O processo Número: 0805113-35.2021.8.20.0000, nasceu oficialmente às 18:01h da sexta-feira, 23 de abril, com a petição inicial do Governo do Estado, denominada de AÇÃO ORDINÁRIA DE NULIDADE DE DECRETO MUNICIPAL COM PEDIDO LIMINAR. Entre parênteses, uma expressão jurídica em latim “inaudita altera pars,” usada em pedidos de liminar, que significa “não ouvida a outra parte.”
O documento, de 14 páginas, foi assinado por três procuradores, representando a governadora Fátima Bezerra: Luiz Antonio Marinho da Silva, Procurador-Geral do Estado, José Duarte Santana, Procurador Geral do Estado Adjunto e João Carlos Gomes Coque, Procurador Chefe do Contencioso. Confira aqui as movimentações da Ação de Nulidade de Decreto:
Mortes
No texto, os procuradores fazem uma retrospectiva a respeito da oscilação da Pandemia no RN e apresentam o dado mais recente de mortes no Estado até às 15:28h da sexta-feira: 5.156 mortos pelo Coronavírus, de acordo com levantamento feito pelo Lais, o Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde, da UFRN, que acompanha todo o desenvolvimento da Pandemia no Estado.
A peça da Procuradoria Estadual relata a publicação dos decretos do Governo Fátima, de acordo com a realidade enfrentada naquele momento, citando os altos e baixos da Pandemia e mostrando a necessidade dos leitos de UTI diante do avanço da doença. Por fim, apresenta o novo decreto da governadora e suas medidas de restrição, justificando cada uma delas, de acordo com a necessidade.
Conflito de decretos
Após a apresentação do Decreto 30.516, de 22 de abril, última quinta-feira, os procuradores confrontam com os termos do Decreto elaborado pelo prefeito Álvaro Dias: “Ocorre que, na mesma data, o Município de Natal editou o Decreto nº 12.205, flexibilizando as medidas de enfrentamento à covid fixadas pelo Estado. No decreto da Prefeitura, não há toque de recolher, houve a liberação do ensino presencial para todas as séries das escolas privadas, houve autorização de funcionamento do comércio sem qualquer restrição de atividades, inclusive em horário que conflita com o toque de recolher do Estado, houve também a liberação da venda de bebidas alcoólicas e a liberação das praias, inclusive com a permissão de exploração de quiosques e barracas. Não bastasse tudo isto, ainda liberou a realização de eventos corporativos como treinamentos, seminários, cursos, simpósios e palestras.”
Os procuradores dizem que o Decreto da Prefeitura provoca conflito, com efeito nefasto para a sociedade, além de causar “insegurança jurídica e, sobretudo, dificulta o trabalho do Estado em conter a disseminação do vírus em todo o território estadual.”
Para justificar a derrubada do Decreto Municipal, o Governo afirmou que a decisão de Álvaro Dias iria atrair pessoas de outras cidades e até de Estados vizinhos para Natal, fugindo das normas rígidas em seus respectivos domicílios.
Polícia em risco
Outro ponto abordado na peça do Governo do Estado é o receio de “motivar a população a simplesmente ignorar o decreto estadual,” e dessa forma, também ignorar a fiscalização da Polícia. Nesse ponto, os procuradores afirmam que o Decreto do prefeito Álvaro Dias: “Sem qualquer exagero, pode levar a conflitos que colocarão em risco a integridade física dos policiais e da própria população.”
Jurisprudência
Com o objetivo de amparar juridicamente seus argumentos, a Procuradoria do Estado cita que o Supremo Tribunal Federal reconhece a competência do Decreto Estadual sobre o Municipal em decisão tomada pelo Ministro Luiz Fux: “Ao suspender decisão liminar que afastava os efeitos do decreto ora atacado e autorizava a reabertura das academias no Rio Grande do Norte, de modo contundente determinou: “Ex positis, DEFIRO o pedido liminar, para suspender os efeitos da decisão proferida nos autos do Mandado de Segurança no 0803274-72.2021.8.20.0000, em trâmite no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, de modo a restabelecer a plena eficácia do Decreto Estadual no 30.419/2021, expedido pela Governadora do Estado do Rio Grande do Norte.”
O Governo do Estado ainda reforçou que as decisões da governadora estão amparadas em critérios técnicos e científicos, e que devem prevalecer diante do Decreto Municipal.
Objetivamente, os procuradores do Estado pediram a suspensão da eficácia do Decreto nas partes em que confrontem com o Decreto Estadual, e a anulação dos termos conflitantes.
Intimação da Prefeitura
Às 21:00h, o desembargador Cláudio Santos emitiu despacho à secretaria Judiciária para intimar o Procurador Geral do Município, Fernando Pinheiro de Sá e Benevides, “para se manifestar sobre o pedido liminar, no prazo de 12h00 (doze horas),”
Às 23:14h, Péricles Barbosa de França Chefe de Seção de Análise de Tarefas, emite Certidão dizendo que a intimação ao Procurador Geral do Município de Natal foi cumprida pelo WhatsApp e mostra o print da conversa com Fernando Benevides, e diz que o processo vai para o Gabinete de Plantão Jurisdicional de 2º grau do TJRN.
A noite de sexta-feira terminou com essa intimação ao Município.
Posição da Prefeitura
Às 11:09h deste sábado, 24, o Procurador Geral de Natal, OAB nº 9444, se pronuncia em defesa do Decreto do prefeito Álvaro Dias e já inicia criticando a peça do Governo, afirmando que o Estado não foi claro nos pontos divergentes e rebate críticas que o prefeito abriu tudo sem restrição: “O Município do Natal não instituiu um liberou geral, de forma irresponsável, como de forma capciosa a exordial tentar induzir este Magistrado ao equívoco.”
O Procurador Municipal segue sua defesa, afirmando que o Ministério da Saúde habilitou mais 41 leitos de UTI para o RN e que a “Prefeitura está buscando um equilíbrio entre a classe produtiva e a confortável situação dos servidores públicos.”
Fernando Benevides também afirma que a jurisprudência citada pelo Estado não é do colegiado do STF: “Não existe decisão colegiada do Pretório Excelso sobre o tema, mas sim suspensões de liminares do Presidente da Corte, que está muito distante de conhecer a realidade da nossa província.”
Ciência
A procuradoria da Prefeitura de Natal insere um viés polêmico na defesa do Decreto Municipal: A Ciência: “Suscitando uma reflexão sobre a decantada ciência do enfrentamento da Pandemia, tão utilizada pelo Governo do Estado, cabe transcrever um pequeno artigo publicado na Folha de São Paulo, do Professor Demétrio Magnoli, que, na sua lucidez externou o seguinte: “O físico Neils Bohr, um dos fundadores da teoria quântica, sabia o que não sabia. “A predição é muito difícil, especialmente sobre o futuro”, afirmou ironicamente, para explicar que a ciência cuida, essencialmente, da descrição. É útil recordar sua frase, nesses tempos em que líderes políticos —com o apoio de não poucos cientistas presunçosos— enchem a boca para dizer que suas decisões sobre a emergência sanitária fundamentam-se “na ciência”.”
O Procurador conclui com pedido direto: “Diante do exposto, o Município do Natal pugna pela manutenção da vigência do Decreto Municipal, e, por conseguinte, pelo indeferimento da pretensão de urgência diante dos argumentos apresentados.”
Fecomercio no processo
Às 13:10h, a Fecomércio (Federação do Comércio, Bens, Serviços e Turismo do RN) entra com petição para ser habilitado no processo e invoca o formato jurídico que ampara o pedido: “Na forma de AMICUS CURIAE” e justifica: “O alcance teleológico dado ao instituto, é que possa auxiliar a corte no julgamento da causa implica em uma melhoria da qualidade das decisões.”
O Amicus Curiae (Amigo da Corte), está previsto no art. 138 do Novo Código de Processo Civil entre uma das hipóteses de intervenção de terceiro.
A Fecomércio, representada pelos advogados Pedro Marques Homem de Siqueira, Laumir Almeida Barreto, Igor Farias da Fonseca, Viviane Cunha Monteiro Dias e Maria Tereza Lopes de Medeiros Cantídio, pede que o Desembargador Cláudio Santos habilite a entidade no processo.
Decisão
Às 13:26h, em 10 páginas, o Desembargador Cláudio Santos decide se vai manter o Decreto do prefeito Álvaro Dias ou derrubar, como pediu a governadora Fátima Bezerra. Para justificar sua decisão, o Desembargador expõe os argumentos do Governo do Estado e da Prefeitura de Natal. O magistrado faz uma avaliação e tenta conciliar o que tem sido tema de muita polêmica, o direito à vida ou ao trabalho: “O direito à vida é corolário axiológico da Constituição da República, devendo nortear as questões referentes à saúde. No entanto, há de se agregar a este norte a lembrança de que a cidadania, o trabalho e a livre iniciativa igualmente estão, sabidamente e devidamente, assegurados no texto constitucional.”
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