Futebol, política e religião são assuntos que não se discutem. Com certeza você já ouviu essa frase de algum familiar mais experiente. Mas, nos últimos anos, essa ‘orientação’ aos mais jovens não tem sido levada ao pé da letra nem mesmo pelos mais antigos. Se a polarização política já existiu no Brasil em outras décadas e passou algumas dezenas de anos adormecida, ela voltou com força total em 2014 e foi ganhando novos capítulos a cada eleição.
No ano de 2014, o segundo turno entre Dilma Rousseff (PT), que buscava a reeleição, e Aécio Neves (PSDB) motivou diversas manifestações pelo país e também muitas discussões entre familiares e amigos. O resultado foi um dos mais acirrados da história brasileira, perdendo apenas para o do último domingo, 30 de outubro. Após a eleição, muitos acreditavam que o país, até então dividido, voltaria a se ‘unir’.
Essa união não veio. Pelo contrário. Os ânimos ficaram ainda mais acirrados quando se iniciou, em dezembro de 2015, o processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff. Durante quase um ano, brasileiros saíram às ruas para pedir a saída da petista do cargo de chefe do Executivo Nacional. Quando o processo chegou ao fim e Dilma saiu de cena para que o seu vice, Michel Temer (MDB), assumisse, mais uma vez, alguns acreditaram que era a hora da união. Não, não foi. A polarização aumentou e veio a prisão do ex-presidente e atual eleito, Luis Inácio Lula da Silva. Mais protestos. Contra e a favor.
Em seguida, mais uma eleição acirrada. De um lado, Jair Bolsonaro, que era deputado federal pelo PSL do Rio de Janeiro, se candidatou à Presidência da República, mesmo aparecendo nas primeiras pesquisas de intenções de voto com apenas 3% dos votos. Do outro lado, Fernando Haddad representava o Partido dos Trabalhadores, que não podia contar com a candidatura de Lula. Novamente, país dividido, números bastante apertados, que culminaram com a vitória de Bolsonaro em segundo turno.
Quatro anos se passaram e a sonhada trégua não veio. Lula saiu da prisão, alguns dos seus processos foram anulados por suspeição, o que lhes conferiu o direito de voltar a concorrer à Presidência. Mais confusão. Com a eleição posta e o segundo turno já definido, ainda mesmo durante o primeiro, a rivalidade estava em alta. E Bolsonaro e Lula, assim como seus eleitores, declaravam guerra.
Eleição, mais uma vez, concluída. Vitória de Lula por 50,9% contra 49,1% de Bolsonaro, o que representou uma diferença de apenas 2 milhões de votos. A disputa mais acirrada desde a redemocratização do Brasil. Eleitores de Bolsonaro não aceitam o resultado e mais protestos continuam pelos quatro cantos do país. Em breve, teremos a Copa do Mundo e muitos acreditam que nem a paixão do brasileiro pelo futebol será capaz de unir o país.
O NOVO procurou especialistas para ouvir a opinião deles sobre o assunto. Será que, diante de tudo que aconteceu e continua acontecendo, ainda é possível ‘unificar’ o país? Para o cientista político Antonio Spinelli, a polarização e o conflito são elementos constituintes da Democracia Moderna e Contemporânea, algo comum, por exemplo, nos Estados Unidos e na Inglaterra, que possuem disputa permanente entre dois partidos políticos, que se alternam no poder e se enfrentam como adversários.
“A questão não é necessariamente a nação. Mas de encarar o conflito político como algo normal, como um elemento constituinte da política democrática. Os governantes têm o dever de preservar as instituições democráticas e isso, obviamente, envolve não considerar o adversário como um inimigo que deve ser eliminado. É afirmar suas propostas, quando for maioria e, quando for governo, colocar em prática um programa que seja coerente com seus princípios. Já quando estiver na oposição, exercer o dever de oposição, apresentar contrapropostas e fazer críticas ao governo. Isso é garantir minimamente um estado de paz social”, afirma o cientista político.
Para ele, a ‘unificação’ é uma tarefa difícil. “Unificar é quase impossível porque são sempre interesses conflitantes na sociedade. O que deve ser estabilizado é o próprio conflito, é a aceitação do conflito como o elemento constituinte da política democrática”, completa Spinelli.
Para o sociólogo Thiago Medeiros, esta foi a eleição mais polarizada de todas. “Apesar de outras eleições polarizadas, a de 2022 foi ainda mais intensa, pois foi a única com mais votantes no segundo turno do que no primeiro e com baixo nível de brancos e nulos. Além de ter sido bastante apertada, onde também o segundo colocado seria eleito em qualquer outra eleição, diante do número de votos que obteve. Outro aspecto relevante e talvez o mais peculiar de todos, é que estamos diante de dois grandes líderes populistas, cada um no seu espectro de poder, e esse ‘duelo de titãs’ foi a grande marca da campanha. A campanha foi marcada pela hipermoralização do debate, o bem contra o mal, visto por cada lado. Com poucas propostas discutidas, foi pautada a desconstrução da imagem dos candidatos numa batalha das rejeições”, analisa o sociólogo.
Unificar o País passa, para ele, pelo cuidado nos discursos e nas ações de Lula e Bolsonaro. “Em seu primeiro discurso lido, o presidente eleito Lula deixou claro que não dividiria o País. Cada movimento, cada escolha do PT poderá provocar turbulências, visto que os bolsonaristas seguem bem articulados e dispostos a protestar. Lula optou desde o início da sua campanha por passar uma mensagem de união e democracia, mas para governar ele precisará lidar com duas resistências: a dos bolsonaristas nas ruas e a política. Para a primeira, o tempo e a qualidade do seu governo deverão ir acalmando os ânimos. Já em relação à segunda, ele terá que compor com o Congresso e Senado para obter um número de parlamentares suficientes para conseguir aprovar seus projetos. Esperamos que a maioria da população aceite o resultado das eleições e que possamos começar a andar para frente. Esse será um grande desafio do bolsonarismo, o de ser uma oposição propositiva, sem extremismos”, conclui Thiago Medeiros.
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