A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou por 15 votos a favor e 11 contra nesta quarta-feira (4) uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permite a coleta e o processamento de sangue humano para venda no Brasil. Atualmente, a comercialização do sangue e seus derivados é proibida pela Constituição. O texto vai a plenário e, caso seja aprovado, será encaminhado pela Câmara.
A medida, chamada de “PEC do Plasma”, vai contra posição do Ministério da Saúde, que defendeu a derrubada da proposta que permite a venda de sangue no Brasil por considerar que a mudança abre uma brecha para doação remunerada, causando danos ao Sistema Único de Saúde (SUS).
O plasma é a parte líquida do sangue, que pode ser utilizada para produção de medicamentos, chamados hemoderivados. A matéria dividiu integrantes da base do governo no Senado.
Inicialmente, o texto da relatora do tema, senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB), previa a coleta de sangue remunerada, mas a possibilidade foi retirada do texto pela própria parlamentar, que acatou uma emenda propondo a exclusão do trecho. A mesma emenda estabelece ainda que lei posterior deverá regulamentar quais serão os requisitos para a coleta, o processamento e a comercialização do plasma tanto pela iniciativa privada quanto pela pública. O texto fixa ainda que a produção de medicamentos hemoderivados, “preferencialmente” pelo SUS.
O senador e ex-ministro da Saúde, Humberto Costa (PT), criticou o texto do relatório e afirmou que, ao direcionar a definição dos critérios para uma lei complementar, a proposta facilita uma aprovação posterior da coleta remunerada.
“Estamos tirando da Constituição e vamos jogar para uma lei complementar, onde 50% +1 (dos senadores) podem definir que a coleta é remunerada e a comercialização também. A proposta do senador Nelsinho (Trad, autor do projeto) dizia produzir medicamentos para o SUS, a proposta do relatório diz ‘preferencialmente’ “, analisou o senador e ex-ministro da Saúde, Humberto Costa (PT).
Mais cedo, o autor da PEC, o senador Nelsinho Trad (PSD-MS), defendeu a aprovação da proposta na CCJ com o argumento de que é preciso discutir o tema no plenário e afirmou ainda que pacientes têm dificuldade de acessar esses remédios. “As pessoas que têm imunodeficiência precisam do remédio para poder viver”, afirmou.
O SUS gasta, anualmente, mais de R$ 1,5 bilhão por ano para importar medicamentos para atender a pacientes que dependem de hemoderivados. A assistência a essas pessoas é 100% oferecida pelo sistema público.
Hoje em dia, 30% dos hemoderivados disponíveis no SUS são oriundos do plasma doado no Brasil e administrado pela Hemobrás, que atualmente é a empresa do Estado brasileiro responsável por processar o plasma. A perspectiva é de que esse índice suba para 80% até 2025, quando a empresa concluirá transferência de tecnologia e obras no parque fabril. Durante a discussão, senadores que defendem o projeto criticaram a eficiência da empresa.
“A Hemobrás é uma empresa brasileira, nascida e criada em 2004, para suprir o mercado brasileiro de plasma. Há 19 anos quem precisa de plasma no Brasil precisa comprar medicamentos do exterior”, disse a relatora da proposta, Daniella Ribeiro (PSD-PB).
Líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA) argumentou que a comercialização do plasma brasileiro acabará favorecendo países ricos que poderão comprar o insumo a alto custo, desabastecendo o SUS, já que o texto não estabelece que a produção deve ser obrigatoriamente ofertada ao SUS. “Estou avisando: o que vamos fazer é entregar plasma humano brasileiro para atender imunodeficientes dos países ricos que podem pagar”, disse Jaques Wagner.
Pela manhã, a ministra da Saúde, Nísia Trindade criticou a PEC. Segundo ela, a medida pode ter impacto na autonomia do país, refletindo negativamente no SUS.
“O Ministério da Saúde considera um retrocesso a PEC do Plasma, porque coloca em pauta a comercialização do plasma e coloca em risco um sistema que é baseado de uma forma muito positiva, a partir da Constituição de 1988, na doação voluntária. São 3 milhões de pessoas doando sangue por ano. Esse sangue é fracionado e o plasma, como sabemos, é um dos componentes”, explicou Nísia.
Ainda de acordo com a ministra, “há muita preocupação tanto com o risco de isso ter impacto nesse sistema, que é um sistema que funciona muito bem, como também de ter impacto na autonomia e na autossuficiência de hemoderivados, uma vez que o Brasil construiu uma empresa, que é a Hemobrás, e que faz todo esse trabalho na lógica do atendimento pleno aos cidadãos, gratuito, dentro dos princípios do SUS”.
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