“O medo golpeia mais profundamente do que as espadas.” Essa frase dita repetidas vezes por Arya Stark em “As crônicas de Gelo e Fogo”, de George R. R. Martin, que deu origem à série “Games of Thrones”, ressoa na memória desde o período dedicado à leitura de “O Alquimista”, de Paulo Coelho, dias atrás.
Neste, é fácil identificar que, mesmo com contextos bastante distintos, as obras de George Martin e Paulo Coelho têm como fio condutor os dilemas humanos e, em especial, como o medo é capaz de paralisar o caminhar das pessoas em busca daquilo que o Alquimista chama de lenda pessoal.
A lenda pessoal, explica o Alquimista, é aquilo que cada um sempre desejou fazer, desde muito cedo.
No livro de Coelho, Santiago vai da Espanha ao Egito em busca da realização de um sonho. No caminho, se depara com pessoas que, como ele, sonhavam em realizar as próprias lendas pessoais, mas que, mesmo com mais condições do que ele mesmo, não se permitem sair do lugar. O medo paralisa e fere mais do que a espada.
As lutas, sejam elas concretas ou psicológicas, são inerentes à jornada de todas as pessoas. Não por acaso, os personagens do livro são identificados de maneira genérica, como “o rapaz”, “o Alquimista”, “o estranho”, “uma mulher”, por exemplo. Apenas ao final do livro, a identidade do protagonista é revelada e, não, isso não é uma informação antecipada da história para quem ainda não a conhece porque o nome de Santiago é conhecido desde 1988, quando “O Alquimista” foi lançado pela primeira vez.
Vale ressaltar que apesar de, culturalmente, as pessoas ainda resistirem em falar abertamente sobre medo e vulnerabilidade, esses são temas tão presentes no cotidiano social que fizeram deste livro o título mais traduzido da história do Brasil e um dos dez mais traduzidos do mundo, podendo ser encontrado em mais de 80 idiomas. Paulo Coelho é único autor vivo desta lista, que inclui nomes como Lewis Carol e Miguel de Cervantes, segundo dados compilados no preply.com .
A busca das pessoas por este livro corrobora a não personalização dos personagens porque o medo é algo que todos nós sentimos. Alguns mais, alguns menos. Mas ele é presente. Sempre, mesmo que a maioria prefira fingir que não. No entanto, quando paramos para observá-lo é que conseguimos dar legitimidade ao que já existe e lidar com a realidade que se apresenta. Daí a relação feita entre Santiago e Arya e, posteriormente, com uma fala do jornalista Rodrigo Vizeu, no último episódio do podcast “Passado a Limpo”, no qual ele aborda em dez episódios o caminho que o Brasil trilhou nos últimos dez anos e que nos trouxe até as eleições de ontem e, segundo ele, “neste ponto da estrada em que estamos, aconteça o que acontecer, a previsão é de tempestade.” É o medo no ar.
E é diante da tempestade que precisamos alimentar as duas qualidades que, segundo o Alquimista, acalmam o coração, apontado por ele como o guia natural da concretização da lenda pessoal de cada um: coragem e entusiasmo para viver o dia de hoje, porque “no presente é que está o segredo; se você prestar atenção ao presente, poderá melhorá-lo. E se você melhorar o presente, o que acontecerá depois também será melhor.”
Como bem diz o Alquimista, nada o impede de viver sua lenda pessoal além de você mesmo.
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