Vilma Batista acabou sendo desmentida por essas instituições e por integrantes da comunidade carcerária, que afirmam que o terrorismo da facção acontece como forma de protesto pelo não cumprimento de direitos e pela falta de privilégios
Publicado 16 de março de 2023 às 20:43
A presidente do Sindppen-RN, Vilma Batista, foi uma das primeiras a dar declarações sobre os ataques criminosos que estão sendo ordenados por facção criminosa aqui no RN. Ela garantiu que a polícia penal já vinha percebendo comportamentos estranhos entre presos e imediatamente condenou o Governo do Estado, afirmando que as ações orquestradas ocorrem por falta de medidas enérgicas do setor de Segurança e por conta de regalias e tratamento diferenciado que lideranças criminosas estariam recebendo dentro das unidades prisionais do Estado.
No entanto, o que se viu foi Ministério Público, Polícia Civil, Secretaria Estadual de Segurança, apenados e esposas de apenados afirmarem exatamente o inverso do que ela contou à imprensa local. Agora à tarde, mais uma instituição corroborou com o que disseram esses órgãos e os apenados. O portal do Novo divulgou nota do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio Grande do Norte (CEPCT/RN), na qual eles demonstram preocupação com a situação do sistema prisional local, bem como a integridade dos internos.
Em nota, o Comitê sugere uma mudança no sistema carcerário local com a adoção de uma “política progressiva de desencarceramento e de penas alternativas”.
De acordo com todas essas instituições e com os próprios presos, o terrorismo praticado desde a madrugada de terça-feira ocorre porque o sistema penitenciário suspendeu as regalias e acabou com algumas benesses que os apenados tinham, além disso, quem vive sob a custódia do Estado exige que direitos mínimos sejam atendidos e pedem melhorias no sistema carcerário, que sempre foi motivo de críticas em todo o Brasil.
E, afinal de contas, qual sentido faz essa declaração de Vilma Batista? Se líderes de facção têm regalias qual o motivo dos ataques nas ruas do RN? “Demagogia da presidente do Sindppen”, comentou à coluna um agente importante da Polícia do RN, que terá a identidade preservada pelo Blog. Mas o delegado Luciano Augusto, diretor-adjunto da Divisão Especializada em Investigação e Combate ao Crime Organizado (Deicor), por exemplo, afirmou à Tribuna do Norte: “Todos nós sabemos que essa rebelião aqui é em decorrência da rigidez do sistema, atuação da polícia como um todo”.
Segundo relato do MPRN à imprensa, a inteligência do RN identificou que os ataques seriam uma resposta para cobranças de benefícios nos presídios, como acesso à visita íntima, ventiladores e TVs nas celas, além de reclamações ligadas à falta de acesso à celulares. “A motivação para nós é clara: uma forma de pressionar o Estado, incluindo União e órgãos ligados ao sistema penal, para que voltem regalias que não estão previstas como direito, por isso são regalias, que existiam antes de 2017, inclusive visita íntima, entrada de produtos fornecidos por familiares, TVs e ventiladores nas celas”.
Ou seja, exatamente o contrário do que afirmou Vilma Batista.
Além disso, o Blog conseguiu conversar com exclusividade com um tornozelado, que prefere não ser identificado e que deixou o presídio há poucos meses. Os relatos dele, enviados em áudio, comprovam o que concluíram a Policia Civil, o MP e a Sesed: que os ataques são uma forma de protesto às condições nas unidades prisionais. “Maus tratos, falta de higiene, comida que vem estragada, azeda, às vezes vem com caramujo, com barata, com pedras… Eles (apenados) estão querendo que visitas íntimas voltem ao normal, que entre uma TV por cela… Medicamentos que não entregam, produtos de higiene, feira da família, que eles não deixam entrar nos presídios”, contou.
Em entrevista à BBC News Brasil, nesta quarta-feira, a antropóloga Juliana Melo, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e pesquisadora do sistema prisional e da área de segurança pública, ressaltou que “quanto pior a prisão é, mais violenta é a sociedade. Tudo o que acontece dentro do sistema prisional tem consequências para o que acontece do lado de fora. Nosso sistema prisional é marcado por violação de direitos humanos enormes, e o sistema potiguar consegue ser pior do que outros lugares do Brasil.”
O cientista criminal Ivenio Hermes, pesquisador do Observatório da Violência da UFRJ, também à BBC confirmou o que disseram a Secretaria de Segurança do RN, a Policia Civil, o MP, apenados e esposas.
Ele disse que foram tomadas algumas medidas tomadas ao longo dos últimos anos para que o poder público reassumisse o controle do sistema prisional do Estado e que isso gerou as consequências vistas hoje. “A ordens emanadas de dentro das prisões chegavam com facilidade até o lado de fora, onde os criminosos agiam conforme essas orientações. Houve desde então um cerceamento dessas informações, com maior controle de portarias, investimentos em raio-x e segurança, contratações de policiais e investimentos em treinamento, separação das facções”, diz Hermes.
No entanto, o pesquisador avalia que não houve um esforço na mesma medida para garantir melhores condições aos detentos. “Mesmo com as melhorias para hermetização do sistema prisional, as melhorias do fator humano ainda estão aquém, então, as demandas por estas melhorias podem estar entre os fatores que causaram essa situação”.
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