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Entre o Alzheimer e o canabidiol

Cannabis medicinal é utilizado por cerca de 150 mil brasileiros

por: NOVO Notícias

Publicado 31 de outubro de 2022 às 16:00

Ao lado da filha Angélica, Dona Maria de Jesus, de 85 anos – Foto: Cedida/Arquivo Pessoal

Há dois anos, Dona Maria de Jesus começou a apresentar os primeiros sintomas. Esquecimentos frequentes, “conversas” com a televisão e irritações além do comum. Logo, os filhos perceberam que algo estava diferente e decidiram procurar o médico. Após alguns exames, o diagnóstico veio em março de 2021. Sim, era Alzheimer.

Com o passar do tempo, a doença avançou e Dona Maria de Jesus começou a apresentar certa agressividade, comportamento incomum para o seu perfil. Foi quando sua filha, a jornalista Angélica Hipólito, começou a pesquisar sobre o uso do óleo do canabidiol para pacientes com Alzheimer. Alguns depoimentos a chamaram a atenção e, após dar a ideia para seus cinco irmãos, eles decidiram tentar o tratamento. “Fomos atrás da Associação Reconstruir, que nos assistiu em tudo. Eles têm todo cuidado para com a família e com o trâmite burocrático”, explica Angélica.

No último dia 24 de junho, Dona Maria de Jesus recebeu o óleo e iniciou as gotinhas. “Adotamos o tratamento alternativo com o óleo do canabidiol a partir do momento em que constatamos que mamãe estava ficando agressiva, nervosa, muito nervosa, principalmente, quando queria falar algo e as palavras ‘sumiam’ da cabeça. Mesmo sabendo que o Alzheimer não tem cura, o canabidiol alivia os sintomas. Acalma o cérebro e faz com q ela pense, mesmo dentro do mundo dela. As frases fazem sentido. Ela ainda tem lapsos de memória, mas com o óleo, ela consegue organizar as palavras, as frases, o que ela quer nos dizer. Antes do uso, ela não conseguia formar frases, tudo era desconecto. Hoje ela nos faz entender as histórias, mesmo que sejam as histórias antigas que ela viveu”, relata a filha de Maria de Jesus.

Os resultados logo foram percebidos pela família. “Já na primeira semana notamos que ela estava mais esperta nas conversas e mais calma nas ações. Na época, ela estava tomando banho na cadeira de banho. Hoje, só não toma banho sozinha porque não deixamos. Dorme bem, a coordenação motora também tem respondido bem. Ou seja, o óleo do canabidiol tem ajudado muito a manter minha mãe, mesmo no mundo do Alzheimer, se sentindo bem, sorrindo e compartilhando momentos com a família”, conclui Angélica Hipólito.

Assim como Dona Maria de Jesus, outras 150 mil pessoas no Brasil, em média, usam o cannabis de forma medicinal para o tratamento de várias doenças a exemplo do Alzheimer. No país, mais de 500 pessoas plantam legalmente em casa com autorização da justiça, sendo 42 no Rio Grande do Norte. O uso do produto, no entanto, pode ter as regras modificadas, o que poderia vir a prejudicar o tratamento de alguns pacientes.

DIVERGÊNCIAS E REGRAS PARA USO

O Conselho Federal de Medicina (CFM) suspendeu temporariamente os efeitos da recém-publicada Resolução CFM nº 2.324/2022, que atualizava os critérios para prescrição terapêutica de canabidiol (CBD), um dos componentes da Cannabis ativa. A norma suspensa foi publicada no último dia 14 e revogada de forma integral a Resolução CFM n° 2.113/2014, restringindo as possibilidades de uso do componente, permitindo ao médico a prescrição de CBD apenas para tratamento de epilepsias refratárias às terapias convencionais em pacientes crianças e adolescentes com Síndrome de Dravet, Síndrome de Lennox Gastaut e Complexo de Esclerose Tuberosa.

Até então, o uso compassivo de CBD era autorizado de forma mais ampla para especialidades de neurologia, neurocirurgia e psiquiatria. A resolução suspensa mantinha a proibição para prescrição da cannabis in natura, bem como quaisquer outros derivados da planta. Diante de muitas divergências, o Conselho abriu uma consulta pública para receber contribuições sobre o tema. Os interessados em participar terão até 23 de dezembro de 2022 para apresentar suas sugestões através de uma plataforma eletrônica do CFM.

“A Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] não define quais patologias podem utilizar esse tipo de tratamento. Ela autoriza médicos e dentistas a prescreverem. Com a suspensão da nova norma que havia sido publicada no início deste mês, volta a valer – na teoria – a norma de 2014, que está bastante defasada, sem embasamento técnico, prevalecendo assim a autonomia médica”, informa Felipe Farias, presidente da Associação Potiguar. Atualmente, 18 produtos à base de cannabis são regulamentados pela Anvisa no Brasil. Entretanto, apenas dois estão nas farmácias, onde o valor de alguns remédios para tratamentos à base da planta chegam a custar mais de R$ 2 mil.

FÓRUM DISCUTE USO MEDICINAL

Entre os próximos dias 7 e 9 de novembro, a Associação Potiguar Reconstruir promove a 7ª edição do Fórum Delta 9, um dos maiores eventos sobre o uso medicinal da cannabis no Brasil. O encontro contará com palestras de cientistas, médicos, advogados, empresários, dentistas, médicos veterinários e consultores de abrangência internacional. Uma das principais palestras será a do ex-presidente do Uruguai e responsável por regulamentar a cannabis no país, José Pepe Mujica, que falará sobre a experiência do país após a liberação da planta para fins recreativos e medicinais.