Defensores de “tratamento precoce” contra covid-19 são condenados a pagar R$ 55 milhões

Grupo do Rio Grande do Sul era chamado de “médicos do tratamento precoce Brasil” e estimulava uso de medicamentos do chamado “kit covid”

por: NOVO Notícias

Publicado 25 de maio de 2023 às 21:00

Defensores de “tratamento precoce” contra covid-19 são condenados a pagar R$ 55 milhões

Medicamentos que compõem o chamado ‘kit-Covid’ tiveram aumento nas vendas, mesmo não servindo para tratar a doença, segundo estudos científicos – Foto: Agência O Globo

A Justiça Federal no Rio Grande do Sul emitiu condenações relacionadas à publicação do material publicitário intitulado Manifesto Pela Vida, após avaliar duas ações do Ministério Público Federal (MPF). O grupo responsável pela divulgação, que se identificava como “médicos do tratamento precoce Brasil”, incentivava o consumo de medicamentos relacionados a um suposto “tratamento precoce”. Essas informações eram direcionadas ao público em geral, incluindo a recomendação de médicos que prescreviam o chamado “kit covid”.

Em decorrência dessas ações, a associação Médicos Pela Vida (Associação Dignidade Médica de Pernambuco – ADM/PE) e as empresas Vitamedic Indústria Farmacêutica, Centro Educacional Alves Faria (Unialfa) e Grupo José Alves (GJA Participações) foram condenadas conjuntamente a pagar uma indenização de R$ 55 milhões por danos morais coletivos e à saúde, com base em suas respectivas responsabilidades. Em uma das ações (5059442-62.2021.4.04.7100), a condenação estabelecida pela Justiça foi de R$ 45 milhões, enquanto na outra (5020544-77.2021.4.04.7100), o valor da condenação foi de R$ 10 milhões.

No material publicitário em questão, a associação, sediada em Recife (PE) e composta por médicos registrados no Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), mencionava os supostos benefícios do chamado “tratamento precoce” para a covid-19, incluindo a referência explícita aos medicamentos. No entanto, essa referência era feita sem qualquer menção aos possíveis efeitos adversos associados ao uso desses medicamentos, além de potencialmente incentivar a automedicação por ser uma recomendação médica.

O MPF argumenta que essa publicação vai contra a legislação e regulamentos relacionados à propaganda e publicidade de medicamentos. Por exemplo, uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estabelece que as informações sobre medicamentos devem ser cientificamente comprovadas, o que não ocorria com os medicamentos mencionados no manifesto quando utilizados para casos de covid-19.

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O julgador considerou que houve cumplicidade entre a Vitamedic e a associação Médicos Pela Vida, sendo que a empresa farmacêutica financiou a propaganda irregular, investindo R$ 717 mil nessa divulgação, como foi admitido pelo diretor da Vitamedic durante seu depoimento na CPI da Covid no Senado Federal.

Segundo o magistrado, tendo sido “configurada a interposição de pessoa ilícita, fica evidenciado que o ‘manifesto pela vida’ foi mecanismo ilícito de propaganda de laboratório fabricante de medicamento, servindo a ré do triste papel de laranja para fins escusos e violadores de valor fundamental, a proteção da saúde pública”.

Ao justificar o valor imposto nas sentenças, o magistrado assevera, ainda, que “a só e pura publicidade ilícita de medicamentos, pelos riscos do seu uso irracional, já representa abalo na saúde pública e sua essencialidade impõe a devida reparação”.

Atuação da Anvisa – Ao analisar a participação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no caso, a Justiça Federal reconheceu a atuação equivocada do órgão, que se esquivou a todo tempo de aplicar a sua própria norma sobre publicidade de medicamentos.

A Justiça Federal reconhece a omissão da Anvisa ao não ter atuado a associação para aplicar as penalidades previstas no caso, porém também afirma que o valor de indenização da sentença supera o que poderia ser imposto pela Agência, assim sendo, o julgador entendeu ter perdido objeto a parte em que o MPF pediu para que a Anvisa tomasse as providências cabíveis para exercer seu poder de polícia e punir a publicidade indevida.

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