Trinta dias consecutivos de leitura de poemas escritos por Charles Baudelaire, em “As flores do mal”, e a constatação de que, de maneira mais intensa do que acontece com o texto em prosa, o significado textual é de quem lê. Isso acontece porque, associada à estrutura do poema, organizada em versos, a linguagem que o compõe é, em essência, de significados múltiplos, em forma e conteúdo.
Mais do que se perguntar sobre o que o autor fala em cada poema, o contato com esse gênero coloca o leitor diante de um espelho que o faz questionar o que é capaz de compreender a partir daquelas linhas que, entrelaçadas, as fazem parecer uma trama que dá sustentação às mais variadas realidades com as quais estabelece contato. Assim, a interpretação de um texto depende de cada leitor, como a observação da realidade, que também depende do recorte dado pelo observador e do contexto no qual está inserido.
Ao mesmo tempo em que aumenta a responsabilidade do leitor de ser capaz de dar sentido ao conteúdo que tem diante dos olhos, a leitura de um texto que traz intensamente em si mesmo as marcas da subjetividade humana estimula a mais pura abstração àquele que o lê, como também dá ênfase à percepção do necessário exercício que é pensar de maneira diferente e, por vezes, divergente da que se está acostumado a fazer. O crescimento se dá no contato com o desconhecido!
A leitura de poemas requer do leitor a disposição para soltar as estruturas tradicionais que dão a ele a sustentação do pensamento para aceitar a abstração natural ao pensar e ao sentir. Sim, é preciso sentir o que o texto provoca para conseguir traduzir as sensações e os sentimentos em palavras que, como as expressas em cada um dos poemas que integram “As flores do mal”, que dão novo significado ao caminhar de quem os lê.
É por exercícios como esse, que tiram o leitor da zona de conforto, que é possível abrir espaço para expressão da criatividade, pois, a cada experiência de leitura, há a identificação de significados diferentes ao mesmo texto e novas formas de ver e perceber a si mesmo e ao mundo ao redor.
Por mais que pareça ser esta uma experiência desconfortável, já que nem todos os textos serão compreendidos na primeira leitura, na verdade é o contrário disso. A leitura de poemas deve ser encarada como uma aventura de exploração do desconhecido que oferece um infinito de possibilidades aos que se dispõem a encarar o medo da exposição às próprias limitações.
A leitura é um exercício de compreensão de si mesmo, muito mais do que de compreensão do outro e daquilo que ele quer dizer. O significado dado ao entrelaçado de letras e frases é resultado das experiências vividas e do conhecimento acumulado. A dificuldade de compreensão revela as lacunas que ainda poderão ser preenchidas ao longo da vida do leitor, na construção pessoal de cada indivíduo. Mais do que olhar para trás, essa é uma vivência que permite ao leitor olhar para frente. Ela favorece a escolha consciente dos passos a serem dados que podem levar ao desenvolvimento de habilidades reflexivas que vão além da relação imediata entre um objeto e a realidade.
Charles Baudelaire foi um escritor francês do século XIX que, nascido em Paris, viveu sem grandes perspectivas, colaborou com diversos periódicos e tem entre os escritos publicados a tradução da obra de Edgar Allan Poe. Baudelaire sofreu um acidente vascular cerebral, aos 45 anos, que resultou na paralisação de um dos lados do corpo e em danos neurológicos na área do cérebro responsável pela linguagem. Um ano depois, morreu em Paris, no dia 31 de agosto de 1867, mas não sem deixar registrada em trabalhos como “As flores do mal” a forma como percebia o mundo.
Leitura que segue. 👣
“Como um navio que desperta
Ao ar matinal,
Minha alma que sonha se alerta
Para um céu casual.”
A serpente que dança
Charles Baudelaire | As flores do mal
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