Educação

Avanço tecnológico e o direto ao livre-arbítrio

Em 2021, o Chile aprovou uma emenda à Constituição para garantir a preservação dos neurodireitos

Publicado 5 de outubro de 2022 às 18:21

Lendo a coluna do especialista em tecnologia Ronaldo Lemos, na Folha desta semana, sobre neurodireitos, lembrei de uma conversa com uma pessoa, um tempo desse, sobre os perigos que o uso indiscriminado da tecnologia trouxe para nossas vidas, o que muitas vezes é ignorado por nós. Entre outras coisas, a discussão abordou a perda da autonomia a que nos submetemos ao atribuir ao algoritmo a responsabilidade de fazer escolhas por nós, permitindo que a inteligência artificial se aproprie daquilo que nos diferencia da máquina.

Nessa conversa, o interlocutor questionou a preocupação apresentada a respeito daquilo que considerou como “suposto perigo” o alerta feito por estudiosos das mais diversas áreas, que vai desde o vazamento de dados aos danos neurológicos que podem, sim, ser causados pelo uso excessivo das novas tecnologias.

Mesmo sem conseguir identificar com exatidão o que é o uso excessivo, dados do mundo digital de 2020 revelaram que o brasileiro passa em média nove horas e meia por dia na internet, tempo que, certamente aumentou consideravelmente durante o período mais crítico da pandemia da Covid-19. Entre os possíveis danos da manutenção desse hábito vale o destaque ao impacto negativo no desenvolvimento do raciocínio crítico e reflexivo, bem como da capacidade de análise da realidade em sua complexidade.

Apesar de ter apresentado, na argumentação, dados de levantamentos e informações a respeito dos pesquisadores responsáveis que influenciam a preocupação expressa sobre a manutenção da autonomia, ciente de que não há como tirar a tecnologia da vida, mas que não há necessidade de subserviência a ela e àqueles que as manipulam, a alegação apresentada na contra-argumentação foi de que tais alegações estariam mais para teorias da conspiração.

Quando não há espaço para o contraditório, a conversa morre, pois o diálogo não acontece e a manada apenas segue o fluxo.

Pois bem, eis que na coluna de Ronaldo Lemos, ele ressalta que a preocupação dos especialistas sobre a necessidade de preservação dos neurodireitos se dá pelo fato de a corrida tecnológica pela colonização profunda do nosso cérebro não acontece para a melhoria da condição humana, mas sim para a venda de anúncios cada vez mais irresistíveis e a consequente manutenção de um sistema baseado na manipulação das pessoas para comprar o que não precisam, com o dinheiro que não têm.

A atividade cerebral e a informação que dela decorre deve ser preservada por lei

Segundo Lemos, a defesa da regulamentação do setor visa a manutenção da integridade psíquica dos indivíduos, principalmente daqueles que não têm noção do perigo que correm. O Chile, afirmou ele, foi pioneiro nesse caminho e, em 2021, aprovou uma emenda à Constituição para a proteção dos neurodireitos.

Nesse caminho, diz o especialista, há um consenso, no momento, a respeito dos cinco pilares a serem preservados: o direito à privacidade mental; o direito à igualdade de acesso ao benefício mental; o direito à proteção da identidade e da consciência; o direito à proteção contra a discriminação feita por algoritmo; e o direito ao livre-arbítrio. Sim, há uma preocupação real com a preservação do livre-arbítrio!

A falta de compreensão dessa realidade que nos é intensamente imposta está exemplificada no diálogo mencionado anteriormente e do perigo que isso representa para grande parcela da população que não consegue perceber aquilo que está, literalmente, diante dos olhos.

Àqueles que insistem na manutenção da autonomia e, por isso mesmo, têm um pouco mais de entendimento sobre o perigo que aí está, têm também a responsabilidade de estabelecer diálogo com essas pessoas, com o objetivo de alertar, esclarecer. Afinal, todos nós estamos no lugar da ignorância – no sentido do não saber – em relação aos mais variados assuntos e não podemos partir do pressuposto que aquilo que é óbvio para mim o é para todos, pois, na verdade, não é.

A mudança é inerente à vida e à realidade com a qual lidamos desde o nascimento. Tentar evitá-la é lutar contra a essência do ser humano e aprender de forma consciente com as transformações cotidianas é o que nos diferencia das máquinas, que são programadas para fazer sempre a mesma coisa.