A rotina de Sérgio Girotto, de 62 anos, não difere muito da do resto dos agricultores de Ipuaçu, cidade de 7,6 mil habitantes no oeste catarinense. Ele acorda às 5h30, prepara o chimarrão e sai para trabalhar. Na manhã do último dia 4, pipocaram fotos no celular de Girotto. Eram os agroglifos, desenhos que aparecem em plantações locais desde 2008. Ele só não imaginava, segundo conta, que dava para ver a novidade da sua varanda. “Quando saí, pude ver lá do alto.”
As imagens – formas geométricas com pentágono, círculos e um triângulo em meio ao trigo – não correram só o WhatsApp de Girotto e seus vizinhos: viralizaram nas redes sociais. “Acordei e já estava lá”, diz ele. O agricultor jura não ter ideia de como as inscrições misteriosas foram parar nas suas terras, onde, além de trigo e agroglifos, costumam brotar feijão, milho e aveia.
“Não é a primeira vez. Em 2013 já tinha acontecido (na propriedade), mas a gente não deu muita importância”, relata Girotto, que vive com a mulher. A diferença desta vez, afirmam moradores, foi a proximidade com a área urbana e também as formas diferentes de qualquer outra já vista na região. Grafismos de grande porte criados a partir do achatamento de plantações, os agroglifos costumam ter origem desconhecida, alimentando a imaginação de vizinhos e embates entre ciência e ufologia.
Católico, ele prefere não arriscar uma autoria para os traços na sua lavoura, que tem um total de 17 hectares. Invasores? Animais? Fantasmas? OVNIs? “Não acredito nem desacredito. Mas que é muito estranho, é”, admite. O mistério atrai curiosos – na maior parte de estudantes e caçadores de vida extraterrestre.
“Gente de Curitiba, de São Paulo e até do Amazonas. Teve um casal de franceses também. Disseram que moram em Foz do Iguaçu”, conta.
Muitos desses grupos, inclusive, apontam falsos agroglifos – o que seriam apenas imitações dos desenhos legítimos, que obedecem a uma série de supostos padrões, como curvatura dos vegetais, distâncias simétricas, e preservação da estrutura das plantas, sem dano ao caule ou às folhas. Na propriedade de Girotto, a forte chuva desta semana já apagou os desenhos.
Turismo
Se os desenhistas seguem no anonimato, Ipuaçu quer usufruir da fama. A prefeitura já ostenta no site o título de “capital nacional dos agroglifos”, mas ainda está longe de receber o mesmo volume de turistas que Roswell (EUA), onde supostamente um disco voador teria sido achado, ou Stonehenge (Reino Unido), monumento pré-histórico de pedra.
A prefeitura de Ipuaçu afirma que, a cada novo agroglifo (a lista no site do município aponta que esse seria pelo menos o quinto na região desde 2008, mas há outros relatos), aparecem cerca de 2 mil pessoas.
O comércio, porém, não tem visto todo esse movimento. “As pessoas vêm mais por curiosidade, ficam meia hora e vão embora. Não chegam a consumir na cidade”, reclama Eliamar Seraglio, de 40 anos, dona do único hotel da cidade.
Já Luiz Prates Junior, do Grupo de Pesquisa Ufológica de Santa Catarina, investiu tempo no local para colher amostras de terra, das plantas, ouvir testemunhas e coletar imagens do desenho, com cerca de 700 m².
“Apesar de o desenho ter sido criado sobre as marcas de rodado de trator, não foram identificadas pegadas humanas, descartando que o agroglifo tenha sido produzido com cordas ou madeira”, afirmou Prates. “Se assim fosse, a vegetação não estaria deitada da forma como foi encontrada, mas sim com plantas quebradas ou levantadas”, disse.
Ciência
Na ciência, é difícil encontrar alguém para endossar a tese de artistas vindos do espaço, com preferência por áreas rurais no Brasil. Há notícia de desenhos enigmáticos em plantações desde a Idade Média. Os agroglifos ficaram famosos nos anos 1980, no Reino Unido. Feitas a partir do achatamento da vegetação, as imagens motivaram teorias.
Até que, em 1991, dois artistas reivindicaram a autoria dos desenhos. A um jornal britânico, os amigos Doug Bower e Dave Chorley revelaram ter feito mais de 200 deles na última década, usando tábuas e pedaços de cordas. Um ano depois, foi organizado um concurso de círculos nas colheitas (do inglês crop circles), outro nome dado aos agroglifos. Entre os participantes estavam alunos de uma escola local e uma dupla de mulheres acompanhada de um cão, treinado para puxar tábuas.
Os resultados mostraram que os humanos eram capazes de reproduzir o design proposto. Segundo Adolfo Stotz Neto, astrônomo e presidente do Grupo de Estudos de Astronomia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a técnica usada pela dupla segue sendo empregada para a criação dos recortes nas plantações. As tábuas eram usadas para amassar a plantação. Já as cordas garantem a estética, por meio de movimentos precisos. (colaborou Raisa Toledo)
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