Relator dos atos criminosos de 8 de janeiro, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), mantém na cadeia seis manifestantes, apesar de a Procuradoria-Geral da República (PGR) defender a liberdade dos acusados. O magistrado optou pela prisão por ver supostas ameaças em redes sociais. Os detidos, no entanto, não têm acesso à internet nos presídios e, em liberdade, poderiam ter de obedecer a restrições como a suspensão de perfis nas plataformas digitais.
A ordem, de ofício, quando não há pedido do órgão responsável pela ação penal – no caso, o Ministério Público Federal -, é questionada pela Defensoria Pública da União e especialistas, que apontam supostas ilegalidades em decisões do magistrado. Pelo Código de Processo Penal, um juiz não pode decretar preventiva de ofício.
A ordem de uma preventiva precisa ainda seguir critérios previstos em lei, como se os acusados são réus primários, ou não; se respondem por crimes com penas consideradas baixas ou altas; e ser pedida pelo Ministério Público. Com os presos enquadrados nesses critérios – primários, penas baixas e sem pedido da PGR -, a DPU apresentou habeas corpus perante o STF. Todos os presos foram levados da frente do Quartel-General do Exército, no dia 9 de janeiro, após os ataques na Praça dos Três Poderes.
Quem foi preso nas imediações do QG é acusado pela PGR de dois delitos, previstos no Código Penal: incitação ao crime contra os Poderes constitucionais e associação criminosa, cujas penas máximas, somadas, chegam a três anos e meio. Quando ofertou as denúncias contra esses manifestantes, a PGR pediu que todos pudessem responder em liberdade, com restrições, como o uso de tornozeleira eletrônica, vedação de dialogar com outros réus e proibição de acesso a redes sociais, por exemplo.
Nas decisões de 16 de março, Moraes afirma, no entanto, que os radicais não podem ganhar as ruas porque usaram as redes para divulgar ou enaltecer as manifestações das quais participaram em Brasília. Há prints de vídeos que já foram retirados do ar, filmagens de ônibus de excursão, notícias das cidades de origem dos denunciados e uma live feita de dentro da Academia Nacional de Polícia, local para onde foram levados antes da custódia e onde ainda estavam com celulares. Desde então, não tiveram mais acesso a aparelhos.
Trechos aparecem idênticos em todas as decisões de Moraes. “Considerando o fato de o investigado ter feito uso das redes sociais para divulgação dos atos antidemocráticos, mostra-se evidente a necessidade de manutenção da custódia cautelar para resguardar a ordem pública, mesmo não sendo o investigado apontado como um dos executores materiais”, escreve.
“O investigado, no dia dos atos criminosos, mesmo depois de detido, realizou postagens nas redes sociais com desinformação a respeito das condições da detenção e com apologia da continuidade dos atos criminosos”, diz outro trecho comum às decisões de Moraes questionadas nos HCs.
Em março do ano passado, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça afirmou que um juiz decretar a prisão preventiva, mesmo com o pedido de uma cautelar feito pelo MP, não configura decisão de ofício. O caso, no entanto, não é vinculante e se trata de um precedente na jurisprudência. No caso dos atos golpistas, a DPU, diante das prisões impostas por Moraes, recorreu ao instrumento do HC. Dos seis a que o Estadão teve acesso, apenas um está em segredo de Justiça. Eles foram ajuizados entre 25 de março e 2 de abril.
A DPU, no entanto, já havia tentado outros caminhos. “Pedimos a liberdade das pessoas, e o pedido foi negado pelo relator (Moraes). Interpusemos o agravo (recurso contra uma decisão no próprio processo), que, todavia, também depende dele para ser pautado. Assim, não restou alternativa além da impetração de habeas corpus para se evitar prisões indevidas”, disse o defensor público federal Gustavo Ribeiro.
A reportagem procurou o Supremo e a PGR para questionar sobre os seis habeas corpus, mas não houve resposta até a publicação deste texto.
Segundo a DPU e especialistas, há duas ilegalidades nas decisões de Moraes. A primeira estaria na proibição de o juiz decretar a prisão de ofício – apesar de entendimentos jurisprudenciais em contrário. Além disso, o artigo 313 do CPP estabelece que um dos requisitos para a preventiva é que os crimes investigados tenham pena de, no mínimo, quatro anos. Os seis assistidos pela DPU, se condenados, cumprirão no máximo três anos e meio em regime aberto.
“Não se pode trazer o momento da condenação final, em que tudo já foi provado e pode-se enviar um indivíduo para a cadeia, como parâmetro para decretar uma preventiva”, disse o professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie Alexis de Couto Brito. “O cumprimento da pena é pelo crime causado. A preventiva serve para proteger o processo. Ela é instrumento processual de prevenção, não de retribuição.”
“Manter a prisão de alguém pela noção ampla de ‘risco democrático’ não é justificativa dogmaticamente forte”, afirmou a professora da Fundação Getulio Vargas Raquel Lima Scalcon.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Receba notícias em primeira mão pelo Whatsapp
Assine nosso canal no Telegram
Siga o NOVO no Instagram
Siga o NOVO no Twitter
Acompanhe o NOVO no Facebook
Acompanhe o NOVO Notícias no Google Notícias