O posicionamento do ministro desempatou o julgamento. Com o entendimento, o placar está 3 votos a 2 contra a tese. Anteriormente, os ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes se manifestaram contra o entendimento e Nunes Marques e André Mendonça se manifestaram a favor do marco temporal
Publicado 31 de agosto de 2023 às 18:33
O ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quinta-feira (31) contra o marco temporal para demarcação de terras indígenas. O posicionamento do ministro desempatou o julgamento. Com o entendimento, o placar está 3 votos a 2 contra a tese. Anteriormente, os ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes se manifestaram contra o entendimento e Nunes Marques e André Mendonça se manifestaram a favor do marco temporal.
Após o voto de Zanin, o julgamento foi suspenso para o intervalo. Faltam os votos de seis ministros. Para Zanin, a Constituição reconhece o direito à posse e usufruto de terras indígenas antes de sua promulgação. “A originalidade do direito dos indígenas às terras que ocupam foi reafirmada com o advento da Constituição de 1988, o que revela a procedência desse direito sobre qualquer outro, assim como a ausência de marco temporal a partir de implantação do novo regime constitucional”, afirmou.
Apesar de votar contra o marco, Zanin reconheceu a possibilidade de indenização a particulares que adquiriram terras de “boa-fé”. Pelo entendimento, a indenização por benfeitorias e pela terra nua valeria para proprietários que receberam do governo títulos de terras que deveriam ser consideradas como áreas indígenas.
“Em situações complexas, o Estado pode e deve transferir às partes a possibilidade de construção de uma solução pacificadora, que preserva o interesse de todos os envolvidos e traga segurança jurídica necessária para continuidade de atividades, negócios e usufruto dos bens envolvidos no conflito”, afirmou.
A possibilidade de indenização também consta no voto proferido por Alexandre de Moraes. No julgamento, os ministros discutem o chamado marco temporal.
O STF começou a analisar em 2021 uma ação que envolve o marco temporal e deve retomar o julgamento nesta quarta. O processo trata da disputa pela posse da Terra Indígena Ibirama, em Santa Catarina. A área é habitada pelos povos Xokleng, Kaingang e Guarani. O processo tem repercussão geral, o que significa que a decisão servirá de parâmetro para a resolução de, pelo menos, 82 casos semelhantes, segundo o STF.
O plenário da Corte deverá decidir se as demarcações de terras indígenas devem seguir o critério do marco temporal. O estado de Santa Catarina argumenta que na data de promulgação da Constituição não havia ocupação na área. Por outro lado, indígenas argumentam que, naquela ocasião, haviam sido expulsos do local.
O procurador-geral do Estado de Santa Catarina, Márcio Vicari, defende o marco temporal e diz que a realidade de Santa Catarina é diferente da de outras unidades federativas. “Há localidades em que a demarcação envolve um latifúndio de um único proprietário, mas, no nosso estado, isso impacta na realidade de centenas de famílias, muitas delas de produtores rurais”, afirmou, em audiência na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc).
Na época do início do julgamento do STF em 2021, cerca de 6 mil indígenas de 170 povos acamparam em Brasília, em uma área da Esplanada dos Ministérios, para protestar por seus direitos e contra o marco temporal.
Toda a questão teve origem em 2009, quando um conflito entre indígenas e agricultores em Roraima chegou ao STF. Para resolver a disputa sobre a quem pertenceria de direito a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, os ministros argumentaram em favor do povo indígena — alegando que eles lá estavam quando foi promulgada a Constituição.
Se naquele caso a tese era favorável aos povos originários, o precedente ficou aberto para a argumentação em contrário: ou seja, que indígenas não pudessem reivindicar como suas as terras que não estivessem ocupando em 1988.
Em 2017, a Advocacia Geral da União (AGU) emitiu um parecer de que seria pertinente a tese do marco temporal. Como resultado, há dezenas de processos de demarcação de terra emperrados, à espera de uma definição do STF. Entre eles, o caso dos indígenas Xokleng, da Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ, em Santa Catarina, que volta a julgamento no STF.
Historicamente perseguidos pelos colonizadores, os remanescentes da etnia acabaram afastados de suas terras originais na primeira metade do século 20. Em 1996, contudo, conseguiram a demarcação de 15 mil hectares — que depois se expandiria, em 2003, para 37 mil hectares. Com o argumento do marco temporal, agora a área é reivindicada pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina.
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou quarta-feira (30/08) o julgamento do chamado marco temporal com a análise de um caso relacionado ao instrumento que cria novas regras para a demarcação de terras indígenas. O julgamento foi suspenso no último mês de junho após pedido de vista feito pelo ministro André Mendonça, que tinha até 90 dias para devolver o processo para julgamento, de acordo com as regras internas do Supremo.
Em finais de maio, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou o texto-base do Projeto de Lei (PL) 490/2007, sobre o marco temporal, que cria novas regras para a demarcação de terras indígenas. A matéria ainda precisa ser discutida e aprovada pelo Senado.
De acordo com a proposta, no futuro poderiam ser demarcadas apenas terras indígenas que estivessem tradicionalmente ocupadas por esses povos até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. O texto também retira a demarcação de terras da alçada da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e devolve a atribuição ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. Os indígenas são contra o entendimento.
A matéria está em tramitação na Câmara desde 2007, mas teve sua análise acelerada após aprovação de um requerimento de urgência em dia 24 de maio deste ano. Segundo críticos da proposta, o objetivo seria tentar influenciar o Supremo. A proposta estabelece que, para serem consideradas terras ocupadas tradicionalmente, é preciso comprovar “objetivamente” que elas, na data de promulgação da Constituição, eram habitadas em caráter permanente e usadas para atividades produtivas e necessárias à preservação dos recursos ambientais e à reprodução física e cultural.
O texto prevê, ainda, entre outros pontos, a proibição da ampliação de terras indígenas já demarcadas, e que os processos administrativos que ainda não tenham sido concluídos sejam adequados à nova regra.
De acordo com a Constituição Federal, “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.” A Constituição, no entanto, não determina nenhuma data como marco temporal.
Os ruralistas, favoráveis à aprovação do PL, argumentam que o marco temporal daria maior segurança jurídica contra desapropriações de suas propriedades e para o agronegócio.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) afirma que a adoção do marco temporal limitaria o acesso dos indígenas ao seu direito originário sobre suas terras e que há casos de povos que foram expulsos delas algumas décadas antes da entrada em vigor da Constituição. “O direito de povos indígenas a seus territórios não começa e nem termina em uma data arbitrária”, justifica Maria Laura Canineu, diretora da ONG Human Rights Watch no Brasil. “Aprovar esse projeto de lei seria um retrocesso inconcebível, violaria os direitos humanos e sinalizaria que o Brasil não está honrando seu compromisso de defender aqueles que comprovadamente melhor protegem nossas florestas”.
Na avaliação do Ministério dos Povos Indígenas, o texto pode “inviabilizar demarcações de terras indígenas, ameaçar os territórios já homologados e destituir direitos constitucionais, configurando-se como uma das mais graves ameaças aos povos indígenas do Brasil na atualidade”.
Em audiência na Câmara dos Deputados, a assessora jurídica do Conselho do Povo Terena, Priscila Terena, disse que, caso o PL entre em vigor, impactará 156 terras, oito etnias e mais de 80 mil indígenas. “A aprovação é a declaração do nosso extermínio e o início da institucionalização do nosso genocídio”, afirmou.
A presidente da Comissão da Amazônia e coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas, deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG), destacou que a proposta facilitaria, entre outros pontos, a grilagem de terras ao permitir obras – como construção de rodovias e hidrelétricas – sem consulta aos indígenas.
Os protestos contra o marco temporal também reverberam no exterior. Em abril do ano passado, um grupo de 29 parlamentares alemães enviou uma carta aberta aos membros do Congresso brasileiro expressando preocupação com o PL 490/2007.
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