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Advogados passarão por detectores de metal nos presídios do RN

Dossiê revela ligações perigosas entre advogados e crime organizado no estado

por: NOVO Notícias

Publicado 2 de maio de 2022 às 08:10

Advogados foram flagrados tentando bular o sistema de segurança da Secretaria da Administração Penitenciária – Foto: Arquivo/NOVO

Diante dos frequentes casos envolvendo um grupo de advogados criminalistas flagrados enviando e recebendo mensagens ilícitas para lideranças do crime organizado dentro das unidades prisionais do Rio Grande do Norte, de acordo com a Secretaria da Administração Penitenciária (SEAP), serão estabelecidas novas regras para assistência jurídica nos presídios do RN. Os advogados, agora, passarão pelo bodyscam (aparelho de raios-x semelhante aos utilizados em aeroportos) e estão limitados a 30 minutos de atendimento por cliente.

A decisão da SEAP foi confirmada pelo juiz federal plantonista, Francisco Glauber, na noite deste domingo (1), após mandado de segurança impetrado pela própria Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O magistrado entendeu como “razoável e proporcional”, o tempo de 30 minutos para a assistência jurídica dos advogados, visto “a necessidade logística e de observância de toda a rotina de uma unidade prisional”. A SEAP, em seus registros, tem casos de atendimentos de horas a fio. Um deles com quatro horas e trinta e um minutos de duração para um único interno já condenado.  Em uma unidade com três salas de atendimento, outras assistências jurídicas ficam prejudicadas.

Advogados tentaram se desfazer de recados nos banheiros do presídio – Foto: Cedida

Sobre o bodyscam, o juiz entendeu que o equipamento já é utilizado “até mesmo em unidades judiciais”. “Isso não traz qualquer ofensa jurídica à dignidade da profissão”, argumentou. “As medidas tomadas pela SEAP são importantes porque visam impedir rebeliões, motins, homicídios e o aumento dos índices de criminalidade. Tem o objetivo de evitar eventos críticos no sistema prisional. O crime organizado está usando uma minoria de advogados para levar mensagens ilícitas e desestabilizar a paz social”, disse o secretário da Administração Penitenciária, Pedro Florêncio.

Leia mais: Correio do crime: Polícia intercepta advogada com bilhetes ditados por criminosos para presos de Penitenciária do RN

Na decisão, no entanto, o magistrado suspendeu outras medidas que a SEAP entende como necessárias para a segurança pública. A Secretaria pleiteava o atendimento jurídico de um preso por advogado ao dia, por unidade prisional, e a revisão de seus pertences, inclusive da documentação. Tal medida é importante por causa dos constantes casos de recados apreendidos dentro dos presídios. “Lamentamos a decisão que limitou o exercício da manutenção e controle da segurança, da ordem e da disciplina. Mas o Estado, quando for notificado, irá recorrer através da PGE”, garantiu o secretário Pedro Florêncio.

Dossiê revela ligações perigosas entre advogados e crime organizado no RN

Recados estavam destinados à presos, celas e alas da Penitenciária Rogério Coutinho Madruga, em Nísia Floresta – Foto: Cedida

Um dossiê de investigação da Polícia Civil, do Ministério Público e da Secretaria da Administração Penitenciária (SEAP) revelam como um grupo de advogados criminalistas utilizam o horário da assistência jurídica para comunicar os presos sobre as movimentações do crime organizado no lado de fora das prisões.

Os documentos explicam como os chamados “pombos correios”, profissionais da advocacia que assim ficaram conhecidos, repassam principalmente mensagens detalhadas sobre tráfico de drogas, num leva e trás de “ordens”, graças ao livre acesso aos seus clientes.

O caso abordado pelo NOVO Notícias na última edição impressa, mostrou que pelo “serviço”, segundo mensagem apreendida, os “gravatas”, chegam a receber até mil reais.

O valor foi majorado pela impossibilidade dos detentos terem acesso a aparelhos celulares. No sistema prisional, não existem celas com acesso à energia elétrica e as revistas são extremamente rigorosas, inclusive com aparelhos de raios x tipo “Bodyscam” e detectores de metal.

“Não vou mais mandar gravata (advogado) aí porque cada ideia é mil reais”, diz um dos bilhetes em poder da polícia.

Um dos bilhetes apreendidos era endereçado a detentos da Penitenciária Rogério Coutinho Madruga, onde estão as lideranças do crime organizado no Estado.

No conteúdo obtido pela investigação e interceptada pelos agentes penitenciários, é possível ver recados sobre crimes, como: tráfico de drogas, porte e posse de arma de fogo, bem como, movimentação detalhada das finanças da organização criminosa.

“Em relação a LSD, para conseguir e ajeitar o material, a mulher de XXXXX que vai ensinar como fazer acontecer. Referente a situação de XXXXX, como foi resolvida? Aonde estão os móneis, o ferro (arma) e os dinheiros, ele ficou na mão dela”, diz umas das mensagens apreendidas com um advogado.

Além disso, há mensagens onde o interlocutor diz: “Em cima da ideia do XXXXX, já que ele vem passando por cima das ideias é para afastar ele da QBD (Quebrada. Ponto de venda de drogas) e para brecar ele de vender por 6 meses, se passar por cima, levar ele para o conselho e explicar o que levou a isso. Caso passe por cima das ideias do XXXXX, XXXXX e do conselho, já era. Em cima das mercadorias, os manos XXXXX e XXXXX, tão com autonomia de abastecer geral”.

Rede estruturada

Conforme abordado em reportagem do NOVO, advogados recebiam até mil reais por visita – Foto: Cedida

 

São identificadas 25 pessoas em uma estrutura organizada e com divisões de tarefas, típica de organizações criminosas.

Com outro advogado, também na penitenciária de segurança máxima, foi apreendido o seguinte bilhete: “Aí XXXXX tá sabido demais. O cavalo lá eu tenho interesse mas desse valor não. O cavalo lá eu conheço. Dá pra ficar por 65 1 de leite 1 de oro 10 mil”. Outra mensagem, desta vez apreendida com uma advogada, fala da disputa por pontos de venda de drogas.

“Mano velho, o que eu posso fazer para te ajudar é colocar dois aviões lá no campo, desde que pegue comigo. Se você encantar de mandar colocar avião para trabalhar com mercadoria dos outros não vai dar certo porque eu vou mandar parar”.

Segundo a Polícia, em outro bilhete, apreendido, na sala de atendimento dos advogados, após a assistência jurídica a três internos, trata da venda de entorpecentes e produtos de roubos e furtos. O material foi apreendido e registrada ocorrência na Polícia Civil.

“Foi determinado que o rapaz ia vender lá dentro do beco. Ele começou a discutir e todos pegaram a visão do que aconteceu e ele foi disciplinado”, diz um dos trechos.

Os agentes penitenciários, além de bilhetes, chegaram a apreender laudas e até impressões de conversas de aplicativo whatsapp. Numa mensagem impressa, constam “acertos financeiros, com referências de pagamentos que deveriam ser feitos a terceiros, como espécie de contabilidade, utilizando-se o termo bicicleta várias vezes para se fazer menção ao que deveria ser pago”.

O vasto material está em poder das autoridades, assim como imagens das câmeras de circuito interno das unidades prisionais.

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