Dados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte contabilizam 2.814 medidas protetivas concedidas de janeiro até agosto deste ano. deste total, 618 concessões já foram descumpridas pelos agressores
Publicado 14 de agosto de 2023 às 16:00
Durante quase 15 horas, Elisangela Lima Ferreira da Silva, de 28 anos, viveu momentos de terror, angústia e tensão após o ex-companheiro Marigel Custódio Filho, de 29 anos, invadir a residência dela na noite do último sábado, 5 de agosto. Com agressões e ameaças, ele a manteve, juntamente com os dois filhos, uma menina de 3 anos e um garoto de 10, em cárcere privado no município de Macaíba, na Região Metropolitana de Natal.
“Eu tenho 3 filhos dele; em casa estavam dois. Moro em uma residência cedida pela mãe do Marigel. Ele foi direto para minha casa e começou a me ameaçar. Pedi que ele saísse. Foi daí que tudo começou. Saiu me puxando e me agrediu com socos e facadas. Disse que só sairia de lá morta”, relembrou Elisangela.
As horas de aflição terminaram após os militares do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) ouvirem pedidos de socorro vindos de dentro da casa onde a família estava aprisionada. Os agentes arrombaram a porta da residência e conseguiram libertar as três vítimas com vida.
Para a mãe das três crianças, o medo se fez presente durante todo o tempo. A mulher de 28 anos afirmou que pensou realmente que seria morta pelo ex-companheiro. Em 2014, ela foi vítima de tentativa de feminicídio praticada pelo homem, pai dos próprios filhos. Elisangela foi atingida por disparos de arma de fogo, foi socorrida e sobreviveu ao atentado.
Anos depois, em 2021, um primeiro episódio de cárcere foi registrado no mesmo endereço. Na época, Marigel se rendeu após algumas horas. Devido aos casos de violência doméstica, a vítima das agressões solicitou à justiça uma medida protetiva contra o ex-companheiro, que não foi concedida apesar de ele ser reincidente. “Não entendo porque a justiça não me concedeu essa medida, mas espero que agora eu possa viver tranquila. Tenho medo pela minha vida”, afirmou.
O caso de Elisangela coloca em xeque a efetividade das medidas protetivas, ganhando maior destaque por ocorrer no mês de enfrentamento à violência contra mulher. Números da Coordenadoria de Informações Estatísticas e Análises Criminais (COINE), ligada à Secretaria Estadual de Segurança Pública (SESED), apontam que 387 medidas foram descumpridas de 01 de janeiro a 31 de julho de 2022. Já em 2023, no mesmo período, foram contabilizados 618 descumprimentos.
De acordo com os dados do Contador de Medidas Protetivas do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, de janeiro até o início de agosto deste ano, 2.814 medidas protetivas foram concedidas no estado. O número equivale a uma concessão de medida a cada 33 minutos.
Para a justiça, o desafio é ainda maior: conceder medidas, monitorar os agressores e proteger as vítimas que estão em vulnerabilidade. “Houve uma grande elevação nas concessões de medidas protetivas. Ainda temos, sim, um percentual pequeno de descumprimentos. Neste caso, a primeira ação é noticiar aos órgãos que fazem o monitoramento. Não notificar faz com que o fator de risco à vítima fique ainda maior. Cada passo, por menor que seja, mas que não está em concordância com a decisão judicial deve ser comunicado, para que então, as medidas punitivas em relação ao agressor sejam aplicadas”, esclareceu Érica Canuto, promotora de justiça do MPRN.
De acordo com Fábio Ataíde, responsável pela Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do TJRN, os casos são analisados individualmente para trazer segurança às vítimas e punição aos agressores.
“Uma vez constatada a violência contra a mulher, seja ela física, psicológica, moral ou sexual, o juiz pode conceder uma das medidas, tanto para o agressor como para a vítima. No caso do agressor, essas medidas variam entre afastamento do núcleo familiar, suspensão de porte de arma, participação em programas de reeducação e acompanhamento psicológico. Já para a vítima, programas de assistência, permanência em domicílio, afastamento de até seis meses do trabalho ou questões relacionadas aos filhos podem ser aplicadas”.
No estado, os pedidos são direcionados e divididos entre as comarcas. Com base nos registros do TJRN, o município de Pau dos Ferros concentra o maior percentual de solicitações devido ao quantitativo populacional, numa média de seis pedidos por mês. Parnamirim ocupa a segunda posição com 48 pedidos, seguido por Natal, Mossoró e Caicó. Na tentativa de tornar o combate à violência contra as mulheres mais eficaz, o Tribunal de Justiça estadual tem desenvolvido mecanismos para garantir segurança, qualificação profissional e também ampliar a rede de apoio às vítimas.
“A partir deste mês de agosto, o Tribunal editou um ato determinando que, nas próximas contratações, haja a destinação de 5% das vagas para empregar mulheres, incluindo 2,5% deste percentual para mulheres vítimas de violência doméstica”, afirmou o coordenador do TJRN.
No caso de Elisangela Lima Ferreira da Silva, após passar por audiência de custódia na última terça-feira (8), a Justiça optou por manter a prisão preventiva de Marigel, levando em consideração seu histórico criminal e reincidência nesse tipo de crime.
Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o Rio Grande do Norte registrou um aumento de 37% nos casos de violência doméstica em 2022 em comparação com o ano anterior. Em relação ao número de medidas protetivas de urgência concedidas nesse período também houve crescimento de 30%.
Em 2021, foram registrados 1.988 casos desse tipo de violência no estado. Esse número subiu para 2.740 no ano passado, de acordo com o relatório. O crime referido é o de lesão corporal dolosa praticada em contexto doméstico e se refere a todo ato de violência física praticado contra a mulher no ambiente familiar.
O Anuário também analisou o número de medidas protetivas de urgência requeridas e concedidas. E em ambas as situações houve aumento no estado. O número de pedidos aumentou 7% no ano, subindo de 4.532 em 2021 para 4.871 em 2022.
O oitavo mês do ano é dedicado à conscientização pelo fim da violência contra a mulher através da campanha Agosto Lilás, que busca chamar a atenção da sociedade para o tema. A campanha foi criada em referência à Lei Maria da Penha que completa 17 anos em 2023 e surgiu para amparar mulheres vítimas de vários tipos de violência como física, sexual, psicológica, moral e patrimonial.
No Rio Grande do Norte, mecanismos como a Patrulha Maria da Penha com atuação do município e estado têm auxiliado na efetividade do combate à violência contra as mulheres potiguares. Recentemente, uma nova ferramenta de enfrentamento desses casos está sendo disponibilizada para as mulheres.
O Protocolo Girassol do Ministério Público estadual foi lançado no início de 2023. O projeto monitora de forma efetiva mais de 70 mulheres que passaram pelo descumprimento de medidas de proteção à violência doméstica. Através do projeto, as vítimas são amparadas com suporte jurídico e psicológico, além de receberem capacitações para o mercado de trabalho. A iniciativa intensifica a rede de apoio ao enfrentamento da violência junto aos órgãos municipais e estaduais, como também das instituições públicas e privadas.
“O girassol é uma planta que se vira para a luz, e quando não existe luz, eles viram uns para os outros. Essa metáfora é muito significativa, já que no projeto temos mulheres na mesma situação de descumprimento das medidas protetivas. Sendo assim, uma dá força para a outra. Quando existe por parte do agressor o não cumprimento da decisão, essa vítima é incluída no protocolo e é acompanhada incisivamente pelas promotoras ou servidores que fazem parte do projeto”, explicou Érica Canuto.
O trabalho conjunto entre os órgãos garante às vítimas a confiança em todo o processo, desde a denúncia, até mesmo a decisão final do juiz.
A promotora destaca a importância dos projetos no combate à violência contra as mulheres do Rio Grande do Norte. “Com os projetos que desenvolvemos aqui no Ministério Público, podemos acompanhar de perto as vítimas. Temos também que celebrar a efetividade dessas ações, onde desde o começo dos trabalhos relacionados a esse tipo de caso, nenhuma mulher foi vítima de feminicídio”.
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