Presença e percepção: ingredientes básicos da vida em sociedade
“Viver é perceber”, afirmam Pierre Weil e Roland Tompakow, autores do livro “O corpo fala: a linguagem silenciosa da comunicação não verbal”, ao expor como a ciência nos ajuda a compreender padrões expressos pelo corpo pelos quais ele fala mais do que gostaríamos de admitir. Tompakow e Weil ressaltam que esta linguagem não mente e é, inclusive, capaz de explicar, entre outras coisas, as relações que mantemos com a comida, com o sexo e com o outro, a partir da observação de nós mesmos.
Por meio da analogia entre o corpo humano com a composição simbólica da esfinge egípcia, em um primeiro momento, por partes do boi, da águia e do leão, Tompakow e Weil orientam a leitura da postura, dos gestos, das expressões e do comportamento das pessoas. Mais do que isso, os autores destacam as contradições facilmente percebidas entre o que a boca e o corpo por vezes expressam.
Um detalhe deste livro, publicado pela primeira vez em 1986, está no fato de que, naquele momento, as novas tecnologias da informação e da comunicação ainda não tinham dominando nossas vidas, como agora o fazem.
E apesar de o contato com o outro sempre ter sido uma preocupação de profissionais e acadêmicos das mais diversas áreas, o isolamento imposto pela pandemia da Covid-19 e a intensificação da comunicação mediada pela tela só tornou ainda mais aguda a importância da presença física diante do outro. Os estudos têm demonstrado que o uso excessivo das telas tem prejudicando a nossa capacidade de ser o que somos em essência, seres sociais e não de redes sociais, na medida em que as redes estão sendo usadas como substitutas do ser ao invés de instrumento de mediação.
É inegável que a praticidade que as telas nos oferecem agilizam a vida e oferecem possibilidades de contato com pessoas que vivem nos mais distantes lugares do país e do mundo, mas, ao mesmo tempo, as telas dificultam – para não ser categórica na afirmação de que elas impedem – a percepção do outro, em essência e o livro de Tompakow e Weil explica bem isso.
A percepção do outro, observam os autores, é um exercício que só acontece na presença física, por nos permitir conhecer e perceber o conjunto da obra em seu respectivo contexto, ao invés de fragmentos em partes descontextualizadas. O problema – ou pelo menos um deles – é que a presença física pressupõe o enfrentamento do medo da exposição real, tendo em vista a exposição nas redes ser apenas uma simulação da realidade, editada por recortes e filtros que mascaram a nós mesmos e ao outro.
Exemplos do impacto da presença do outro em nossas vidas não nos faltam e eu sei, prezado leitor, que você também lembra de pessoas que passaram na sua vida como se fossem um tornado, desfazendo todas as certezas até então estabelecidas, revelando a você mesmo uma nova forma de ser e viver pelo simples fato de terem influenciado novas percepções sobre a realidade.
Uma série americana que representa bem a relevância da presença real do outro nas nossas vidas, bem como a percepção sobre os mesmos fatos varia de pessoa pra pessoa, é “This is us”, de Dan Fogelman, lançada em 2016 e que está na sexta temporada, e de tão humana e intensa é capaz de me emocionar, fortemente, em quase todos os episódios. Uma série que fala sobre relações interpessoais, em seus mais diversos contextos, e que fogem da superficialidade que aí está, na medida em que demonstram a necessidade e a importância do olho no olho para que possamos ser, perceber e ser percebidos pelo outro.
Além do enredo envolvente, as referências literárias, musicais e a intertextualidade com a série E. R., a saga Star Wars e a presença de Milo Ventimiglia no elenco, que deu vida a Jess Mariano em Gilmore Girls, são ingredientes da cobertura desse bolo que só pode ser preparado porque há mistura, o que jamais acontecerá entre telas.
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