sendo utilizado. Conforme o sol vai incidindo sobre ela, a água vai evaporando e a areia vai ficar mais solta e ela pode voltar a clarear”, falou Venerando.

Relatório e conclusões

De acordo com o Instituto de Defesa do Meio Ambiente em Natal (Idema) alguns documentos precisam ser elaborados antes do início do processo de execução da obra. Os principais são o Relatório de Impacto Ambiental (Rima) e o Estudo de Impacto Ambiental (EIA).

Ao NOVO Notícias, a Secretaria Municipal de Obras Públicas e Infraestrutura informou que contratou uma empresa de São Paulo para realizar esses estudos. O intuito da consultoria, além da emissão dos documentos necessários, é indicar medidas que visem à redução ou eliminação dos impactos negativos do empreendimento.

Ainda segundo a secretaria, o levantamento visa dar mais subsídios ambientais para implementação das obras na praia de Ponta Negra. O empreendimento tem como objetivo a proteção da costa de processos erosivos, e proporcionando condições para a criação de áreas públicas destinadas ao lazer e ao turismo, principal atividade econômica da cidade, onde 80% dos empreendimentos turísticos estão naquela região.

Conforme anunciou o prefeito Álvaro Dias, os serviços de reestruturação da orla devem durar 30 meses. A licitação está prevista para o próximo dia 16 de novembro.

CONFIRA A ENTREVISTA COM O ESPECIALISTA VENERANDO AMARO: 

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