A repercussão nas redes se deve a um artigo publicado pelo professor Hisham Mehanna, do Instituto de Câncer e Ciências Genômicas da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, no portal The Conversation
Publicado 28 de abril de 2023 às 18:09
A associação entre sexo oral e câncer de garganta viralizou nas redes sociais nos últimos dias, causando dúvidas nos internautas sobre as chances do desenvolvimento da doença pelo ato sexual. De acordo com especialistas ouvidos pelo Estadão, o risco de fato existe, devido à infecção pelo Papilomavírus Humano, o popular HPV, que tem potencial cancerígeno. Apesar disso, dizem, a relação de causalidade não é regra e há formas de prevenção.
A repercussão nas redes se deve a um artigo publicado pelo professor Hisham Mehanna, do Instituto de Câncer e Ciências Genômicas da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, no portal The Conversation, na última terça-feira, 25. Na publicação, intitulada “Sexo oral é agora o principal fator de risco para câncer de garganta” em tradução livre, o especialista destaca um “rápido aumento” no câncer de garganta no Ocidente. De acordo com ele, essa crescente está associada à infecção por HPV, alimentando o que vem sendo chamado de “epidemia” por alguns estudiosos.
Com surpresa e receio, os internautas reagiram ao texto, que foi replicado em perfis de grande alcance no Twitter. A atriz e apresentadora Tatá Werneck entrou para a discussão em tom de bom humor. “Por favor não diz isso”, escreveu. De acordo com especialistas, o aumento na incidência de câncer de orofaringe ocasionado pela infecção de HPV de fato tem sido observado em diversas partes do mundo, especialmente nas últimas duas décadas.
Por favor não diz isso https://t.co/pfEyxoi2xt
— Tata werneck (@Tatawerneck) April 27, 2023
Dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos sugerem que cerca de 70% dos cânceres de orofaringe no País estão relacionados ao HPV. Além disso, antes, o vírus era associado prioritariamente ao câncer do colo do útero, mas entre norte-americanos o número de casos de câncer de orofaringe relacionados ao HPV já supera os índices de câncer de colo de útero pela mesma causa, segundo Gilberto de Castro Junior, oncologista especializado em cabeça e pescoço do Hospital Sírio-Libanês.
Uma das razões apontadas pela ciência para esse crescimento é, justamente, a queda dos casos de câncer de orofaringe originadas por tabagismo e etilismo, que são os outros dois principais fatores da doença. “Historicamente, o câncer de garganta está associado ao consumo elevado de cigarro e de álcool. Mas pelo menos nos últimos 20 anos, principalmente nos países mais ricos, progressivamente houve diminuição dos índices de tabagismo e, na mesma frequência que isso diminui, foi notando-se que o câncer de garganta não teve queda nos números, e muitos desses eram originados pelo HPV”, explica Virgilio Gonzales Zanella, cirurgião de cabeça e pescoço da Santa Casa de Porto Alegre. De acordo com ele, os índices podem variar também conforme as práticas sexuais de cada cultura.
No caso do Brasil, de uma maneira geral, o tabagismo e o consumo abusivo de álcool seguem sendo os principais causadores da doença, segundo Castro Junior. Os números, entretanto, podem variar de acordo com o público. “No Sistema Único de Saúde (SUS), o principal fator de risco ainda é cigarro e álcool. Mas entre pacientes socioeconômicos mais abastadas, na saúde privada, já se observa que na maioria dos casos encontra-se o vírus.”
Os especialistas em cabeça e pescoço enfatizam que a relação entre o sexo oral e o surgimento de câncer orofaringe não necessariamente é uma sequência universal, por diferentes motivos. Para além da presença da infecção do vírus em um dos parceiros, a relação está condicionada ao subtipo do HPV.
“Nem todo papilomavírus é igual. Há os de alto potencial oncogênico e os de baixo risco. Além disso, se o vírus chega lá (na garganta), não é todo mundo que desenvolve o câncer. Assim como qualquer vírus, você tem uma resposta imunológica para combatê-lo”, explica o médico do Sírio-Libanês. Entre os mais de 200 tipos de HPV, os de número 16, 18, 31 e 33 são reconhecidos como oncogênicos, ou seja, podem infectar uma célula e transformá-la em cancerígena, segundo o profissional. “A presença do vírus e o desenvolvimento do câncer são exceção, não regra”, complementa.
Uma vez que a principal via de transmissão do HPV são as relações íntimas, outro fator decisivo na relação é o comportamento sexual. Os médicos destacam que o uso de preservativo é essencial para prevenir a infecção, assim como outras ISTs. “Como sexo oral é comum e o vírus é disseminado na população, é uma questão de risco. Quanto mais houver sexo desprotegido, maior exposição à infecção”, enfatiza o oncologista.
Neste sentido, o número de parceiros sexuais de uma pessoa também pode ser considerado um fator de risco, devido à maior exposição ao vírus. O artigo que originou a repercussão da discussão chega a mencionar uma pesquisa publicada, em 2007, na revista científica The New England Journal of Medicine, que afirma que o principal fator de risco para a doença é o número de parceiros sexuais ao longo da vida, especialmente por sexo oral. O estudo diz que pessoas com seis ou mais parceiros têm 8,5 vezes mais chances de desenvolver câncer de orofaringe do que aqueles que não praticam sexo oral.
Outro elemento decisivo é a vacinação, principal forma de prevenção ao HPV. O SUS disponibiliza gratuitamente o imunizante, que confere proteção aos HPV de alto risco 16 e 18, responsáveis por grande parte dos casos de câncer ligados ao vírus. Meninas e meninos de 9 a 14 anos podem tomar a vacina de forma gratuita, além de pessoas com HIV/aids, transplantados e imunossuprimidos, entre 9 a 45 anos.
Zanella relembra a importância de vacinar especialmente meninos, que têm uma cobertura vacinal baixa no Brasil. “São a população mais suscetível ao câncer de orofaringe causado por HPV, e é onde a vacina tem menor penetração, por desconhecimento ou esquecimento dos pais”, alerta.
Por fim, a combinação da infecção por HPV com outros fatores predisponentes à doença, como o tabagismo e o consumo de álcool, podem potencializar o risco de desenvolvimento da doença. “Todo câncer, para surgir, precisa ter uma interação do nosso corpo com fatores externos. Uma garganta que já está lesionada pelo abuso crônico de tabagismo e do consumo de álcool pode se tornar mais propensa a desenvolver câncer em relação ao HPV”, explica o cirurgião da Santa Casa de Porto Alegre.
Os especialistas ainda enfatizam que o câncer de garganta por HPV tem melhor prognóstico e mais chances de cura se comparado ao de outras causas. “Ele responde muito melhor aos tratamentos comparado ao câncer de garganta por cigarro ou álcool. Parecem ser duas doenças completamente diferentes, mas que ocorrem no mesmo lugar e com o mesmo nome. São biologicamente distintas em termos de agressividade e resposta ao tratamento”, descreve Zanella que, em todos os casos, deixa o alerta: “Uma lesão que não cicatriza em duas semanas ou uma dor de garganta que não passa merecem atenção médica.”
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