Quando criança, as pessoas me perguntavam: o que você vai ser quando crescer? A minha resposta sempre era a mesma: professor de Matemática. Quando criança, eu nunca quis ser médico. Tive pais maravilhosos, que fizeram o que estava ao alcance deles para me formar da melhor maneira possível. Mas eles não eram médicos. Eu nunca tive, na minha convivência íntima, nenhum médico ou médica.
Com muito estudo e com muito trabalho, eu aprendi a ser médico e tenho muito orgulho da minha profissão e muito prazer em exercê-la. Porém, literalmente, posso dizer que eu aprendi não só a ser médico, mas também a gostar de ser médico. Hoje, 26 de janeiro de 2025, tenho o prazer de dizer que a minha filha foi aprovada para cursar Medicina na UFRN (mas também na USP e na UNICAMP), na mesma escola em que eu me formei. Ela, que tem pai médico, nunca nos revelou, quando criança, que ia ser médica. Porém, hoje, em que ela atende a esse chamado, reconheço – sereno e exultante, satisfeito e ansioso, manso e orgulhoso – que nada foi em vão.
Vai, filha, seja médica! Salve vidas! Amenize o sofrimento de quem lhe procura! Vai em busca dos que choram e repousa sobre eles a sua mão. Porque, embora nem sempre tenhamos o poder da cura, sempre poderemos manifestar o poder da compaixão e isso será a sua primeira lição na Medicina.
Serão muitas lições. Não se engane: elas não têm fim, nunca sabemos tudo, mas sempre podemos aprender mais. Aprenderemos juntos, sempre. Serei seu pai, seu professor, seu colega e seu aluno também. Por que não? E é claro que a Medicina, sendo filha da biologia, lhe ensinará as anatomias e fisiologias, as fisiopatologias e fisiopatogenias, as terapêuticas, as doenças e as síndromes, as semiologias sobretudo; mas também lhe ensinará que ela (a Medicina) guarda um
grande mistério: o ser humano.
O ser humano pode ser muito bom e muito mal. Mas nós, médicos e médicas, queremos, precisamos, pretendemos, ser bons. E aquele que nos procura, ao encontrar essa bondade genuína, já começa a melhorar ao nosso toque, ao nosso olhar, eis o grande mistério que está além dos biologismos (que são necessários, é óbvio). Nunca se esqueça disso, pois esta é a segunda lição.
Desde o início, a Medicina foi uma área do saber em que os médicos mais novos aprendem com os médicos mais velhos. À beira do leito, ouça os ensinamentos dos seus mestres. Acolha essa proximidade que há entre pais e mestres. Esse seu pai quererá ser também seu mestre e, ao mesmo tempo, bem sei que você encontrará grandes mestres que se assemelharão a um pai e tomara que você encontre muitos
destes pela sua jornada. Pai, que ensina à filha; professor, que ensina à aluna. É assim que essas mãos se unem para você salvar uma vida um dia.
Sei que o cansaço vai chegar, mas sempre queira ficar um pouco mais, para aprender um pouco mais. Sei que haverá casos difíceis, complexos de várias maneiras diferentes, mas nunca se esqueça do poder da compaixão. Sei que, muitas vezes, as condições de trabalho (lição número 3: Medicina se aprende com leitura e muito, muito trabalho) serão ruins, mas você pode usar suas habilidades, sua inteligência e, acima de tudo, a sua boa vontade para tentar superar as limitações que lhe serão impostas (mas é verdade que nem sempre será possível superá-las). Sei que tristezas virão, mas alegrias também.
Agora, eis a derradeira lição desta primeira aula. Esteja atenta a isto: o melhor pagamento pelos seus serviços é o olhar sincero de gratidão daquele paciente que você salvou a vida ou, ao menos, conseguiu amenizar a sua dor; cuidado para nunca deixar de receber essa moeda, pois ela é a mais valiosa.
Um dia, eu escrevi, no convite de formatura da minha turma, o texto “aos nossos filhos”. À época, você tinha apenas 5 anos, não entendeu muita coisa que estava ali escrito. Deixe-me repeti-lo aqui: “Um dia, eu sonhei que poderia ser tudo para ti. Por um lapso de tempo, considerei que, em sendo médico, esse sonho seria realizado. Mergulhei nessa tarefa. Em meio a livros, aulas, professores, pacientes, buscando alcançar os segredos mais recônditos e fundamentais do ser humano e de suas enfermidades, em discussões acaloradas junto aos meus colegas, lembrava-me de ti. Uma lembrança que, em algumas vezes, trazia um pouco de amargura – pela distância que as circunstâncias nos impunham –, mas que, em muitas vezes, trazia grande alegria ao saber que, voltando para casa, encontrar-te-ia de braços abertos a me esperar. Gostaria de te dizer que tu me ajudaste, de diversas maneiras, nesta jornada. O teu sorriso sempre me foi o maior acalanto de que eu precisei quando me entristecia com o sofrimento humano. Gostaria de te pedir perdão por todas aquelas vezes em que não estive contigo. Hoje, eu sou médico. Não sei se sou tudo para ti. Todavia, continuarei me empenhando em criá-la(o) da melhor maneira possível dentro das minhas limitações. Cresça, filha(o) amada(o), faça da verdade o seu lema para que a felicidade nunca se aparte de teu coração.”
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