Educação

“Não há remédio certo para as dores da alma”

De acordo com a OMS, houve um incremento de 25% nos casos de ansiedade e depressão em todo o mundo, no primeiro ano da pandemia de Covid-19

Publicado 6 de novembro de 2022 às 17:43

Em março deste ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou um relatório no qual afirma que no primeiro ano da pandemia de Covid-19, 2020, houve um aumento de 25% na ocorrência de ansiedade e depressão, em todo o mundo. Em 2019, o Brasil figurava no topo da lista do número de casos de ansiedade registrados em um país, com 18,6 milhões de pessoas com a doença, o que representa cerca de 10% da população brasileira.

Os mistérios que envolvem os cuidados com a saúde mental, por se tratar de uma área essencialmente subjetiva, apesar do avanço da medicina nesta área, ainda faz dos que sofrem das doenças da mente alvo de estigmas e preconceitos. Essa é uma realidade que vem pouco a pouco sendo modificada por meio do esclarecimento e, também, da identificação de casos cada vez mais próximos das pessoas.

Talvez seja essa áurea de mistério a respeito do inconsciente uma das causas do interesse pelo assunto. Não por acaso, os problemas de saúde mental são temas recorrentes na literatura, como é o caso do conto “O alienista”, de Machado de Assis, publicado em 1882, em uma demonstração de que, dois séculos depois, o interesse pelo tema segue em alta pelo fato de ser de necessária discussão, afinal, como afirma o autor, “Não há remédio certo para as dores da alma.”

É a busca por esse remédio que leva Simão Bacamarte, o alienista – nome dado aos psiquiatras no tempo do Brasil colônia, período no qual se passa a narrativa – que, com apoio do poder público, cria um manicômio para estudar a loucura, bem como suas respectivas causas e um remédio universal. “A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente.”

Em um texto curto, mas repleto de reviravoltas que revelam o desafio de estudar o funcionamento da mente humana, Simão Bacamarte identifica os loucos que, reunidos por meio de internamento compulsório, o permitirão dar respostas, à luz da ciência, aos objetos da pesquisa em andamento. Mas, sem encontrar verdades absolutas, o alienista se questiona se não são aqueles que julga como normais os verdadeiros loucos, o que o leva a inverter os internamentos, até que passa a duvidar de si mesmo e da própria sanidade. “A razão é o perfeito equilíbrio de todas as faculdades; fora daí insânia, insânia e só insânia.”

O tempo revela a contemporaneidade deste conto de Machado de Assis, tendo em vista os dados da OMS sobre o Brasil e o mundo e os desafios de encontrar repostas únicas e homogeneizadoras em uma área que requer a consideração da individualidade dos ditos alienados, pois se tem uma coisa que pandemia da Covid-19 escancarou foi a impossibilidade de linearidade na vida e no desenvolvimento humano. “Notam, com muita perspicácia, o imenso poder moral de uma ilusão.”

Talvez, seja justamente essa constatação a causa de tantos casos de ansiedade e depressão, mesmo antes da pandemia, pois o desconhecido é um fator de estresse natural ao ser humano, que teme o que não consegue prever. “Terror também é o pai da loucura.”

Leitura mais do que recomendada, em especial nesta edição da editora Antofágica, que conta com ilustrações de Cândido Portinari. ♡

E, se sentir necessidade, não hesite em procurar ajuda profissional, pois, como diz Machado de Assis, a “prudência é a primeira das virtudes em tempos de revolução.”

“As tempestades só aterram os fracos; os fortes enrijam-se contra elas e fitam o trovão.”