A revista britânica The Economist, uma das mais conceituadas publicações do mundo, traz nesta semana uma edição especial sobre o Brasil com uma série de críticas ao governo Jair Bolsonaro. Como em outras vezes que se referiu ao País, a revista traz na capa uma nova ilustração do Cristo Redentor, desta vez respirando com uma máscara de oxigênio.
No especial, que é capa da revista sob o título ‘A década sombria do Brasil’, a revista descreve o presidente brasileiro como um homem que quer “destruir as instituições, não reformá-las”, “esmagou todas as tentativas” de uma exploração sustentável da Amazônia e revelou serem “falsos” todos os votos favoráveis à renovação política.
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Ao citar o apoio dos militares a seu governo, a revista diz que os generais que se aliaram a ele “esperavam fazer avançar a agenda do Exército” mas, “em vez disso, prejudicaram suas reputações” e afirma que, “sob Eduardo Pazuello, o Ministério da Saúde parecia uma ‘boca de fumo’ (escrito em português e traduzido) para hidroxicloroquina”.
O especial termina com uma reportagem intitulada “Hora de ir”, que afirma que o futuro do País depende do resultado de 2022. O texto destaca o apoio dos militares ao atual presidente, mas destaca o ônus aos generais em apoiar o presidente e os riscos de o presidente, e seus apoiadores cada vez mais armados, não aceitarem um resultado adverso nas urnas. Em março de 2016, a revista deu a foto da então presidente Dilma Rousseff na capa, também com o mesmo título, “Hora de ir”.
A reportagem aborda a dificuldade dos partidos de centro em encontrar um nome em comum para a disputa do pleito e, ao citar Lula, que lidera as pesquisas eleitorais, afirma que o ex-presidente “precisa mostrar como o manejo da pandemia custou vidas e formas de sustento, e como Bolsonaro governou para sua família e não para o Brasil”. Para a Economist, “o ex-presidente deve oferecer soluções, não ‘saudades’ (escrita em português e traduzida como nostalgia)” dos anos em que governou o País.
Para a revista, “para voltar aos trilhos, o Brasil deve lidar com velhos problemas”, citando favorecimentos fiscais para a indústria e para funcionários públicos e leis tributárias e trabalhistas que distorcem ou desencorajam o investimento.
A reportagem foi a locais como Camaçari, na Bahia, para mostrar o “sonho adiado” das pessoas que ascenderam à classe C ao longo dos governos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva mas que, depois de uma série de problemas listados pela publicação (em especial as medidas econômicas adotadas no governo Dilma Rousseff), passaram a viver em um contexto de desemprego e queda de renda. O retrato é Vinícius Rabelo, um neto de plantadores de mandioca que trabalhou na fábrica (recém-fechada) da Ford na cidade e que, hoje, vive como motorista de Uber.
A revista cita uma série de problemas que levaram a esse quadro, passando por uma falha do PT em não investir em uma infraestrutura que prometesse ganhos de longo prazo, a política econômica de Dilma, um controle de gastos nunca realizado pelo País e, por fim, a crise do coronavírus e a baixa taxa de vacinação. Porém, a revista aponta “vislumbres de esperança” com a agricultura em alta, as commodities voltando a terem preços em alta e, no caso de Camaçari, a transformação da cidade em um hub logístico entre Salvador e o oeste da Bahia.
Menos otimista é a reportagem “Andando para trás”, que aborda o fim da Operação Lava Jato sob o governo Bolsonaro e a aliança malsucedida entre o presidente e o juiz da operação, Sérgio Moro, “que estava orientando promotores inapropriadamente” durante as investigações. O texto descreve os retrocessos no País para o controle da corrupção, mesmo após toda a investigação feita a partir das delações de executivos da Odebrecht, e ainda cita os esforços do presidente, tensionando as instituições, para proteger os filhos de investigações criminais. A reportagem diz que o caso do “tratoraço”, revelado pelo Estadão, em que o Ministério do Desenvolvimento destinou até R$ 3 bilhões para compras suspeitas de superfaturamento para parlamentares, “minou as alegações de Bolsonaro de que não houve nenhum escândalo desde que ele assumiu o governo”.
A Economist foi ainda para o Território Sete de Setembro, terra indígena na divisa entre Rondônia e Mato Grosso, na reportagem mais longa do especial, “Árvores de dinheiro”, que disseca os conflitos entre indígenas, madeireiros, garimpeiros e criadores de gado, tendo com a preservação da Amazônia como pano de fundo. A reportagem destaca que os povos residentes na região são os mais pobres do País, afirma que as oportunidades de renda a partir das atividades ilegais acabam atraindo mesmo os indígenas moradores das áreas protegidas e que faltam investimentos em pesquisa na região.
O texto fala em “cruzada” lançada pelo ministro Ricardo Salles contra o Fundo Amazônia e relembra da reunião ministerial de abril do ano passado, em que ele sugeriu “ir passando a boiada” de desregulamentação enquanto a atenção da imprensa estava na covid-19 e dá exemplos desse esforço em alterações legais, citando a autorização para garimpo em territórios indígenas. Isso sem deixar de citar a perseguição a agentes da Polícia Federal que investigam Salles.
Ao olhar para os demais políticos do País, no texto “Necessidade de reformas”, a publicação britânica diz que “Brasília está cheia de políticos jovens com ideias velhas”, citando frase da deputada federal Joênia Wapixana (Rede), primeira indígena do Congresso. O texto destaca que, depois dos protestos de 2013 e de 2016, que terminaram com o impeachment de Dilma, o parlamento brasileiro sofreu sua maior renovação, mas as expectativas de reformas políticas não se concretizaram. “Reformas mais profundas podem incluir distritos menores, regras de financiamento de campanha mais rígidas e admissão de candidatos independentes. Mas nada disso parece provável”, afirma a Economist.
Ainda no campo político, a revista explora o fator do voto evangélico na disputa eleitoral, e analisa que embora Bolsonaro busque neste eleitorado uma de suas principais bases – e conte com o apoio de líderes das principais denominações – o apoio do público evangélico ao presidente não é claro.
A Economist já trouxe edições especiais do Brasil no passado. Em 2009, o Cristo Redentor estava decolando como um foguete, em uma especial intitulada “O Brasil decola”.
Em 2013, a foto era parecida, mas o cristo era um foguete descontrolado, voando a esmo. A reportagem “O Brasil explodiu?” dissecava os problemas econômicos que se vislumbravam naquele ponto, quando o crescimento estava em xeque e a inflação, em alta.
Em abril de 2016, a edição falava colocava o Cristo Redentor pedido socorro. Em editorial, a revista diz que a presidente Dilma Rousseff tem responsabilidade sobre o fracasso econômico, mas que os que trabalham para tirá-la do cargo “são, em muitos aspectos, piores” e cita Eduardo Cunha como exemplo. “No curto prazo, o impeachment não vai resolver isso”. Por isso, a revista defendia novas eleições gerais.
Em 2019, no começo do governo Bolsonaro, a capa trouxe a ilustração de uma floresta de tocos de árvores e teve foco na expectativa de aumento do desmatamento sob a gestão do então recém-empossado presidente.
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