Geraldo Pinheiro é médico psiquiatra e escreve para o NOVO quinzenalmente.

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Opinião

Artigo As doenças e os remédios

O diálogo com o profissional é sempre mais revelador, esclarecedor, tranquilizador do que a leitura de uma bula, que diálogo algum poderá fornecer

por: Geraldo Pinheiro, psiquiatra

Publicado 2 de abril de 2025 às 16:15

Vou contar uma história real, que aconteceu na minha prática clínica, para ilustrar o que quero explicar. É claro que a identidade da pessoa envolvida será expressamente preservada.

Um homem adulto jovem chegou para atendimento claramente deprimido. Ao longo da entrevista, que foi feita ora com o próprio paciente isoladamente, ora com a esposa, ficou muito clara a presença de um conjunto de sintomas que nos fazem afirmar que aquilo se tratava de uma depressão; não só o conjunto de sintomas ali presentes, mas também a avaliação longitudinal, isto é, a história de como tudo foi se
desenrolando ao longo dos últimos 6 meses.

Diante desta avaliação e de outros elementos verificados na entrevista, decidimos iniciar um medicamento antidepressivo. Depois de 4 semanas, o paciente retornou, sem sinais claros de uma melhora. Questionou o medicamento; disse que leu a bula do medicamento e viu que um dos
efeitos colaterais possíveis é a redução da libido e disse ainda que teve essa
confirmação no Google.

Ora, esse sintoma – redução da libido – ele já me dissera na entrevista anterior, quando ele ainda não estava tomando remédio algum, o que faz muito sentido, porque tal sintoma faz parte da síndrome depressiva.

Então, a grande pergunta que se faz é a seguinte: qual é a causa da redução da libido nesse meu paciente? É a depressão ou é o medicamento? Os medicamentos são substâncias elaboradas pelos cientistas com um objetivo: melhorar a vida das pessoas no quesito saúde. Quando eles são expostos
para a comercialização, já passaram por várias etapas de estudos e, nesses estudos, procura-se elucidar quais os benefícios que aquela substância pode promover para a população, assim como quais os problemas. Sim, os medicamentos não são perfeitos, eles podem trazer problemas. Entretanto, se um medicamento é liberado para comercialização é porque, até aquele momento, entendeu-se que os benefícios superam os malefícios.

E, ao mesmo tempo, não podemos esquecer o princípio fundamental da fabricação dos mesmos: os medicamentos são idealizados para ajudar, para curar (se possível), para aliviar os sintomas das pessoas. E é da responsabilidade do médico, depois de ter acesso aos inúmeros estudos que já foram realizados sobre os benefícios e problemas daquele medicamento, fazer as escolhas que ele julgar mais
convenientes para o paciente em questão.

Também é da responsabilidade do médico tirar dúvidas do paciente sobre os medicamentos que ele está tomando. Costumo dizer aos meus pacientes que melhor do que ler a bula do medicamento é conversar comigo, com o profissional que prescreveu aquele medicamento. Lembro que a bula foi escrita por uma pessoa que não conhece o paciente, não sabe do seu caso, não sabe da sua vida. Logo, aquele texto contido na bula não necessariamente servirá para o paciente em questão; é um texto impessoal, generalista. E, ainda, muitas vezes, os efeitos colaterais ali relatados são relativos a um estudo feito em uma sociedade, em uma cultura muito diferente da nossa e que não necessariamente pode ser perfeitamente replicável para a realidade do paciente.

Por outro lado, o profissional que prescreveu o medicamento conhece o paciente, sabe de suas particularidades — tanto as biológico-físicas, as biológico-mentais, quanto as sociais – sabe da história do paciente, da evolução do mesmo.

Enfim, este profissional está avaliando aqui e agora (mas não só “aqui e agora”, mas também levando em consideração toda a história de vida dessa pessoa), olho no olho, este paciente. Em comparação, essa conversa, esse “tira-dúvidas”, com esse profissional será muito mais esclarecedora, útil e desprovida de confusões do que a leitura de uma bula.

Tentando responder à pergunta feita parágrafos acima, precisamos nos lembrar de que, nessa seara, temos dois elementos que precisam ser ponderados: a doença e os remédios. A doença apenas traz problemas para o indivíduo; já os remédios são formulados para ajudar as pessoas. Todavia não são perfeitos e podem também trazer prejuízos (assim como as doenças). Quando um paciente está com algum sintoma, é dever e responsabilidade do médico verificar se aquele sintoma é consequente à doença ou é um efeito colateral do medicamento. E essa tarefa, algumas vezes, não é simples de ser feita.

No caso da história que eu contei aqui, eu sei da resposta a essa pergunta porque, afinal, ele continuou vindo para mim e eu pude constatar qual foi o desfecho: a redução da libido era da depressão. Quando a depressão se resolveu, ele voltou a ter o seu desejo sexual restaurado e ainda usando o medicamento.
A avalição diagnóstica, o tratamento que se propõe a um paciente, as formas com que as doenças se manifestam, os efeitos que um medicamento provoca no corpo do indivíduo, tudo isso não é simples de ser contemplado, de ser medido, ponderado (e olhe que eu nem falei de tudo o que há…). Acredito que uma das origens das confusões que se faz em torno das doenças e dos medicamentos é o desconhecimento dessa complexidade. Muitas vezes, acaba-se fazendo uma ligação direta entre eventos concorrentes, sem saber que, na verdade, os eventos que acontecem um logo após o outro nem sempre são um consequência do outro.

Então eu proponho que os pacientes conversem com seus médicos, tirem suas dúvidas. Lembrem-se: o diálogo com o profissional é sempre mais revelador, esclarecedor, tranquilizador do que a leitura de uma bula, que diálogo algum poderá fornecer.

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