O que antigamente era definido apenas pelo QI, hoje inclui vários outros critérios que podem determinar que alguém tem Altas Habilidades/Superdotação. Sim, essa é denominação correta, embora, para facilitar, ainda se use muito apenas o termo “superdotação”. De acordo com o Censo Escolar do Brasil, em 2020, 24.424 estudantes brasileiros apresentavam esse perfil. O número é pequeno se comparado à estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS), que prevê uma média de 5% da população mundial com algum tipo de alta habilidade. A dificuldade para identificar crianças com indicadores de Altas Habilidades/Superdotação também é um motivo que leva aos baixos números registrados oficialmente.
No dia 10 de agosto é celebrado o Dia Internacional da Superdotação, um momento oportuno para desmitificar algumas afirmações comuns e, muitas vezes, equivocadas sobre estas pessoas. Mas quem são essas crianças? Quais as principais características que devem ser observadas?
Renzulli, um dos principais estudiosos da área, formulou a ‘Teoria dos Três Anéis’. Nela, o teórico explica que a superdotação é o resultado da interação entre três fatores: habilidades acima da média, comprometimento com a tarefa e elevados níveis de criatividade. Sua teoria enfoca a atuação do indivíduo, em sobreposição à sua potencialidade e não se atém ao QI e, sim, na junção de fatores, não necessariamente intelectuais.
Pessoas superdotadas têm capacidade significativamente acima da média – considerando a sua faixa etária – em atividades intelectuais, lingüísticas, artísticas, esportivas e tantas outras, podendo ser um fenômeno geral, de múltiplos interesses ou específico. Tudo, porém, não são flores. É consenso entre os especialistas que alunos com estas características, mas não atendidos adequadamente podem se deparar com problemas de aprendizagem e/ou emocionais. Por isso, a identificação é tão importante, pois ela permite que o aluno possa ser reconhecido em sua singularidade e potencialidade e, portanto, melhor acolhido e ter seus interesses e aptidões estimulados.
A neuropsicóloga Priscila Andrade explica que “a avaliação de identificação das altas habilidades precisa ser realizada por profissionais especializados na área das altas habilidades, mas que também fundamentem uma investigação que considere aspectos psicológicos, neuropsicológicos, educacionais e sociais. É imperativo frisar a importância do envolvimento de profissionais da área da psicologia e educação para fins de compreensão global do indivíduo para que sejam ofertadas assistências adequadas e individualizadas”.
No Rio Grande do Norte, existe o Núcleo de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação (NAAH/S), que visa assessorar as escolas para identificar e atender os estudantes com AH/SD. O Núcleo, porém, nunca teve uma equipe. Apenas uma pessoa se capacitou para apoiar todas as escolas da rede estadual. Estatísticas que envolvam pessoas com as características no Estado não são fáceis. “Para ter registro oficial de pessoas com AH/SD, o estado teria que ter órgãos ou instituições que identificasse essas pessoas primeiramente e emitisse um documento comprobatório”, explica ex-coordenadora do Núcleo de Altas Habilidades da Secretaria de Educação do Estado, Ivana Lucena. Isso, infelizmente, não é uma realidade no RN.
Para Priscila Andrade, o principal desafio que uma criança com AH/SD enfrenta é “a ausência de oportunidades mediante políticas públicas para o desenvolvimento das potencialidades e fragilidades”. Já para a família, os maiores desafios envolvem, segundo a neuropsicóloga, a educação emocional destas crianças.
Hoje com 10 anos, Leonardo Lisboa começou a apresentar características de superdotação muito cedo, mas foi ao aprender a ler aos três anos que a sua mãe resolveu dar atenção às suspeitas. “Imaginava que ele era apenas uma criança inteligente, mas até evitava exaltar muito suas qualidades, pois sempre há aquele julgamento de que ‘é coisa de mãe coruja’. Então, até tinha vergonha às vezes de falar, pois parecia que eu estava inventando para supervalorizá-lo”, recorda a mãe do garoto, a jornalista Juliana Manzano.
Segundo ela, o vocabulário rebuscado para a idade e a facilidade para aprendizagem sempre foram características muito nítidas no filho. “Eu percebia que ele diferente das outras crianças da mesma idade, mas quando ele aprendeu a ler e perdeu o interesse na escola, eu comecei a investigar e vi que não era coisa da minha cabeça. No entanto, me senti perdida. Não sabia nem por onde começar e foi quando conheci as professoras Ivana e Adriana, do NAAH/S, que me deram orientação e suporte neste universo que eu não fazia ideia do que significava”, completa Juliana.
Já com o diagnóstico em mãos, o desinteresse do Leonardo nas aulas e as tentativas frustradas do enriquecimento curricular do aluno, foi decidido entre família, psicóloga e escola, a necessidade do avanço escolar. Esta alternativa é a última opção, quando todas as outras não suprem a necessidade da criança. Priscila Andrade explica em que situação o avanço pode ser determinado. “É importante que o especialista que realizou a identificação das altas habilidades possa construir um parecer junto a escola e a família para a averiguação de benefícios e malefícios da aceleração para aquela criança, considerando o funcionamento cognitivo, comportamental, emocional e social”, esclarece a neuropsicóloga.
Leonardo conta que hoje, na turma em que está, consegue manter o interesse no conteúdo. “O fato de ser dois anos adiantado não me atrapalha em nada. Acompanho muito bem os conteúdos, principalmente, a área de exatas, que é a que mais gosto, e me sinto maduro para assumir aos novos desafios. Além da escola, busco estudar sobre outras áreas que tenho interesse como idiomas, por exemplo”, diz o estudante que tem se dedicado ao inglês, alemão, francês e espanhol por conta própria.
O menino apaixonado por robótica, que faz perguntas a todo tempo e não perde a chance de jogar videogame, também tem habilidades musicais. Desde os 4 anos se destaca na bateria, além de também tocar outros instrumentos de percussão e de teclas. “Educar uma criança com estas características é um desafio diário e incessante. Após passar por muitas situações difíceis, inclusive, a rejeição, hoje já conseguimos lidar bem com a situação”, completa Juliana.
Apesar das características e interesses semelhantes, Aimée e Leonardo percorreram caminhos diferentes até aqui. Nascida na Argentina e filha de uma saltenha (norte da Argentina) com um guyanês, ela mora em Natal desde 1 ano de idade. Hoje, estuda no 3º ano do Fundamental I e não foi adiantada. “Escolhemos ir acompanhando as experiências de formação dela em parceria com uma psicóloga especializada em altas habilidades, as professoras da turma, a coordenadora pedagógica e a diretora da escola. Ela não tem acelerado ainda, mas existe essa possibilidade, se mais à frente for necessário”, pontua a mãe, Ana Echazu.
Com apenas oito anos, Aimée é fluente em português, espanhol e tem um nível intermediário de inglês. Gosta bastante de línguas e se dedica a aprender japonês, italiano, tailandês e alemão de forma autônoma. Mas Aimée também gosta de outro tipo de linguagens. Há mais de dois anos, ela faz aulas de programação na escola Yadaa, de São Paulo. Lá desenvolveu o ‘Falador’, um mini app tradutor experimental e está desenvolvendo conhecimentos em python. Gosta de ciências, artes e leituras. Faz aulas de ballet e está na busca constante por um conhecimento cheio de sensibilidade.
Questionada sobre os maiores desafios que têm enfrentado, a mãe de Aimée conta alguns. “A incessante curiosidade, a inquietude após terminar as provas muito antes das outras crianças e não ter o que fazer, a necessidade de experimentar técnicas novas e compartilhá-las com a turma e uma sensibilidade grande perante a dor do/a outro/a”, finaliza Ana Echazu.
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