Construída em 12 semanas pelo governo norteamericano para estruturar a logística de guerra na década de 1940, a primeira pista de asfalto do Rio Grande do Norte levou armas à Europa na II Guerra Mundial, mas também levou Natal ao desenvolvimento, crescendo em direção à região sul da cidade
Publicado 12 de dezembro de 2023 às 23:29
Um trecho onde hoje passam algumas das vias mais movimentadas da cidade de Natal, ligando o Leste ao Sul da capital potiguar, na década de 1940 foi uma via de interesse internacional, com uma significativa parcela de importância para episódios que ajudaram a construir parte da história da Segunda Guerra Mundial, e deixou um legado de desenvolvimento para Natal, que cresceu acompanhando o seu traçado.
Construída para transportar de pessoas, entre elas autoridades como o presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Franklin Delano Roosevelt e o do Brasil, Getúlio Vargas, além de material bélico, e de toda a sorte de mantimentos para a manutenção de uma população que se viu crescer rapidamente em curto período de tempo, a via conhecida na época apenas como ‘Estrada’, e mais tarde, por alguns, como ‘Estrada Velha’, ou até mesmo como ‘Parnamirim Road’, que em tradução literal do inglês significa estrada de Parnamirim, hoje está sob o asfaltado das avenidas Hermes da Fonseca, Salgado Filho, parte da BR-101 Sul, e adentrando até a Estrada para o Catre, que liga a um dos portões de acesso à Base Aérea de Natal, já no bairro de Emaús, na vizinha Parnamirim, é uma parte enterrada da história mundial, e especialmente, natalense, sendo o caminho que abriu portas para a cidade se desenvolver até a região que hoje conhecemos como Zona Sul.
Leonardo Dantas, jornalista e engenheiro civil, pesquisa a participação de Natal na Segunda Guerra Mundial há anos. Ele conta detalhes obtidos após ler o diário de obras do engenheiro Clinton Gardner, responsável pela construção da estrada.
“Em março de 1942 começou a obra, e um ponto importante é o tempo de execução. A pista foi feita em 12 semanas. Isso é fato documentado. O engenheiro chega em março e entrega a obra em junho de 1942. Isso daria 16 semanas, mas no relato dele – no diário de obra – está 12 semanas”, conta Leonardo Dantas.
A estrada construída tem uma importância singular para a cidade de Natal. O historiador Breno Câmara explica um pouco da representatividade desse equipamento para a história natalense.
“A “estrada velha”, Parnamirim Road, tem papel fundamental no processo de desenvolvimento da cidade de Natal. Do porto a Base Aérea, a estrada foi a primeira via asfaltada da capital potiguar. Inicialmente sua história se entrelaça a II Guerra Mundial, uma vez que sua construção foi financiada pelo governo estadunidense, para dinamizar o fluxo das tropas em Natal, espaço que fora cedido à potência aliada mediante acordos firmados na Conferência do Potengi, na qual o Brasil varguista abandona sua neutralidade e declara guerra ao Eixo, liderado por Adolf Hitler”, destaca Breno Câmara.
A estrada foi construída para ligar o então campo de pouso de hidroaviões, localizado na Rampa, à Base Aérea, na localidade chamada Parnamirim – que ainda não era cidade –, no extremo sul de Natal, em uma região ainda pouco explorada, mas que foi escolhida como ponto para construção da Base Aérea por ser o local mais plano da cidade. O início de todo esse trabalho remonta há um ano antes do início das obras, quando os americanos chegaram na capital potiguar, em março de 1941, e usavam os dois pontos logísticos (Rampa e Parnamirim) para fazer transporte de material bélico aos Aliados, na Europa, de uma forma clandestina, dado que na época os Estados Unidos ainda não estavam oficialmente na guerra.
Após a entrada dos EUA na guerra, em dezembro de 1941, o que era clandestino passa a ser oficial, e os americanos disfarçados de civis em Natal se mostram militares e o investimento passa a ser maior e declarado na cidade, sendo um dos principais, a construção da estrada com o intuito de melhor a estrutura necessária ao transporte de armas, mas também para abrigar melhor a grande população militar da época, e que não estava sendo comportada na Base de Parnamirim, bem como nos hotéis existentes em Natal.
“Esse pessoal ficava hospedado na Ribeira e na Cidade alta. Uma cidade com 50 mil habitantes, de repente vê chegar 3.000 homens, e isso causou impacto social e financeiro, faltou comida na cidade, faltou estrutura de saneamento básico que atendesse a quantidade de pessoas. E, falando em estrutura, o que faltava? Uma estrada que ligasse Natal a Parnamirim”, conta Leonardo Dantas.
Diante de todo esse cenário, é possível compreender que a pista não foi construída apenas para fins bélicos, mas também para atender a população que crescia em Natal.
Tomada a decisão de abrir esse novo caminho, foi então construída a chamada Estrada, com 17 quilômetros de extensão, que se iniciava onde hoje é o cruzamento da Rua Potengi com a avenida Hermes da Fonseca, nas proximidades do Mercado de Petrópolis, na Zona Leste da cidade, e que ia até o interior da Base Aérea Americana, onde hoje é a Base Aérea de Natal, e onde funcionou por muitos anos o Aeroporto Internacional Augusto Severo.
Um ponto curioso dessa pista, é que com o passar dos anos foi criada uma lenda de que ela iria do Porto até a Base Aérea, mas há ainda uma teoria de que isso não aconteceu porque na época, o poder municipal de Natal não aceitou financiar três quilômetros que estenderia a pista do seu ponto inicial (Cruzamento da Potengi com a Hermes) até o campo de pouso de hidroaviões, na Rampa. Tudo seria construído pelos homens americanos, com a exigência apenas da contrapartida desse trecho, que completaria 20 quilômetros, mas a Prefeitura local não aceitou a proposta.
“Eu achei uma correspondência, mas ela não é oficial, é um relato de que foi proposto um acréscimo de 10% do valor que estava sendo gasto, desses 17 km, para fazer a via seguir até o porto. Mas parece que na época o município não teve interesse”, explica Dantas, que completa dizendo não ter como comprovar essa história porque não existe uma resposta oficial do prefeito, tendo apenas esse relato.
Além do valor histórico para o cenário mundial vivido na década de 1940, a pista construída em Natal é também um marco para a engenharia civil potiguar. Foi através do investimento militar americano que o asfalto chegou ao Rio Grande do Norte.
“Posso dizer que – a pista – é o primeiro pavimento do Rio Grande do Norte. Tem relatos de estradas sendo inauguradas antes, mas não em asfalto. Porque o asfalto não era algo fácil de conseguir, nós não tínhamos no Brasil, e ele vinha de Trinidad e Tobago, era descarregado aqui no porto, e levado para Parnamirim, onde era processado em uma usina instalada nas margens de uma lagoa, e então aplicado no traçado da estrada”, explica o engenheiro civil Leonardo Dantas.
A estrada construída pelos EUA em 1942 se tornou um dos principais marcos do desenvolvimento da cidade de Natal, que naquela época tinha um limite urbano bem menor do que o conhecido hoje.
“O maior legado que se fala é que ela – a estrada – foi o que direcionou o desenvolvimento de Natal para a região sul. Porque aqui você tem um limite geográfico. Você tem o rio Potengi, que não permitia, à época, crescer para a região norte. Então você tinha que crescer para o leste ou sul. E a pista levou esse desenvolvimento. É tanto que durante muitos anos. O limite do Natal era onde já é o Midway, e com a pista passou para onde foi a fábrica da Sams, e para onde hoje é a Arena das Dunas, e a cidade realmente desenvolveu, e foi crescendo aproveitando a pista. Esse grande legado da estrada velha. O crescimento”, destaca Leonardo Dantas.
Esse legado também é atestado pelo historiador Breno Câmara, que explica como a construção dessa estrada levou a cidade de Natal à evolução, até o surgimento de novos bairros que conhecemos hoje.
“A estrada, foi além dos esforços da Guerra, ela passou a ser palco de integração da região metropolitana em ascensão. A construção trouxe uma visão de crescimento habitacional no seu entorno, bem como, favoreceu a efervescência de pequenos comércios. Os bairros de Lagoa Nova, Nova Descoberta, Candelária e Mirassol, são frutos da Parnamirim Road”, pontua Breno Câmara.
Assim como uma pessoa que morre depois de fazer história, a Parnamirim Road hoje está sepultada. O seu traçado original segue a rota que liga a Zona Leste de Natal até a Base Aérea acompanhando as já citadas avenidas Hermes da Fonseca, Salgado Filho, BR-101 e por fim a Estrada para o Catre, no entanto, o asfalto aplicado está sob as aplicações mais recentes. A então Estrada Velha foi utilizada de 1942 até o fim da Guerra para fins militares, e após isso, a população natalense continuou utilizando até a década de 1970, quando obras de infraestrutura, como a duplicação da BR, foram realizadas.
______________________________________________________________________________________________
Quer receber notícias úteis, relevantes, informativas e divertidas?
➡️ Assine gratuitamente a Comunidade do NOVO no Whatsapp.
➡️ gratuitamente o Canal de Notícias no Telegram.
➡️ Siga o NOVO Notícias no Twitter.
______________________________________________________________________________________________
Receba notícias em primeira mão pelo Whatsapp
Assine nosso canal no Telegram
Siga o NOVO no Instagram
Siga o NOVO no Twitter
Acompanhe o NOVO no Facebook
Acompanhe o NOVO Notícias no Google Notícias