Responsável por levar suspeitas de corrupção na compra de vacinas ao presidente Jair Bolsonaro, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) afirmou ao Estadão ter recebido uma oferta de propina para agilizar a contratação do imunizante indiano Covaxin no Ministério da Saúde. O parlamentar, até então aliado do Palácio do Planalto, disse que a proposta partiu de Silvio Assis, um lobista conhecido em Brasília, próximo do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR). Segundo Miranda, ele recusou a oferta.
A informação foi revelada na noite de terça-feira, 29, pela revista eletrônica Crusoé e confirmada pelo Estadão pelo próprio deputado. Segundo Miranda, a oferta feita por Assis foi de 6 centavos de dólar para cada dose de vacina vendida, o que daria US$ 1,2 milhão (R$ 6 milhões, na cotação atual) no caso das 20 milhões de doses de Covaxin que o Ministério da Saúde negociou. “Quero provar que no governo Bolsonaro, debaixo do nariz de todo mundo, o Ministério (da Saúde) está entranhado de corrupção. A partir de agora minha meta é essa, provar que existe sim corrupção no Ministério da Saúde e que desde o princípio eu falei a verdade”, afirmou o deputado.
A declaração é um contraponto ao que tem dito Bolsonaro, que desde as primeiras suspeitas envolvendo a compra de vacinas tem repetido “não haver corrupção em seu governo”. Na terça-feira, 28, porém, em uma mudança de tom, o presidente afirmou não ter como saber o que acontece nos ministérios.
A conversa de Miranda com Assis aconteceu durante evento na casa do lobista, no Lago Sul, área nobre da capital federal, no dia 31 de março. Onze dias antes, o deputado havia se reunido com Bolsonaro, ao lado do seu irmão, o servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Fernandes Miranda, para relatar suspeitas de corrupção no processo de compra da Covaxin. Luis Ricardo disse ter sofrido pressão atípica de seus superiores na pasta para acelerar a contratação e se recusou a assinar um documento que previa pagamento antecipado pelas doses.
Na ocasião, segundo relatou o deputado, o presidente atribuiu as suspeitas a “mais um rolo” de Barros, que é ex-ministro da Saúde e atual líder do governo na Câmara. Ainda segundo Miranda, Bolsonaro disse que acionaria a Polícia Federal para investigar o caso, mas nenhuma investigação foi aberta na época.
Silvio de Assis é conhecido por promover eventos que servem para empresários terem acesso a parlamentares. Ele já foi denunciado pela Procuradoria Geral da República (PGR) em 2018 por participar de um esquema de registros sindicais falsos envolvendo o Ministério do Trabalho e o PTB.
No evento do dia 31 de março, Barros estava presente, mas de acordo com Miranda, não presenciou o momento em que Assis ofereceu a propina. “Por mais que (Ricardo Barros) tenha participado naquele dia em um jantar com 30 pessoas, ambiente totalmente republicano, o que aconteceu, aconteceu quando ele não estava junto”, disse o deputado do Distrito Federal.
O líder do governo admitiu, por meio de nota divulgada nas redes sociais, que conhece o lobista e que esteve no evento promovido naquele dia, mas negou fazer parte de negociação por vacina. “Nunca tratei com ele (Silvio Assis) de tema relacionado às vacinas. Reitero que não participei de negociação referente a compra da Covaxin”.
Embora tenha citado Barros como o nome que Bolsonaro atribuiu as suspeitas de corrupção, Miranda afirmou não ter provas contra o líder governista no caso da propina. “Barros sabe que não falou nada comigo, eu também sei que ele não falou nada. Quanto a mim ele tem que ficar despreocupado porque não sei nada sobre ele.”
Nesta quarta-feira, 30, foi aprovada uma nova convocação do deputado do DEM pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid no Senado, dessa vez em sessão secreta. A audiência está agendada para a próxima terça-feira, 6.
O requerimento aprovado é do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que justifica o pedido pelo motivo de “desejar detalhar e aprofundar fatos de altíssima gravidade” e “como meio de conferir-lhe (Miranda) maior segurança”.
Na segunda-feira, senadores apresentaram uma notícia-crime ao Supremo Tribunal Federal contra Bolsonaro por prevaricação. Eles alegam que o presidente, mesmo sendo alertado de suspeitas de corrupção na compra da Covaxin, nada fez. O Ministério Público Federal e o Tribunal de Contas da União (TCU) também investigam a compra do imunizante indiano, o mais caro comprado até agora pelo governo Bolsonaro (US$ 15 por dose). Como revelou o Estadão, o preço cobrado é 1.000% mais alto do que a própria fabricante, o laboratório Bharat Biotech, estimava seis meses antes.
Diferentemente das demais vacinas, negociadas diretamente com seus fabricantes (no País ou no exterior), a compra da Covaxin pelo Brasil foi intermediada pela Precisa Medicamentos. A empresa virou alvo da CPI da Covid, que na semana passada autorizou a quebra dos sigilos telefônico, telemático, fiscal e bancário de um de seus sócios, Francisco Maximiano. O depoimento do empresário na comissão está marcado para amanhã.
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