Cultura

Como diz Machado de Assis, “nada há definitivo no mundo”

Na apresentação de “Helena”, o autor ressalta como o tempo e as experiências nos fazem diversos em nós mesmos

Publicado 6 de outubro de 2022 às 18:07

A leitura, como todas as experiências da vida, é um processo de significado individual e intransferível. Não é por acaso que no primeiro período do curso de Jornalismo, por exemplo, é enfatizado aos estudantes que o texto é de quem lê, pois mesmo sendo uma habilidade adquirida por meio do letramento, a interpretação da mensagem depende do contexto sócio-histórico do leitor.

O contexto associado às experiências de quem lê resultam em textos novos a cada leitura feita pelo mesmo indivíduo, que pode dar ao mesmo material significados diferentes e, por vezes, divergentes, a depender do momento do encontro do leitor com os escritos, mesmo que este seja o autor daquele texto.

Machado de Assis deixa isso claro ao fazer uma advertência registrada em uma nova edição do romance “Helena”, na qual afirma que o livro “é o mesmo da data em que o compus e imprimi, diverso do que o tempo me fez depois, correspondendo assim ao capítulo da história do meu espírito, naquele ano de 1876. (…), cada obra pertence ao seu tempo.”

Neste que é o terceiro romance do escritor, o leitor é levado de volta ao Rio de Janeiro do passado, então capital do Brasil imperial, escravagista e, como tal, conservador acima de qualquer coisa. Isso significa dizer, entre outras coisas, que a aparência tem mais valor do que aquilo e / ou quem vivência determinada situação, não importando o custo disso.

“O que a tua imaginação supõe estar perdido, acha-se apenas transviado ou oculto”, Machado de Assis

Em um drama que navega entre o romantismo e o realismo, Machado de Assis surpreende o leitor ao desfazer os prejulgamentos deste e de parte dos personagens a respeito de Helena que, depois da morte de importante figura da sociedade carioca da época, é integrada legalmente como filha e herdeira desconhecida de todos até aquele momento.

Como bem diz Machado de Assis, “nada há definitivo no mundo, nem o infortúnio nem a prosperidade. O que a tua imaginação supõe estar perdido, acha-se apenas transviado ou oculto…”. E, como num prenúncio do que estava por vir, a verdadeira história da protagonista do romance é descoberta e, como em uma reação em cadeia, os caminhos de todos aqueles com os quais ela teve contato são completamente transformados.

Como dizem por aí, ignorância – no sentido do desconhecimento sobre algo – é uma benção, mas depois que a verdade é revelada não há mais como retornar a um ponto anterior ao desvelamento da realidade, pois esta salta aos olhos com todas as consequências até então submersas por uma vida de aparências que, apesar do desejo de muitos, não, não tem sustentação e, cedo ou tarde, ruirá.

Com um texto de leitura fluida, o romance surpreende na parte final, sem que as reviravoltas resultem em intensificação da narrativa que se desenrola em um tempo no qual as cartas eram enviadas por entregadores. Vale o tempo dedicado e deleite com a construção de uma obra que, apesar do contexto histórico, aborda aspectos valorativos pertinentes à atualidade. E, se não bastasse isso, porque Machado é Machado.