Uma das maiores riquezas da vida em sociedade está no fato de sermos diferentes. Por mais que exista uma falácia orientando a defesa de uma uniformidade social, basta uma olhadinha ao redor para confirmar a inexistência de um padrão que acolha tudo o que cada um de nós é. Essa prática, denominada de corponormatividade, não só é impossível de ser atendida como corrobora para práticas discriminatórias e toda uma gama de problemas que delas resultam.
Um exemplo disso é o capacitismo, termo que voltou à pauta de discussão por causa da tramitação no Congresso Nacional do Projeto de Lei (PL) 3.179/2012, que trata da regulamentação do homeschooling como modalidade de ensino no Brasil. Aprovado em regime de urgência na Câmara dos Deputados, em 18 de maio, o PL não terá tramitação acelerada no Senado, de acordo com o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD | MG), dada a complexidade do tema.
O capacitismo é uma prática discriminatória da pessoa com deficiência que, por não atender ao padrão corponormativo, é vista como alguém com falha, enquanto o que na verdade deve é ser tratada de acordo com as diferenças que a constituem, como previsto, por exemplo, na lei 13.146, de 6 de julho de 2019 que instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Art. 4o Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação.
Sem respaldo legal e pedagógico, a proposta de educação domiciliar em discussão no Congresso, que defende a na medida retirada da criança e do adolescente do ambiente escolar, ignora um dos pilares fundamentais de formação educacional do indivíduo que é a socialização, tendo em vista que é por meio dela que conhecemos e aprendemos a respeitar a diferença inerente à vida em sociedade.
Como bem afirma o artigo 27 da lei 13.146/2015, “A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem.”
Essa é a mesma lógica defendida pela Organização das Nações Unidas (ONU), desde a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, realizada em 2006 que, entre outras coisas, afirma que no âmbito educacional os Estados parte, como o Brasil, asseguraram às pessoas com deficiência o ensino básico gratuito e compulsório, bem como o acesso ao ensino superior, dos quais não podem ser excluídas sob a alegação de deficiência.
Os dois textos deixam clara a necessidade do convívio social para o desenvolvimento das habilidades do indivíduo, porque é por meio do outro que nos constituímos enquanto ser.
Assim, práticas como a infantilização e o tratamento da pessoa com deficiência como incapaz de compreender o mundo e que por isso deve ser afastada do convívio comum são exemplos de capacitismo por, ao invés de darem ênfase à pessoa humana, negarem a cidadania do indivíduo ao enfatizar a deficiência que nada mais é do que uma diferença que precisa ser respeitada e não superada. Isso também vale para expressões que se propõem a pessoa com deficiência como, por exemplo, especial ou deficiente.
Todas as pessoas são diferentes, se desenvolvem e aprendem de maneiras distintas e devem ter a individualidade respeitada, pois, se a constituição corporal requer adequações, ela não nos faz melhores ou piores, mas sim diferentes.
Não cabemos em padrões previamente estabelecidos e se a nossa geração, prezado leitor, tem dificuldade para compreender isso, as crianças e os adolescentes de hoje têm muito a nos ensinar sobre respeito ao próximo e a importância da convivência com as diferenças.
Não por acaso, eles parafraseiam, mesmo sem saber, Henry Thoreau que, no ensaio escrito em 1849, A Desobediência Civil, afirmou: “Não nasci para ser forçado a nada. Respirarei a meu próprio modo. Vejamos quem é mais forte. Que força tem uma multidão? (…) Forçam-me a tornar-me como eles. (…) Que espécie de vida seria essa?”
É provável que daí tenha surgido o contemporâneo chavão “não sou obrigado a nada”. Mas isso tema para outra conversa!
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