Entrevista: Robério Paulino avalia que “Ocidente está dando um tiro no pé” com sanções contra a Rússia

O vereador de Natal pelo PSOL tem estudo de doutorado sobre o Leste Europeu, realizado quando morou, até 2019, na Inglaterra

por: Foto do autor Daniela Freire

Publicado 8 de março de 2022 às 16:10

“Com certeza essas sanções vão afetar muito a economia russa, prejudicar a população russa. Mas o prejuízo não será apenas para a Rússia”. O alerta foi deixado pelo vereador de Natal Robério Paulino, do PSOL, em entrevista à coluna impressa Daniela Freire, no Novo Notícias, publicada na edição da última segunda-feira (07), quando ele afirmou que o ‘cancelamento’ econômico e cultural do país que iniciou um ataque militar à Ucrânia também atingirá o Ocidente.

O vereador, que morou na Inglaterra por uns anos para concluir um doutorado sobre o Leste Europeu, ressaltou que é frontalmente contra a ação russa no país vizinho, mas lembrou que o combate só está ocorrendo porque os EUA, através da OTAN, agem há anos para cercar o território governado por Vladimir Putin de mísseis atômicos.

Abaixo, a entrevista completa:

1 – Professor, como o senhor avalia a ação militar da Rússia na Ucrânia e a movimentação da OTAN, EUA e União Europeia sobre o assunto?

Robério – A invasão da Ucrânia pela Rússia está completamente errada e devemos todos condenar, exigindo a saída imediata das tropas da Rússia do país. Condenamos também o regime político autoritário de Putin. Mas não há santos nessa história, muito menos a Ucrânia e os EUA. Um dos motivos principais, senão o central, que leva à invasão da Ucrânia pela Rússia é a atitude bélica, expansionista e provocativa dos EUA e de seus aliados europeus, de levar a OTAN e seus misseis atômicos até as fronteiras da Rússia, deixando as principais cidades russas ao alcance de mísseis atômicos em 3 minutos, que podem incinerar todo o país. Isso não é brincadeira. Os EUA aceitariam que a Rússia instalasse mísseis atômicos na Venezuela? Quando foram feitos os acordos entre os países do Conselho de Segurança da ONU, na sequência da desintegração da URSS, ficou estabelecido que isso não poderia ocorrer. Os EUA e os países historicamente aliados deles vêm descumprindo esse acordo e cercando a Rússia com mísseis nucleares. Mas o problema é que a Rússia possui mais de 6.000 mísseis atômicos modernizados, mais que os EUA, que poderiam ser usados igualmente num contra-ataque que poderia igualmente varrer do mapa todas as grandes cidades ocidentais. Uma guerra nuclear seria o apocalipse. Acho que sem dúvida Putin errou na mão ao invadir a Ucrânia e está ficando isolado no mundo inteiro. Sequer o povo russo apoia essa invasão. Mas repito que não há santos nessa história e a expansão da OTAN para o leste precisa parar imediatamente, porque coloca todo o mundo em risco. Na verdade, a OTAN já nem deveria existir, porque perdeu seu sentido, desde que o Pacto de Varsóvia foi extinto. Eu digo Fora Rússia da Ucrânia já, mas digo também Fim imediato da OTAN e construção de uma política de paz entre todos os povos e países. Defendo mesmo a destruição de todas as armas nucleares no mundo e a construção de uma cultura de paz entre todos os povos e países.

2 – O Brasil tem acompanhado a ‘guerra’ na Ucrânia pelas redes sociais e pela imprensa. Dessa forma, o que se vê é uma demonização da Rússia e de Putin e a transformação da Ucrânia, dos EUA e UE em heróis. A impressão é de que não há espaço para o contraditório e nem muito menos para o contexto histórico sobre o qual se dá o embate. Como o senhor analisa esse processo?

Robério – A parcialidade de grande parte da imprensa no mundo capitalista é enorme, como se só a Rússia fosse a errada nessa história. O que se vê é a demonização exclusiva daquele país, como se os EUA e outros países europeus fossem santos, heróis, nesse conflito. Essa imprensa parcial esconde que uma das razões desse conflito é exatamente a expansão provocativa e ameaçadora da OTAN até as barbas da Rússia. Muitas manifestações de rua na Europa têm condenado a invasão russa na Ucrânia, mas também exigem o fim da OTAN. Mas isso a grande imprensa não mostra. Pergunto: que autoridade têm os EUA para condenarem a invasão da Ucrânia pela Rússia se eles mesmo invadiram dezenas de países nas últimas décadas? Invadiram, por exemplo, o Iraque, com o pretexto de que aquela país teria armas químicas. Essas armas nunca foram encontradas, como reconheceram os próprios EUA. A lista de países invadidos pelos EUA é enorme. Não podem agora posar de santos.

3 – O senhor tem estudado há alguns anos sobre o Leste Europeu. O que pensa a respeito da posição adotada pela Rússia e quais consequências o senhor acredita que as sanções (até mesmo culturais) impostas terão ao país governado por Putin?

Robério – Com certeza essas sanções vão afetar muito a economia russa, prejudicar a população russa. Mas o prejuízo não será apenas para a Rússia. A economia e a população europeias também dependem em grande medida do petróleo e do gás russos. Penso que o Ocidente também está dando um tiro no pé, pode estar desequilibrando o sistema mundial de nações e toda economia mundial, com sua atitude igualmente beligerante. E no caso de um isolamento pelo Ocidente, a Rússia buscará saídas, aprofundando sua relação econômica e militar com a China, com a Índia, que são os dois maiores países do mundo, com 40% da população mundial sozinhos. Essa guerra não interessa a ninguém, prejudica a todos. Por isso, repito, devemos exigir a paralisação imediata dessa guerra, a saída da Rússia da Ucrânia, mas também a dissolução da OTAN e fim de qualquer atitude bélica entre todos os países.