Era a noite do dia 10 de novembro de 2023, quando José Marcos Ribeiro, de 55 anos, se viu em uma situação pela qual nunca imaginou passar. Ele estava acompanhando o seu filho, um bebê de 11 meses — com síndrome do intestino curto — que estava internado no Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL), quando foi chamado por um vigilante para sair da enfermaria. Sem entender o que estava acontecendo, ele atendeu ao chamado e foi surpreendido pela presença de vários policiais. Um deles teria dito, segundo José Marcos, “você está preso e cala sua boca”.
A partir dali, o homem viu sua vida se transformar em um pesadelo. Ele estava sendo acusado de cometer estupro de vulnerável. A mãe de um bebê de 10 meses, internado no mesmo local, acusou José de ter abusado de seu filho após encontrar um líquido suspeito na boca da criança. Ela havia deixado o bebê dormindo para tomar água, e ao retornar, teria visto José aparentemente ajustando a calça e camisa, o que levantou suspeitas imediatas. Após informar ao Hospital, a Polícia foi acionada e José foi autuado e preso em flagrante na mesma noite. A prisão foi mantida em audiência de custódia, realizada no domingo, 12 de novembro, apesar do acusado alegar inocência.
A reviravolta do caso começou quando o Instituto Técnico-Científico de Perícia (ITEP/RN) finalizou os laudos no dia 14 de novembro. Os exames não encontraram indícios de agressão ou violência sexual. Testes específicos para esperma e antígeno prostático apresentaram resultados negativos. Com esses laudos, a defesa de José argumentou pela sua libertação imediata.
Apesar da decisão judicial para soltura publicada no dia 14, José só foi libertado no dia 15, devido a procedimentos administrativos. Emocionado, ele reencontrou seu filho ainda internado no HUOL. O reencontro de José com o filho — registrado pela esposa — foi marcado por lágrimas e alívio. O vigilante, que sempre negou as acusações, começou a buscar maneiras de retomar sua vida e trabalho.
Oito meses após o caso, a justiça arquivou o inquérito na última quarta-feira (17), reconhecendo a ausência de provas contra José. Na decisão assinada pelo juiz da 15ª Vara Criminal de Natal, Jarbas Bezerra, foi homologado o “arquivamento do presente inquérito policial consoante promoção do Ministério Público fazendo com base no artigo 28 do CPP, ressalvada a possibilidade de investigações em razão do surgimento de novas provas, nos termos do artigo 18 do CPP e da Sumula 524 do STF, enquanto não extinta a punibilidade. […] Após, arquive-se com baixa na distribuição”.
Segundo o advogado Romário Araújo, responsável pela defesa de José Marcos, a família entrou com ações por danos morais contra o Estado e contra a União, como forma de reparar minimamente os erros cometidos contra o homem.
Em entrevista ao NOVO Notícias, José Marcos lembrou o momento da acusação ainda no hospital, os momentos de medo e apreensão enfrentados nos cinco dias em que passou preso, o alívio em ser libertado da prisão, o reencontro com o filho, que morreu três meses após o fato e o recomeço da família que, hoje, vive no município de Tangará.
Confira trechos do relato:
ACUSAÇÃO E PRISÃO
No momento em que a mãe da criança me acusou, eu estava no meu quarto com meu bebê. Eu tinha ido para a cama com ele para dormir ao lado dele e cuidar dele, enquanto minha mulher tinha ido para casa fazer um bolo para o aniversário dele que seria no sábado. Isso foi na sexta-feira. Quando minha esposa foi ao Planalto, eu fiquei com o bebê na cama, cuidando dele para que não se machucasse. Foi então que a mãe que me acusou pediu para que eu olhasse o filho dela, mas eu nem precisei levantar da cama para fazer isso, pois ele estava um pouco distante. Eu apenas olhei da minha cama.
Quando a mãe foi pegar água, eu cochilei rapidamente e, ao olhar novamente, vi que ela estava saindo com o bebê. Como era comum as mães saírem com os bebês e voltarem, não percebi nada de estranho.
De repente, o vigilante acendeu a luz com um tapa forte, e eu levei um susto. Olhei para fora e vi que havia muitos policiais. Um deles pediu que eu me levantasse e fosse até lá, mas eu disse que não podia, pois a cama estava travada e precisava ser aberta pelo lado de fora. Quando ele abriu, eu perguntei o que estava acontecendo. Ele disse que era um policial que queria falar comigo. Quando coloquei o pé fora do quarto, um sargento disse que eu estava preso e me mandou calar a boca. Eu fiquei calado.
Na delegacia, quando cheguei, vi que o caso era sério. Quando abriram a viatura, disseram “desce aí, estuprador”. Eu ainda tento tirar isso da minha mente. Na delegacia, parecia um filme, me senti sendo tratado como um monstro. Quando entrei, foi aquele tratamento VIP. Escutei me chamando de frio, calculista, de monstro. Mas havia um policial que me perguntou: “Coroa, tu tem ideia do que tu fizesse?”. Eu respondi: “Não, eu não fiz nada”. Isso irritava os outros policiais. Um deles disse: “Encontraram esperma na boca da criança”. Eu respondi: “Pelo amor de Deus, eu estava com o meu bebê, que está nessa luta desde que nasceu. Já tivemos na Januário [Cicco], no Varela [Santiago], ele foi submetido à cirurgia e perdeu parte do intestino”. Aí me disseram que não era sobre meu filho, era outro bebê. Foi quando lembrei da mulher que pediu para eu olhar a criança dela enquanto ela ia ao banheiro.
O MEDO E A LIBERTAÇÃO
Na delegacia, eu temia alguma violência por parte deles [dos policiais] ou de algum detento fazer alguma coisa, mas eu pensava a todo momento que a verdade ia aparecer porque eu não tinha feito nada. Para a delegada, respondi todas as perguntas e contei onde estava, como estava. Ela parecia não acreditar e me dizia que a história não era essa, que não adiantava eu mudar porque estava com o laudo positivo. Ela perguntou se eu queria cooperar com a justiça?” Eu disse: “Estou cooperando.” Ela respondeu: “Não, você está mentindo. Vamos começar tudo de novo.” Quando comecei a repetir, ela se irritou e disse: “Fecha ele.” Quando ela disse isso, um policial me orientou a não dizer o crime que eu estava sendo acusado.
Quando entrei na cela, havia umas oito pessoas. Quando entrei, um deles perguntou: “Coroa, o que foi que aconteceu?” Eu disse: “Maria da Penha.” Ele não acreditou e disse: “Isso está acontecendo muito aqui em Natal, os coroas quando não estão matando as crianças estão estuprando as mulheres. Esse negócio de Maria da Penha está dando um rolo desgraçado”.
Passei por outro exame no ITEP, pela audiência de custódia e contei a mesma história ao juiz. Ele disse: “Vamos aguardar”. Fui transferido para o sistema provisório em Parnamirim. No quarto dia, ainda na segunda-feira, tive outra audiência com o delegado da infância.
Fui transferido para o Penitenciária Estadual de Parnamirim. Nesse dia, tive medo porque estava em uma viatura com cinco faccionados. Um deles perguntou o que eu tinha feito e outro respondeu: “Esse rapaz foi preso injustamente, disseram que ele fez isso com uma criança”. Outro perguntou: “Você fez isso, coroa? Você tem ideia do que vai acontecer com você?”. Outro faccionado disse: “Fulano, esse homem é inocente, ele tá com alvará de soltura, ele quase perdeu a vida”. Aí ele disse: “Coroa, você podia ter perdido sua vida lá, a galera lá não dispensa”.
No PEP, fui colocado na cela dos trabalhadores. Lá, a turma já sabia da minha história e me chamaram de herói. Foi a experiência mais horrível da minha vida. A penitenciária é um lugar terrível. Cheguei na terça à tarde para ser solto no dia seguinte. Não consegui dormir por causa do cheiro, do barulho e da conversa dos faccionados a noite toda. Mas, graças a Deus, a verdade apareceu. E agradeço também ao apoio da minha família, da minha esposa, que ficou lá com nosso filho, que sofreu muito, ao Dr. Romário [advogado de defesa], mas agora não devo mais nada à Justiça. Isso vai ficar marcado na minha vida”.
MORTE DO FILHO E A VIDA ATUAL
Lorenzo Rhavy era o primeiro filho do casal, mas o quarto filho de José Marcos, que já tinha outros três de outro casamento. “Ele era muito especial para nós. Já nasceu com essa síndrome do intestino curto e, desde que nasceu, sempre tivemos de um hospital pra outro. A gente não conseguiu retornar para casa com ele. Ele ia ser submetido a um cateter, mas não deu tempo. Em 02 de fevereiro deste ano, ele faleceu na UTI do HUOL. Aí depois que ele se foi, nós ficamos muito tristes, tivemos que nos adaptar a uma nova vida sem Lorenzo e viemos morar em Tangará. O recomeço foi muito difícil para nós depois de tudo isso, mas aos poucos, as coisas vão voltando ao normal”.
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