Doze anos. Esse foi o tempo que Maria Rizzo, de 36 anos, passou casada. Durante esse período, ela sofreu diversas agressões – verbais, físicas, psicológicas e patrimoniais.
Tudo começou quando a advogada trabalhista tinha 23 anos e, natural do Sul do país, havia se mudado recentemente para Natal. “A mãe dele tinha um salão de beleza que eu frequentava. Aí ele me viu lá e tentou se aproximar. Ligava para saber que horas eu estaria no salão, aparecia lá quando eu estava, entre outras coisas. E eu não queria saber de ninguém daqui. Achava que não daria certo. Mas teve um dia que ele me chamou para sair e, depois de tanta insistência, eu aceitei”, contou.
De acordo com Maria, o jeito agradável e a maneira como o rapaz a tratava a fizeram se entregar. “Ele mostrava ter as qualidades que eu gostava. Aí eu, que sempre fui muito fechada por medo de me magoar, resolvi me dar uma chance de me abrir para alguém”, disse.
No ano de 2011 os dois se casaram apenas no civil, apesar de Maria sonhar com o casamento religioso. “Sempre foi um desejo meu me casar na igreja, mas ele não queria gastar com isso. Aí nos casamos só no papel, fizemos uma viagem bem curtinha de lua de mel, por aqui mesmo, e pronto”, contou a advogada.
Maria e o marido foram morar juntos e, de acordo com ela, o primeiro ano foi maravilhoso. “Ele era super atencioso, preocupado, aparentemente super humilde… parecia que tinha vindo realmente para preencher a minha vida”, relatou. No entanto, após esse período, ela começou a conhecer outra face do companheiro.
“Eu sempre fui muito segura, mas aí eu peguei algumas mensagens que não eram muito legais no celular dele, percebi que era uma pessoa viciada em pornografia, que não podia passar uma mulher com o corpo mais volumoso que ele olhava, e começou a se criar uma insegurança dentro de mim. Eu questionava o que havia de errado comigo e isso gerava brigas e discussões. E teve um dia que eu peguei ele vendo o Facebook de uma menina que trabalhava com ele, e os dois se relacionavam. Aí eu fui confrontá-lo e aconteceu a primeira agressão física. Ele me deu vários socos na lateral da perna e logo depois disse ‘tá vendo o que você me fez fazer?’, colocando a culpa em mim”, contou Maria.
Depois desse primeiro episódio, os demais anos de casamento foram marcados por mais agressões. “Foi só ladeira abaixo, e eu ficava cada vez pior. Eu levei golpes de jiu-jitsu; tive que parar de usar brincos porque ele sempre apertava meu pescoço e os brincos me perfuravam; levei um soco na costela que levei mais de 2 meses para me recuperar… Teve um dia que ele estava dando chutes nos meus ombros e costas e eu lembro que só pensava que ia morrer. ‘Acabou a minha vida’, ‘eu não acredito que vou morrer desse jeito’ e ‘como meus pais vão ficar?’ eram coisas que passavam pela minha cabeça na hora”, lembrou.
O comportamento, segundo Maria, se tornou um ciclo. “Ele me agredia, aí me culpava e depois pedia desculpas. Aí passava um mês maravilhoso e depois começava tudo novamente”, contou. “Por muitas vezes eu fazia relações sexuais chorando. Eu não queria. Mas, na minha cabeça, se eu não me submetesse a aquilo, ele iria procurar na rua”, relatou a advogada.
Apesar de todos os abusos físicos relatados por Maria Pereira, ela julga que os psicológicos foram os piores. “Eu trabalhava em uma multinacional e no final de 2018 fui mandada embora. Aí ele teve que passar três meses a trabalho no Rio de Janeiro e eu tive que ficar trancada dentro de um apartamento em Natal estudando para um concurso público que eu nem queria prestar, mas ele me pressionava”, relembrou.
Além de tudo isso, Maria foi ficando cada vez mais dependente financeiramente. O marido virou o responsável pelo dinheiro do casal e todos os gastos passavam por ele. “Quando eu o conheci, nem faculdade ele tinha terminado. Era uma pessoa que só vivia de farra. E eu parei a minha vida para cuidar da vida profissional dele. Tudo isso para tentar curar uma pessoa doente, mas na verdade quem adoeceu foi eu”, contou.
“Eu continuava porque acreditava na mudança, e tinha a igreja também que dizia que eu precisava perdoar. Isso teve um peso muito grande para eu ter aguentado mais tempo. Não culpo ninguém, mas pesou muito na época”, disse Maria.
Somente há quatro anos, cansada de viver esse pesadelo, a advogada começou a tomar coragem para sair do relacionamento abusivo. E esse ano, em 2022, ela pediu a separação. “Eu já tinha desistido de viver. Estava muito magra, infeliz, triste… Mas eu comecei a fazer terapia e comecei a enxergar que eu poderia sair disso. Meu processo de cura começou quando eu comecei a contar para as pessoas o que eu estava passando. Aí teve um dia que eu o peguei conversando com mais uma mulher e foi a gota d’água. Eu disse ‘acabou, chega!’”, contou.
Assim como Maria Rizzo, existem milhares de outras Marias passando pela mesma situação de abusos, no Brasil e no Rio Grande do Norte.
De acordo com dados da Secretaria Estadual de Defesa Pública e Defesa Social (Sesed), de 1 de janeiro a 30 de junho de 2021, 1.801 ocorrências de lesão corporal em violência doméstica foram atendidas em Natal e Região Metropolitana. Neste mesmo período de 2022, esse número subiu para 2.441. Um aumento de 35,5% em um ano.
A delegada Paoulla Maués afirma que não há um perfil específico dessas vítimas, uma vez que qualquer mulher está suscetível a sofrer agressões dessa natureza. “Qualquer uma pode ser vítima de violência. Não tem segmento social, cor, raça… todas nós podemos ser vítimas de violência doméstica”, pontuou.
Em caso de agressão, Paoulla alerta que é importante que a vítima vá até a Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher (DEAM) para registrar um boletim de ocorrência. “Além do BO, também é preenchido um formulário que avalia o grau de risco daquela mulher. É um formulário nacional, que chamamos de Frida. Ela é encaminhada ao cartório, onde serão colhidas as suas declarações. Aí, caso ela informe que está sendo vítima de algum tipo de invasão por meio de tecnologia, se precisa de acompanhamento psicológico ou solicitar medidas protetivas de urgência, a gente orienta e age conforme necessário”, informou a delegada.
Dando prosseguimento à investigação, a Polícia Civil ouve testemunhas, o acusado, faz o exame de corpo de delito em caso de agressões físicas, entre outras ações. “Quando todas as provas são colhidas, a gente junta tudo e encaminha o inquérito para o Ministério Público”, explicou Paoulla.
O mês de agosto chegou e, com ele, a campanha nacional Agosto Lilás, voltada para provocar na sociedade uma reflexão da necessidade urgente de uma mudança de atitude e do combate efetivo à violência doméstica e familiar, levando mais informação e conhecimento às pessoas acerca das tipificações das violências que são praticadas contra as mulheres e suas punições, além da importância de se fazer a denúncia do agressor, que pode ser anônima. Em 2022, a Lei Maria da Penha completa 16 anos e a campanha terá como tema “Um instrumento de luta por uma vida livre de violência”.
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