A trajetória profissional de Gustavo Santos no tiro com arco começou aos 16 anos, em 2014. Em 2019 ele trocou o arco nativo pelo olímpico e, desde então, integra a seleção brasileira.
Publicado 29 de março de 2022 às 09:52
O indígena Gustavo Santos, de 25 anos, domina o arco e a flecha. Ele é capaz de caçar animais no meio da mata e pescar peixes no rio com facilidade. A sua habilidade com o instrumento lhe ajudou a se tornar um atleta profissional da modalidade. Gustavo trocou o arco nativo pelo olímpico e desde 2019 integra a seleção brasileira.
Com o apoio do projeto Arquearia Indígena, da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), ele busca se tornar o primeiro atleta indígena a representar o Brasil em uma edição dos Jogos Olímpicos.
Gustavo, ou melhor, Ywytu, seu nome indígena que significa vento, é nascido na comunidade Nova Canaã, no baixo Rio Negro, interior do Amazonas, Estado considerado o segundo polo de formação de atletas, atrás do Rio de Janeiro. Sua trajetória no tiro com arco profissional começou aos 16 anos, em 2014, quando foi descoberto pelo Projeto Arquearia Indígena.
Ele viu que levava jeito e decidiu apostar na modalidade. Passou pela seleção brasileira de base, começou a alcançar resultados expressivos nacionalmente e a competir em torneios internacionais. Foi bicampeão brasileiro por equipes e também nas duplas mistas e prata nos Jogos Sul-Americanos. Mas ainda não alcançou o maior sonho: tornar-se um atleta olímpico
“No meu primeiro campeonato, não passei sequer da primeira fase. Já aprendi muito ao longo do percurso. Cresci bastante”, diz o arqueiro ao Estadão. “O que falta no meu currículo esportivo é uma Olimpíada. Quero ser o primeiro indígena do Brasil nos Jogos Olímpicos”, salienta o atleta, que ficou em décimo na seletiva para Tóquio. Fora, portanto, dos classificados.
O Brasil mandou para Tóquio dois arqueiros, um de cada gênero: Marcus Vinicius D’Almeida e Ane Marcelle dos Santos. Se o país conseguir a classificação por equipes, as chances de Gustavo estar em Paris-2024 aumentam, até porque competir com Marcus, o maior arqueiro brasileiro atualmente, não é das tarefas mais fáceis.
“Hoje estou muito mais preparado. Alcancei um nível que não tinha. Estou entre os melhores do Brasil e batalho para subir ainda mais. Tenho boas chances. Dependendo das minhas colocações nas seletivas até 2024, posso sonhar”, avalia Gustavo.
Gustavo ocupa o quarto lugar no ranking nacional do tiro com arco. Ele se mudou de Manaus para Maricá, no Rio de Janeiro, para treinar com os outros atletas da seleção brasileira. O arqueiro mora na sede da Confederação Brasileira de Tiro com Arco (CBTARCO) e tem apoio financeiro da FAS, que se inspirou na australiana Cathy Freeman, ouro nos Jogos de Sydney, em 2000, para criar o projeto Arquearia Indígena. Seu primeiro – e principal – desafio em 2022 é o Mundial da Coreia do Sul, em Gwangju. A competição começa em maio e ele já conseguiu vaga. Será a primeira vez que estará em uma Copa do Mundo da modalidade.
Virgílio Viana, superintendente geral da FAS, foi o idealizador do projeto que capta jovens indígenas e os desenvolvem como atletas. Ele diz que a iniciativa é fruto “de uma inquietude diante dos desafios relacionados ao suicídio de jovens indígenas e da desesperança desses jovens em função das perspectivas de vida que eles têm”.
Segundo ele, a ideia nasceu com o objetivo de criar figuras de heróis indígenas, atletas vencedores capazes de enfrentar e eventualmente vencer os não-indígenas. “Conseguimos sim criar heróis indígenas e contribuir de forma modesta para esse desafio que é o problema da desesperança de jovens indígenas, que muitas vezes deságuam em alcoolismo, dependência de drogas e suicídio”, comenta.
Gustavo teve de aprender a lidar com o arco olímpico, muito diferente em relação ao nativo. A transição é complexa. O equipamento profissional chega a pesar cinco quilos, cerca de quatro a mais que o material nativo, produzido com vara feita a partir da madeira extraída da bacabeira e a corda feita com tucum. “Existe uma diferença notável. O arco olímpico é muito mais tecnológico, mais profissional e muito mais pesado”, constata o arqueiro.
A vantagem dele, como de outros indígenas, é a força e a capacidade de suportar treinamentos exaustivos. “O Gustavo tem muita intensidade. Ele e outros indígenas têm uma vida muito mais ativa, pela ligação com a natureza. Eles têm uma habilidade motora incrível e uma resistência muito grande”, explica Aníbal Forte, técnico do atleta desde o começo de sua trajetória. “Tecnicamente e fisicamente ele está no nível de qualquer atleta mundial”, elogia.
Mas o que falta para Gustavo realizar o sonho olímpico? Segundo Aníbal, é tornar-se um atleta forte mentalmente – atributo visto em campeões de outros países, especialmente os sul-coreanos e americanos. “Ele tem que estar exposto a uma série de situações estressantes para evoluir”, acredita. “Infelizmente, no Brasil, a questão psicológica não é levada tanto a sério pelos atletas e confederações”, conclui.
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