Dados do Observatório das Migrações, do Alto Comissariado para as Migrações apontam que empresas controladas por brasileiros em Portugal se tornaram as principais empregadoras de imigrantes no país
Publicado 8 de janeiro de 2023 às 09:50
As arquitetas Thayanna Botelho e Rebeca Bitencourt decidiram ampliar o quadro de pessoal da Nest, empresa que abriram em Portugal há pouco mais de dois anos. A demanda por projetos — foram mais de 40 nesse curto período — está tão grande, que o atual grupo de colaboradores, cinco, precisa ser reforçado rapidamente. As duas novas vagas deverão ser preenchidas, preferencialmente, por mulheres. Como as arquitetas, empresários brasileiros que decidiram fincar raízes do outro lado do Atlântico têm feito a diferença para manter aquecido o mercado de trabalho do país europeu. Mais que isso, vêm garantindo oportunidades a profissionais estrangeiros que decidiram viver em território luso.
Dados do Observatório das Migrações, do Alto Comissariado para as Migrações apontam que empresas controladas por brasileiros em Portugal se tornaram as principais empregadoras de imigrantes no país. Do total de contratações de estrangeiros, 26,7% são feitas por empresários oriundos do Brasil. Os chineses aparecem na segunda posição, garantindo 16% das vagas. O impacto desses empregos tem sido tão forte na economia portuguesa, que a taxa de desocupação está em 6,1%, o menor nível em duas décadas. Não só. Os trabalhadores estrangeiros se tornaram pilares para a sustentabilidade da Seguridade Social, a Previdência do país. No último ano, os imigrantes despejaram 1,2 bilhão de euros (R$ 6,6 bilhões) no caixa do sistema.
A participação de imigrantes no mercado de trabalho de Portugal será cada vez maior, acredita Jorge Fonseca, especializado em recolocação profissional de executivos com mais de 50 anos. Para ele, mesmo com uma economia pequena, o país lusitano, por questões demográficas, tem precisado cada vez mais de mão de obra. A população portuguesa envelheceu e já não consegue suprir as necessidades de setores básicos, como comércio, hotelaria e construção civil. Os brasileiros, pela facilidade da língua, ainda que a cultura seja diferente, têm aproveitado como ninguém as oportunidades, tanto do ponto de vista dos empreendedores, quanto daqueles que buscam empregos que possam lhes garantir uma vida melhor.
Fonseca acredita que, ao longo do tempo, a procura por profissionais estrangeiros mais qualificados vai se acentuar em Portugal. Os primeiros sinais são observados na área de tecnologia, uma vez que multinacionais estão instalando núcleos operacionais em várias regiões portuguesas. Ele ressalta que também estão chegando no país centros de serviços partilhados, como financeiro e de recursos humanos, além de startups e incubadoras de empresas. É nesses segmentos que ele procura recolocar trabalhadores seniores, que decidiram, depois de carreiras bem-sucedidas, dar um novo rumo à vida profissional.
Riqueza da diversidade
Chef e um dos sócios do badalado restaurante Bono, o brasiliense Robson Oliveira tem sob seu comando oito profissionais, incluindo um português. “A diversidade faz muito bem ao negócio, torna o ambiente mais rico. Estrangeiros são curiosos, gostam de experimentar coisas novas, e isso se reflete muito bem no trabalho que executam”, assinala. Ele ressalta que são fatores preponderantes para a contratação de colaboradores a competência, a motivação e a disponibilidade para trabalhar. “Do nosso lado, damos, por meio de contratos formais, toda a segurança que esses profissionais precisam para viver em outro país. Ser imigrante não é fácil, portanto, estar tudo legalizado faz muita diferença”, emenda.
Oliveira conta que recebe muitos currículos de estrangeiros, sobretudo de trabalhadores da América do Sul. Ele já conversou com parte das pessoas para montar um banco de talentos. O chef está em busca de um espaço agradável para montar seu novo restaurante. Como quer um local mais amplo, precisará de um grupo maior de profissionais que o do Bono. “Quero que seja um quadro de pessoal diverso, bem cosmopolita”, destaca ele, que tem como sócio no empreendimento um italiano. “Como converso com muitos donos de restaurantes, também indicamos profissionais para aqueles que estão contratando”, diz.
Donas da Nest, as arquitetas Thayanna e Rebeca ressaltam que, antes de construírem o próprio negócio, trabalharam em empresas em Portugal. Isso foi importante para a ambientação e o crescimento delas no país em que optaram por morar. Elas lembram que trabalharam de imediato na área de formação, mas há muitos estrangeiros, sobretudo brasileiros, que, para dar início à nova vida, abrem mão de cargos elevados no Brasil para ocupar funções com remuneração mais baixa e em outros ramos. “É um recomeço, mas também uma preparação para saltos maiores”, frisa Thayanna.
As empresárias citam como exemplo uma brasileira formada em engenharia civil que hoje faz faxina nas casas delas, mas viu, nesse tipo de trabalho, uma ótima fonte de renda. Tanto que está abrindo uma empresa para oferecer mão de obra treinada. “Há oportunidades para todos os que estão dispostos a trabalhar”, assinala Rebeca, que vê forte disposição dos brasileiros para executar as mais diversas tarefas. “Na Nest, não é requisito ser brasileiro para contratarmos, mas, se for, é um ponto a mais. Por tudo o que temos vivido, nossos conterrâneos não fogem à luta”, acrescenta.
Dono da Cascais Mediação Imobiliária e do Café e Restaurante Pérola, ambos em Cascais, uma das regiões mais caras de Portugal, José Xavier tem seis profissionais sob seu comando. “Todos brasileiros”, enfatiza. Na avaliação dele, são pessoas de mais fácil trato, que têm facilidade para vendas e para lidar com o público. “Após a contratação, todos passam por treinamento. Por mais competência que tenham, é importante que sejam preparados de forma adequada para as funções que vão exercer”, complementa, indicando, porém, que não está fácil repor o quadro de pessoal quando alguma vaga é aberta. “Há oferta de mão de obra, mas nem todos se enquadram nas exigências das empresas.”
Facilidades na lei
A escassez de profissionais é perceptível até em funções básicas, reconhece Xavier. Não à toa, o governo de Portugal promoveu, com o apoio da Assembleia da República, uma série de flexibilizações nas leis de imigração. A mais recente delas permite que cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), entre eles o Brasil, possam transitar pelo território luso com um visto especial, que lhes permite procurar emprego ao longo de seis meses, desde que tenham como comprovar o sustento nesse período. Foi a forma encontrada para atender empresários do varejo, do turismo e da agricultura. E um instrumento para aqueles que se aventurarem pelo mercado de trabalho português tenham garantias da legislação.
O recrutador Jorge Fonseca acredita que o próximo passo será a derrubada do excesso de burocracia que dificulta a entrada de profissionais de saúde em Portugal, como médicos. Os brasileiros são as maiores vítimas desse processo, que conta com suporte do corporativismo dos sindicatos do setor. Para que um médico brasileiro consiga autorização de trabalho no país europeu precisa passar por um longo programa de avaliação e de validação do diploma. Há doutores esperando um sinal verde há mais de seis anos, mesmo com o sistema público de saúde estando à beira do colapso por falta de pessoal.
José Xavier acompanha isso de perto. A mulher dele, que é farmacêutica, nunca pode exercer a profissão em terras lusitanas. Para driblar as amarras da burocracia, ela optou por fazer um doutorado em Portugal. Assim que terminar o curso, terá toda a trajetória reconhecida. “Estamos falando de profissionais de excelência, que podem dar ótimas contribuições ao sistema de saúde português. Portugal é um país envelhecido e complexo”, emenda Jorge Fonseca.
País em renovação
O Observatório das Migrações aponta que, entre os quase 700 mil estrangeiros que vivem legalmente em Portugal, os homens são maioria — no caso dos brasileiros, que são um terço do grupo de imigrantes, as mulheres são 54,7%. Do total, 60,4% têm entre 20 e 49 anos, ou seja, estão em plena idade produtiva. As estrangeiras responderam, em 2021, por 13,5% dos nascimentos no país. Trata-se de um contingente que, ao longo do tempo, mudará a estrutura da sociedade portuguesa. “Estamos diante de um quadro irreversível”, acredita Miguel Relvas, ex-ministro de Assuntos Parlamentares.
Além das perspectivas de trabalho, muitos dos estrangeiros que vivem em Portugal foram atraídos pelas boas condições de vida no país, a começar pela segurança. Funcionário do escritório Martins Castro, o advogado Luís Cláudio Almeida, 30 anos, de Fortaleza, diz que decidiu trabalhar no país com o intuito de expandir seus conhecimentos e internacionalizar a carreira. Ele, que migrou em maio de 2022, atua com direito de nacionalidade e migratório, com foco no público da América Latina, e cursa mestrado em direito comercial internacional na Universidade de Lisboa.
Almeida lembra que, tão logo aportou em território luso, inscreveu-se na Ordem dos Advogados de Portugal e passou a procurar emprego. No entender dele, o aprendizado de sua primeira experiência internacional, quando fez, em 2017, um intercâmbio na Universidade de Salamanca, na Espanha, favoreceu seu ingresso no mercado português. “Ter domínio da língua espanhola e conhecimento em direito da União Europeia me ajudou, porque é comum que as vagas por aqui peçam fluência em outros idiomas. Portugal é um país dinâmico, inserido num contexto global, que está aberto aos profissionais estrangeiros”, ressalta.
Também advogada, a gaúcha Patrícia Barros, 47, decidiu se mudar para Portugal em julho de 2021 a fim de aprofundar os estudos em direito humanos e abrir portas na União Europeia. Para ela, a experiência, além de possibilitar o contato constante com pessoas de várias nacionalidades, tem favorecido seu desenvolvimento profissional e pessoal, agregando conhecimento. “A vivência em Portugal tem ampliado minha visão de mundo”, destaca.
Com informações do Correio Braziliense
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